Com a arrecadação em
queda livre devido à crise, o governo de Dilma Rousseff mostra-se incapaz de
entregar o superávit primário que o czar Levy prometera ao mercado,
amargando um rombo nas contas da ordem de R$ 30 bilhões. Em vez de
recuar de um ajuste fiscal que só beneficia o mercado financeiro,
mas é prejudicial à população e ao país, dá mostras de ver o
aumento generalizado de impostos como única saída para o impasse.
Com efeito, no 7 de
setembro, após a menção a “sacrifícios necessários” no
discurso de Dilma, Mercadante anunciou explicitamente a intenção de
aumentar tributos. Ontem, após citar a Espanha dos 50% de jovens
desempregados como exemplo de ajuste fiscal bem feito, Levy admitiu
que estuda elevar o Imposto de Renda de pessoa física. Passando da
ação à prática, Temer agendou encontro com governadores com o
objetivo de acertar o aumento (e o novo reparto) da CIDE, que incide
sobre combustíveis.
Falácia neoliberal
Durante décadas, o
discurso contra a alta carga de impostos no Brasil praticamente se
circunscreveu aos setores mais conservadores da sociedade, os quais,
de forma consciente ou não, alimentaram a crença em um Estado
mínimo, que se limitasse às suas tarefas político-administrativas,
legando à iniciativa privada a tarefa de administrar – e lucrar
com – a Educação, a Saúde, os transportes, a Cultura, entre
outras áreas.
Bastaram as
administrações de perfil neoliberal de Collor e Fernando Henrique
Cardoso, com suas tentativas de desmonte do Estado, para dar mostras
mais que suficientes de que o grau de eficiência da iniciativa
privada quando faz as vezes de Estado é diretamente proporcional ao
lucro que aufere – e vice-versa. O resultado é que tanto sub-áreas
como preservação cultural ou medicina preventiva tendem a ser
sistematicamente negligenciadas, quanto alunos, pacientes e
passageiros que não podem pagar ficam sem acesso a Educação, Saúde
e transportes.
Mudança de postura
Talvez a relativa
tolerância da maior parte da sociedade brasileira para com os altos
impostos que paga tenha algo a
ver com isso, com a aceitação tácita, ainda que contrariada, de
que, em um país de tão pronunciadas desigualdades sociais, os
impostos funcionariam como uma espécie de pedágio expiatório por
viver melhor do que a maioria de necessitados.
Assim,
ainda que algum protesto contra a carga tributária sempre houvesse,
ele acabava descartado como uma lamentação, um #mimimi das elites.
Nos últimos anos, no entanto, é perceptível o crescimento
da insatisfação com os impostos no Brasil.
No limite
Em primeiro lugar,
porque eles se tornaram insuportavelmente altos e não param de
crescer, pesando muito no bolso dos cidadãos, tanto nos descontos
na folha de pagamento dos assalariados quanto nas planilhas dos
empregadores, notadamente os de baixo e médio portes.
Qualquer pessoa em
contato com micros e pequenos empresários sabe que o custo de se
empregar funcionários tornou-se extremamente dispendioso, e a
urgência, neste caso, é para que se diminuam impostos, em vez de
aumentá-los. Tudo somado, a impressão é que, em termos
tributários, atingimos o limite do suportável.
Ralos e assimetrias
Em segundo lugar,
porque, graças a distorções como o imposto sobre consumo ser 12 vezes mais alto do que o imposto que incide sobre patrimônio, a arrecadação fiscal, no Brasil, está estruturada de um modo tal que reproduz e
intensifica a assimetria socioeconômica entre as classe sociais, com
as camadas menos favorecidas pagando proporcionalmente mais imposto
do que as classes alta e média-alta.
Em terceiro lugar,
porque a contrapartida que o governo deveria dar aos cidadãos em
troca de tributos tão altos deixa a muito a desejar, com serviços
públicos morosos e ineficientes, uma malha arcaica de mobilidade
urbana, indíces intoleráveis de violência e uma sensação de
insegurança disseminada. Coroa o bolo a cereja da corrupção, com
escândalos sucessivos, de vários governos e partidos, e envolvendo
cifras monumentais, o que faz o cidadão se sentir um otário cujos
impostos que paga com sacrifício vão para o ralo dos esquemas
paralelos e para os bolsos ja recheados de uma corja.
Governo perdulário
Diretamente a tais
mazelas conectado, em quarto lugar, verifica-se uma forte sensação
de desperdício e mal direcionamento no uso que o governo faz dos
tributos que arrecada, sensação açulada por um ministério com 38
titulares, pela disponibilização de viagens e apartamentosa granel à
“corte” e por uma série de mordomias para os altos escalões dos
Três Poderes, benesses com as quais a imensa maioria dos cidadãos,
submetida a duras e longas jornadas entre casa e emprego, não pode
sequer sonhar.
