Essa configuração plural teve sua abrangência à esquerda paulatinamente reduzida - e tornada menos frequente - a partir de fins dos anos 90 e hoje faz parte do passado. Ora não apenas o conteúdo opinativo produzido por convidados na seção "Tendências/Debates" (pág. A3) e por não-jornalistas na página A2 tornou-se muito mais homogêneo, com amplo predomínio de representantes dos setores conservadores (em que pesem as presenças de Marina Silva e de César Benjamin), mas o próprio corpo de jornalistas responsáveis pelas colunas de opinião tem apresentado maior coesão e identificação ideológica entre si, com as honrosas exceções de Carlos Heitor Cony e, ainda com maior agudeza, de Janio de Freitas. Tal característica tem evidenciado a guinada conservadora do jornal sob o comando do diretor de redação Otavio Frias Filho, que, além de moldá-lo de acordo com sua orientação político-ideológica, vem tornando a publicação muito mais repetitiva e tendenciosa, aproximando-se temerosamente de uma certa direita raivosa até mesmo na adoção de métodos de falseamento dos fatos (como no inaceitável caso da falsa ficha policial de Dilma Roussef recebida pelo correio eletrônico e que foi publicada mesmo sem ter sua autenticidade comprovada).
Opiniões viciadas
A bola da vez é, nas palavras de Barros e Silva, a "máquina de propaganda do lulismo", tema de reportagem de Fernando Rodrigues publicada pelo jornal no dia anterior (31/05), que "revelou" que o governo Lula teria adotado "uma política radical e sistemática" de aplicação da verba publicitária pública. Antes que o leitor, ante denúncia de tamanha gravidade (se é radical é grave, não é mesmo?), sinta um frio na espinha e um cheiro de falcatrua no ar, vamos aos números:
"Em 2003, a Presidência anunciava em 499 veículos; em 2009, foram 2.597 os contemplados – um aumento de 961%. Discriminada por tipo de mídia, essa explosão capilarizada da propaganda oficial irrigou primeiro as rádios (270 em 2003, 2.597 em 2008), depois os jornais (de 179 para 1.273) e a seguir o que é catalogado como `outras mídias´, entre elas a internet, com 1.046 beneficiadas em 2008”.
Mas ao analisar a mídia alheia, Barros e Silva faz uso de dois pesos e duas medidas (repare no estilo policialesco, como se descrevesse uma atividade criminosa, que o colunista uma vez considerado um dos melhores textos e um dos analistas mais argutos em atividade, no afã de agradar ao patrão, não demonstra o mínimo pudor em adotar):
"No subsolo do poder a engrenagem montada pelo ministro Franklin Martins se encarrega de alimentar a rede chapa-branca na base de verbas publicitárias. É o Bolsa-Mídia do governo Lula".
A ilação maliciosa entre a política publicitária do governo e seu programa de distribuição de renda é reveladora do elitismo intransigente de uma certa imprensa – da qual a Folha compõe a linha de frente – que primeiro rejeitou o programa, apelidando-o de forma pejorativa (“Bolsa-Esmola”), para, quando ele passou a ser internacionalmente saudado, passar a analisá-lo exclusivamente como medida eleitoreira.
Somada à menção gratuita e leviana – pois sem comprovação – do papel que tais verbas publicitárias teriam no "governismo subalterno de certos blogs que o lulismo pariu por aí", o texto evidencia a incapacidade (ana)crônica dos colunistas da Folha para entender dois fenômenos do Brasil atual: o governo Lula e o ativismo político na internet. Trata-se de deficiência a um tempo significativa e perigosa para o próprio jornal, pois sua posição ante tais fenômenos afigura-se fundamental para entender sua crescente perda de credibilidade e sua vertiginosa queda nas vendas.
