É um marco histórico
a entrega do relatório final da Comissão da Verdade, realizada hoje
(10/12), em Brasília. Sua importância simbólica e efetiva, como
registro documental dos crimes perpetrados pelo Estado durante o
período militar, supera as criticas que se possa fazer às
condições, restrições e táticas dissimulantes das quais foi
vítima desde sua tardia implementação.
O vício das
conciliações por cima, traço distintivo do modus operandi das
elites brasileiras, fez com que sejamos o último dos países
latino-americanos a não acertar as contas com seu passado ditatorial
mais ou menos recente. E, no caso, graças a uma
casuística Lei de Anistia, implementada por quem dela se
beneficiaria, o único em que à constatação de crimes
oficiais como tortura, assassinato e ocultação de cadáver não
corresponde a devida punição legal.
Desinformação política
Esse anacronismo – e
o desconhecimento histórico para o qual ele contribui de froma
determinante - talvez ajude a explicar porque proliferam, nas
manifestações conservadoras recentes, clamores por um novo golpe
militar, alegada panaceia que visaria, sobretudo, o combate à
corrupção. Trata-se de um raciocínio tão denunciador, a um tempo,
de ignorância histórica e de ingenuidade política de quem o
perpetua que tende a soar sempre como mera provocação, trollagem de
quem não tem o que fazer.
Pois foi justamente à
sombra silenciosa do arbítrio que, enquanto o sangue escorria nos
porões, a corrupção assumiu um caráter sistemático e gigantesco,
em megaobras superfaturadas e no loteamento do acesso ao Estado. Além
da relação incestuosa entre o regime militar e o sistema financeiro
– que gerou casos como o Coroa-Brastel, do Banco Nacional e da
falência da Panair- , proliferaram, como nunca, as concorrências
viciadas, em casos como a “Operação Capemi” [referência à
Caixa Pecúlio dos Militares, evidenciando envolvimento direto de
militares], a construção da Ponte Rio-Niterói, e a rodovia
Transamazômica, símbolo máximo do desperdício de dinheiro
público, de corrupção e da falácia do projeto de desenvolvimento
modelo “Brasil Grande”.
Resgate necessário
Ademais, o saudosismo
golpista não é autorizado pela infeliz constatação infeliz de que
o PT, em suas primeiras décadas um partido que priorizava a ética
na política, tenha decidido fechar os olhos para a corrupção e
adotar uma realpolitik tão elástica que inclui “fazer o
que todos fazem no poder” - tática cujos resultados mais evidentes
são os casos “Mensalão” e a administração pra lá de
irresponsável da Petrobras.
Pelo contrário: tal
constatação antes reforça a necessidade de a esquerda resgatar,
nos programas de seus partidos, o caráter precípuo do combate à
corrupção - não só pelo risco de se tornar, na prática,
indistinguível dos partidos conservadores com histórico de grossa
bandalheira, mas, com a descrença generalizada que tal indistinção
propicia, fomentar a ameaça totalitária que vê em golpes militares
a panaceia contra a corrupção.
Prioridade atual
A emoção profunda que
acometeu a presidente Dilma em seu discurso, no ato de entrega do
relatório da Comissão da Verdade, se justifica, tanto (certamente) em termos pessoais quanto cívicos: com todas as muitas críticas que
se possa tecer à sua administração – e este blog não se tem
furtado de fazê-la -, a cerimônia de hoje representa uma grande
conquista para sua gestão e para o país.
E, importante: não só
pelo imprescindível e inadiável acerto de contas com a brutalidade
dos métodos ditatoriais, mas por apontar temas urgentes e atuais de máxima
importância, como o fim da tortura como técnica disseminada de
investigação policial, sobretudo contra os pobres, a necessidade de
adoção de um modelo desmilitarizado de força policial e a urgência
de se combater a hoje insuportável violência urbana sem abrir mão
do respeito a direitos humanos internacionalmente consagrados. O
futuro do Brasil enquanto sociedade depende disso.
(Imagens retiradas, respectgivamente, daqui, dali e dacolá)
(Imagens retiradas, respectgivamente, daqui, dali e dacolá)
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