E afinal, se a situação
demanda tanta economia como Dilmaalardeia, há de se perguntar se o governo não
deveria, por exemplo, diminuir os gastos com publicidade, que somaram
quase
R$5 bilhões nos dois últimos anos e, em plena crise, continuam
correntes, como se pode constatar facilmente ao ligar a TV ou folhear
os principais jornais e revistas. Há de se questionar também se são
realmente imprescindíveis os vultosos gastos com viagens
governamentais para fins meramente promocionais ou com o gigantesco
aparato – que no 7 de setembro incluiu até muros de aço isolando
uma enorme área central de Brasília – mobilizado para os eventos
públicos presidenciais, cujo custo com segurança é inversamente
proporcional aos indices de aprovação da administração Dilma nas
pesquisas.
Privilégios
injustificados
Por fim, o quinto fator
de insatisfação com o quadro tributário brasileiro vem da
constatação de que há isenções que não se justificam, com
determinados agentes sociais continuando a receber o privilégio
indevido de não pagar impostos mesmo quando a situação fiscal é
gravíssima e se cogita penalizar ainda mais aqueles que já muito
contribuem. Dois casos se destacam: o da isenção para entidades
religiosas e o da não-tributação (ou tributação ínfima) de
grandes fortunas.
Em um Estado cuja
Constituição determina que seja laico, não há nenhuma
justificativa para a isenção de impostos a entidades religiosas. A
rigor, a manutenção de tal contradição em pleno século XXI
evidencia ainda mais o absurdo e o arcaísmo da situação – e os
maldisfarçados interesses políticos que a determinam.
Pois, se qualquer
trabalhador ou comerciante, mesmo o mais humilde, é obrigado a pagar
impostos, por que instituições ligadas a igrejas seculares, que
lucram fortunas com ensino e eventos, devem ser poupadas de
contribuírem com uma porcentagem de suas receitas? Qual a razão
para que seitas que, com dinheiro em grande parte amealhado entre os
estratos mais pobres da sociedade, constróem templos faraônicos e
compram canais e horários televisivos deixem de ter tributada umam
fração de seus lucros em prol do bem comum, como ocorre com as
demais empresas e insituições do país?
Incoerência e elitismo
De forma similar, não
se encontra justificativa racional que sustente, em um tal quadro
social, que donos de enormes fortunas – que, para maximação de
seus ganhos não produtivos, já contam com o acesso a contadores e
especialistas tributários inacessíveis ao resto da população –
sejam poupados da obrigação de contribuir com aliquotas
proporcionalmente maiores como forma de redistribuir renda, ainda que
em doses homeopáticas.
A desculpa do ministro
Levy, ao alegar que tal medida geraria uma arrecadação “pouco
significativa” soa mais como um ato de solidariedade de classe do
ex-alto executivo do Bradesco do que como um dado econômico efetivo,
e por duas razões: primeiro, porque a maioria dos países que adota
a tributação de fortunas tem obtido de tal dispositivo receitas
fiscais relevantes; segundo, porque o grau de relevância do montante
a ser arrecadado depende da disposição e coragem para estipular
alíquotas condizentes com o montante das fortunas e com as
necessidades do país.
Mas não. A tesoura de
Levy tem preferido cortar, com excessiva disposição, os direitos
trabalhistas de desempregados, pensionistas e trabahadores, bem como
as verbas para Educaçao, Saúde e Mobilidade Urbana (as três áreas
mais afetadas até agora). E já estão confirmados para o ano que
vem cortes nas áreas sociais, nominalmente no programa de habitação
Popular Minha Casa, Minha Vida.
Inversão de valores
Neste momento de
agravamento da crise econômica, um aumento generalizado de impostos
seria uma dura e injusta medida contra os assalariados e os
empregadores, que já estão sendo muito sacrificados pela recessão
– a qual, aliás, tenderia a agravar-se ainda mais com a diminuição
do poder de compra e de investimento que tal assalto fiscal traria.
E tanto sacrifício
para quê? Simplemente para o governo agradar ao mercado financeiro –
ou seja, aos bancos -, pagando os juros da dívida pública e
cumprindo a meta socialmente irresponsável de um alto superávit
primário, resguardando os afortunados e à custa de uma maioria de
desfavorecidos, como tem sido a regra no governo Dilma.
É uma dupla e amarga
ironia que, por um lado, um partido que alguns ainda teimam em
classificar como de esquerda entregue o comando da economia a um
economista neoliberal célebre pela avidez com que corta gastos
públicos; e, por outro lado, que o neoliberalismo sui generis de
tal ministro inclua aumento generalizado de impostos, o que acaba
por punir de forma mais incisiva os pobres e remediados que um
partudo dito de esquerda deveria defender.
(Charge de autoria desconhecida retirada daqui)
Nenhum comentário:
Postar um comentário