Assim, nem a o que restou de categoria no texto de Barros e Silva consegue disfarçar o óbvio: por trás da adjetivação pesada e da argumentação tortuosa não se esconde fato escandaloso algum, mas apenas interesses empresariais contrariados – no caso, do próprio Grupo Folha. Tais artifícios não passam, portanto, de cortina de fumaça para um queixume disfarçado de indignação cívica, um esperneio de um grande grupo de mídia que não aceita ser preterido na distribuição de verbas publicitárias federais. Que colunistas aluguem seu espaço de opinião alegadamente autônoma para tal chilique corporativo é revelador do grau de contágio que a decadência moral da outrora prestigiada redação do diário paulista ora apresenta.
A culpa é do marketing
Fernando Rodrigues, em coluna logo abaixo da de Barros e Silva, vai mais longe (você pode ler as colunas dos dois fernandos aqui, ao final dó ótimo texto que Luiz Antonio Magalhães fez publicar sobre o assunto). Para o jornalista da Folha:
"A resiliência inaudita do petista não surge por geração espontânea. Tampouco é fruto apenas da capacidade de comunicação do ex-sindicalista. Tudo é resultado de uma complexa estratégia de marketing [grifos meus]. O governo brasileiro pré-PT sempre foi o maior anunciante do país. Agora, sob Lula, elevou essa condição ao paroxismo. Chega sozinho a 5.297 veículos de mídia impressa e eletrônica. O sabão em pó Omo ou políticos de oposição, por enquanto, não são páreo para Lula."
O leitor atento nota que, no texto dos dois fernandos, não há nenhum questionamento relativo ao montante de verbas empregado pelo governo, sendo que Rodrigues tem a correção de reconhecer que o governo federal sempre foi o maior aplicador de verbas publicitárias no país – embora, ao contrário do que afirma, não haja "paroxismo" algum na ação do atual governo, que ao horizontalizar a distribuição e verbas promove, pela primeira vez em âmbito federal, a alteração de um modelo concentrador e responsável por desigualdades regionais graves no campo da comunicação.
O truque das duas colunas advém justamente de tal confusão: mistura volume de verba com número de veículos contemplados por tal verba como forma de atribuir ao marketing do governo – e exclusivamente a ele, como a frase grifada do texto de Rodrigues evidencia – o sucesso da administração Lula. Tal raciocínio suspende o julgamento de seu governo, de seus méritos e pontos críticos, em prol (sic) de um subtexto óbvio: você, (e)leitor que simpatiza com o governo Lula, é um idiota que se deixa ludibriar por propaganda oficial feita com dinheiro público.
Colunismo a serviço do patrão
Depois de tantos factóides políticos que resultaram inócuos e da contra-reação espetacular da Petrobrás ao criar um blog para defender-se da artilharia tucano-midiática (desculpe, leitor, o pleonasmo), parece por ora restar aos críticos sistemáticos do governo na imprensa pouco mais do que essa falaciosa operação discursiva, que finge desconhecer que a principal mídia do país, e a única que atinge todas as classes sociais, etárias e regionais – a TV Globo – não pode ser arrolada como órgão chapa-branca por conta do agrado das verbas federais. Aliás, muito pelo contrário.
Ler as duas colunas aqui comentadas e comparar o seu conteúdo aos fatos que criticam é deparar-se com um tipo de jornalismo que distorce os fatos de uma maneira tão deliberada que fica patente a despreocupação não somente em respeitar a inteligência do leitor, mas em preservar a própria respeitabilidade como jornalista (assim como a do órgão em que trabalham, se este ainda a tivesse).
A esse colunismo desonesto, elitista e em descompasso com a dinâmica do país faria muito bem a capacidade de observação sociológica em relação à popularidade de Lula demonstrada pelo jornalista Leandro Fortes em texto fundamental sobre a polêmica do terceiro mandato (publicado originalmente em seu blog, que infelizmente não oferece hiperlink). Ele assinala que:
"Luiz Inácio conseguiu estabelecer com o eleitorado uma ponte de comunicação praticamente imune aos ruídos da mídia (...) Lula fala a língua da distribuição de renda, da segurança alimentar e da identidade nacional. De certa forma, conseguiu converter em ganho eleitoral todos os males a ele atribuídos pela zelosa elite intelectual e econômica brasileira, da falta de educação formal à aparência física".
