O
pacote de medidas da presidente Dilma para economizar R$30 bilhões,
garantir um alto superávit primário e, assim, segundo ela, tirar o
Brasil da crise profunda em que se encontra repete três dos mais
graves vícios que caracterizam sua gestão: o autoritarismo, o elitismo e a mitomania.
O
primeiro se evidencia pela falta de diálogo com a sociedade acerca
das medidas, tomadas a portas fechadas em reuniões palacianas, com
cuidados extras quanto ao sigilo, o que suprime do público até
mesmo o direito de ser informado acerca dos debates e dilemas
internos ao governo que elegeu e sustenta.
Alto
grau de cinismo
Já
a insensibilidade social é explicitada na sem-cerimônia com que
Dilma mostra-se disposta a fazer com que trabalhadores e
desempregados paguem o ônus da crise, através de um plano que
preseva intocados as grandes fortunas, os “tubarões” (na
confissão do próprio ministro Levy, em surpreendente acesso de
sinceridade) e o rentismo do mercado financeiro. Não é por outra
razão que a mídia, outrora tão reticente, mal disfarça a euforia
com as medidas.
Quanto
à mitomania presidencial, ela é expressada, em primeiro lugar, na
adoção de medidas que são o exato oposto daquelas com as quais
Dilma se comprometera na campanha eleitoral – e as mesmíssimas que
jurava que seus adversários tomariam. Alimenta-se também da
manutenção da fantasia de que seguir o dogma fiscal neoliberal
signifique não só algo mais do que satisfazer a sanha da banca, mas
a própria solução da crise. Por fim, atinge o paroxismo do cinismo
quando alega que medidas que diminuem empregos, vagas em concursos,
poder de compra e capital circulante, enquanto aumentam impostos e a
recessão, visem justamente preservar conquistas sociais e baixos
índices de desemprego (os quais ora já pertencem ao passaado).
Corte
de perspectivas
É
particularmente cuel, no pacote, a suspensão de concursos públicos, ainda mais por somar-se ao corte anterior de 75% das bolsas de pós-graduação. Interdita, assim, uma das poucas vias que restam aos brasileiros de ascender a um
emprego estável e com salário razoável, de forma honesta, sem
apadrinhaento e após um justo processo competitivo (exceção feita
aos vergonhosamente viciados concursos para professor das
universidades, palco de conluio entre professores corruptos).
Trata-se
de um dupla crueldade, porque, por um lado, em um cenário de
escasssez acelerada de vagas, tira de uma enorme legião de
desempregados e concurseiros o direito de ao menos sonhar com um bom
emprego – alento que, na mente autodepreciada de um cidadão
desprovido da estima que o trabalho propicia, pode fazer a diferença
entre a depressão e disposição à luta - e, no limite, entre a
vida e a morte.
Privilégios
intocados
Por
outro, por se tratar de uma falsa solução, já que, como todos os
estudos demonstram, não é o funcionalismo de grau médio e
efetivamente trabalhador o problema, e sim os supersalários e as
inconcebiveis mordomias de uma elite de funcionários públicos que,
nos Três Poderes, parasita e subverte o sistema, ao desrespeitar de
forma flagrante os limites salariais e de acúmulo de cargos
determinados pela lei.
Em
seu eterno horror ao conflito, nem em plena crise fiscal o governo
petista ousa mover uma palha para mudar tal estado de coisas e, além
de manter a malta de altos cargos comissionados, prefere sacrificar
ainda mais os servidores federais de baixo e médio escalão –
grupo mais atingido pelas medidas – e, de forma geral, os
desempregados e trabalhadores que já arcam com o ônus da crise
através da inflação, da escassez de crédito, dos juros
exorbitantes e dos aumentos desproporcionais da energia elétrica que
o populismo eleitoreiro de Dilma Rousseff legou às famílias.
Presa
do capital
Mais
do que nunca, Dilma está de joelhos, completamente rendida, disposta
a satisfazer todas as exigências do capital. “-Faremos tudo para
impedir o golpe”, declarou ontem, como se, por um lado, a
disposição a que alude fosse um ato de resistência político-social
e não, como tem efetivamente sido, de rendição aos ditames do
mercado financeiro e das forças políticas que o representam em
troca da manutenção apenas nominal do poder, traficando o
sacrificio – inclusive de direitos adquiridos - da classe
trabalhadora.
Talvez
o grande paradoxo que marca o presente momento político resida aí:
que a manutenção de Dilma no poder, de importância prioritária
para o petismo, venha tendo por preço o atendimento inconteste a
todas as demandas do alto capital, mesmo que estas afetem
negativamente a vida dos trabalhadores, aposentados e desempregados.
Nesta operação, o petismo sacrifica sua própria identidade,
tornando-se a cada dia mais indistinguível de um partido de direita
neoliberal. Além disso, dá mostras incontestes de que prioriza os
interesses do partido aos do povo e do país, os quais não hesita em
sacrificar.
Despreparo
e egolatria
Assim,
não é mera coincidência que a defesa que os mais renitentes
petistas ainda fazem do partido quase nunca se refira à sua atuação
no presente (ou mesmo dos últimos dois anos), e sim, repetidamente,
a feitos do governo Lula ou, com mais raridade, do início do governo
Dilma - quando não comparando-os, como de uma coisa só se tratasse,
ao governo FHC, de duas décadas atrás.
Pois
liderada, na vida real, por políticos incomparavelmente menores do
que fundadores como Florestan Fernandes, Mário Pedrosa e Carlito
Maia e, na internet, por ideólogos cuja escassa formação teórica
e política é inversamente proporcional à necessidade de
protagonismo e satisfação egóica, resta a essa cada vez mais
alienada militância, que parece desconhecer os benefícios da
honesta autocrítica, gritar contra o que chamam de golpismo (como se
impeachment a este equivalesse e não fosse uma possibilidade
processual legal, prevista na Constituição, e inclusive já
aplicada um Presidente anterior – hoje aliado de Dilma -, com apoio
entusiasmado do próprio PT).