Tudo isso, de acordo com os colunistas da Folha de São Paulo, graças às verbas pulverizadas da publicidade oficial...
P.S. Na segunda-feira (08/06), dia de menor circulação de jornais, a Folha abriu espaço para que o ministro-chefe da Secom, Franklin Martins, se manifestasse sobre o assunto (íntegra do texto aqui). Sua linha argumentativa coincide, em alguns pontos, com a do texto acima, acrescentando informações relevantes, sobretudo a de que apenas 10% da verba publicitária federal são utilizados para publicidade institucional direta (leia abaixo). Destacaria os seguintes trechos:
“[Do total de verbas], 70% são investidos por empresas estatais, que não fazem publicidade do governo, mas de seus produtos e serviços, para competir com companhias privadas. Além disso, os ministérios e autarquias, que respondem por 20% da verba publicitária federal, não podem fazer propaganda institucional, só campanhas de utilidade pública (vacinação, educação de trânsito, direitos humanos etc.). Apenas a Secom está autorizada a fazer publicidade institucional. Para esse fim, seu orçamento é igual ao do governo anterior (cerca de R$ 105 milhões)”
"Não houve aumento de verbas. O que mudou foi a política (...) Esses critérios técnicos, amplamente discutidos com o TCU e entidades do setor, têm favorecido a democratização, a transparência e a eficiência nos investimentos de publicidade do governo federal. Não há privilégios nem perseguições. Tampouco zonas de sombra. Muito menos compra de consciências.”
O texto de Martins deve ser lido, questionado e criticado. Merece destaque, porém, seu destemor em justificar a estratégia de marketing oficial através da abordagem de assuntos-tabus na FSP, como a queda das vendas dos grandes jornais em comparação com o aumento da venda dos jornais interioranos e populares e o crescimento da internet como mercado publicitário. Assim, é claro, Martins acaba por desnudar a distorção deliberada do sentido dos fatos empreendida por dois colunistas que, embora alegadamente tenham independência opinativa, preferem defender os interesses econômicos da empresa em que trabalham.
2 comentários:
Maurício, sabe o que me vem à mente? Os caras que atacaram o blog da Petrobras. É engraçado que os que fizeram isso, são os mesmos que "denunciaram o Estado policialesco" no caso DD.
Desculpe, Hugo, mas tô tão puto com a violência policial na USP que não estou conseguindo captar o sentido exato de suas palavras. Você se refere a este post ou ao comentário que coloquei no Idelber sobre a coincidência macabra da coluna do Igor Gielow? (deve ser isso, certo?)
Pois é, esse colunismo da Folha tá virando uma piada de mau gosto. Antes era só ruim, agora é ruim, arrogante e cômico. Eu não acreditei no que li hoje lá, os ataques contra a Petrobrás: "Há uma quebra de contrato ao divulgar as informações de que os jornalistas dispõem". Só que as informações foram fornecidas pela própria Petrobrás. Só dá pra rir, certo? Será que o cara que escreve isso, com aquela arrogância toda, acredita no que escreve? Ele consegue colocar a cabeça no travesseiro e dormir à noite?
Mas não me conformo com a violência na USP - e, tão grave quanto, com a reação das pessoas nos blogs do Nassif e do Idelber. Imaginava uma revolta muuuuito maior, mas não. Sem contar que tem um monte de gente que apoia, como se fosse natural polícia invadir campus. Definitivamente, vivemos em tempos conservadores. Quando eu era graduando era impensável polícia sequer entrar no campus, quanto mais sair batendo e tacando bomba.
A propósito, eu li o que você escreveu no Biscoito sobre a PUC. Essa coisa da segurança terceirizada nas universidades é outra excrescência - e uma bomba-relógio. Tenho horror disso.
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