Dilma
não é Jango
Desse
esfoço desesperado de uma militância em crise decorre, num esfoço
para colocar Dilma na condição de vítima de golpismo, a comparação
entre 2015 a 1964. A improcedência da contraposição entre a atual
mandatária – que, tendo recebido de Lula um país em boas
condições, o levou o à grave crise atual após guinar ainda mais à
direita – e o presidente João Goulart, este sim deposto de forma
golpista, à ponta de baioneta, é assinalada com primor pelo
jornalista Laerte Braga, no Facebook:
“Há uma diferença sem tamanho entre Dilma Roussef e João Goulart. Tentar comparar os dois é um erro crasso. Jango, como era conhecido o presidente, enfrentou as elites, tinha apoio popular, foi deposto num golpe tramado em Washington e com apoio das elites paulistas. Não sacrificou seus princípios e em toda a História do Brasil, teve ministérios ocupados por ministros que deixaram lições de grandeza. Hermes Lima, Evandro Lins e Silva, Hélio de Almeida, Ulisses Guimarães, o jurista Roberto Lira, Celso Furtado e vai por aí afora. E Dilma? Se enrola na teia de Renan, de Cunha, de Kátia Abreu, de Aluísio Mercadante e nessa versão século XXI de Drácula, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Só a FEBRABAN, entidade dos bancos, apoiou o pacote anunciado ontem. Um desastre total. Jango era grande, Dilma é pequena. Brizola tinha razão sobre a presidente."
Direitos
na mira
Dilma
tem, evidentemente, todo o direito de lutar contra o impeachment.
Mais do que isso: tendo sido democraticamente eleita, tem a obrigação
de fazê-lo. Entretanto, posar de vítima de golpismo, recusar-se a
se desculpar pela campanha eleitoral imunda e mentirosa e insistir em
um discurso de preservação de empregos e de defesa dos mais pobres
quando, na verdade e de forma efetiva, toma medidas que jogam o custo
da crise nestes, poupam elites e só beneficiam os bancos e demais
entes do rentismo é insistir na mitomania que levou à crise e na
crença de que os brasileiros se deixarão enganar, mais uma vez,
pela retórica vitimizante, desqualificadora e dissimuladora que
oculta e às vezes subverte os fatos.
Já
passou o tempo de o PT ficar fazendo o jogo da direita enquanto posa
de paladino dos pobres e trabalhadores. O truque não convence mais.
Como está, a dúvida é se Dilma vai sangrar mais um pouco,
sacrificando mais direitos sociais, até o impeachment, ou se será
uma longa hemorragia, até o final do governo, quando sabe-se lá o
que restará dos direitos trabalhistas e de seus beneficiários.
Comodismo
Como sempre, as forças do medo - que, no petismo, venceram as da esperamça - alegam que não ha outro jeito. Mas há, sempre há. E a
saída que resta è à esquerda, com a convocação de uma auditoria
da dívida, rompimento com as metas de superávit determinadas pelo
mercado e um governo orientado à melhoria da vida dos cidadõas, priorizando os direitos dos pobres, desempregados e
trabalhadores - que, aliás, historicamente apoiaram o PT. Mas isso implica em
conflitos diversos e em enfrentamento com o mercado, coisas que o partido jamais fez desde que assomou ao poder federal.
Não
há, portanto, razões para supor que Dilma e o PT sejam agora
capazes de arriscar perder as migalhas de poder que ora detém ao
tomar uma atitude que demanda coragem e civismo – itens escassos no
neopetismo.
(Imagem retirada daqui)
2 comentários:
Mauricio, esse e um dos melhores comentários sobre a conjuntura do Pais que li nas ultimas semanas. Conheci o blog agora, digitando "governistas fanáticos" no Google, na esperança de encontrar algum texto que abordando justamente os pontos que você mencionou. É surreal, para dizer o mínimo, a postura de algumas pessoas autodeclaradas "progressistas". Sao, na verdade, governistas alucinados. Outro dia li um comentário de um "progressista" dizendo que temos que apoiar incondicionalmente a Dilma porque so assim o imposto sobre grandes fortunas poderá ser regulamentado. Como alguem pode ser tao alienado? Dilma não sugeriu que iria regulamentar o ISGF nem como retórica de campanha e a pessoa vem sugerir isso. Também achei importante sua abordagem sobre o discurso de vitimização dos defensores do governo federal. A rigor, esse se tornou o sustentáculo de toda argumentação dos governistas. Basta Dilma adotar alguma política em desacordo com suas promessas de campanha - e isso acontece quase toda semana - para pinçarem do Youtube/Facebook um video de algum fanático de direita dizendo que vai matar a Dilma. Tudo para desviar o foco... Enfim, esse 2015 me desiludiu muito. De um lado, a imprensa tradicional, cínica e desonesta como sempre, que ja conhecemos de outros Carnavais. De outro - e esse é o ponto de minha decepcao - "progressistas" alucinados, imunes a realidade e a lógica como o mais empedernido conservador. Desculpe pelo péssimo português - ainda não me acostumei com esse teclado.
Caro Paulo,
Desculpe pela demora em posrar seu comentário, mas estava de férias da internet, praticando um "detox virtual"...
Fico feliz em constatar, pelo seu comentário, que essa imensa farsa que virou a blogosfera dita progressista está ficando cada vez mais evidente e a um número cada vez maior de pessoas.
Um abraço,
Mauricio.
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