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segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Aldo e o desprezo pelo conhecimento

O fato de alguém sem conhecimento científico, sem a mínima experiência na área, sem sequer um curso universitário, ser nomeado ministro da Ciência e Tecnologia de uma das 10 maiores economias do mundo seria, por si, um acontecimento espantoso.

Atualmente, o perfil mínimo que se espera para tal cargo, em qualquer país decente, é ou o de um gestor científico com décadas de experiência ou o de um acadêmico responsável por pesquisas de monta, em ambos os casos com titulação mínima de doutor. Afinal, ele será a mais alta autoridade a lidar diretamente tanto com desenvolvimento tecnológico quanto com pesquisa - fora e, em parceria com o MEC, dentro da academia,  em níveis diversos, inclusive de ponta.



Na contramão do mundo
Mas o Brasil, após 12 anos sob administração petista, tornou-se um país em que, ao contrário do que acontece no resto do mundo, quanto mais qualificada a pessoa, mais risco ela corre de não conseguir emprego.

Cresce de forma exponencial, ano após ano, o número de doutores desempregados – gente que dedicou mais de uma década ao estudo e à pesquisa, fez graduação, mestrado e doutorado, para, ao final, já não tão jovem, subsistir em subempregos ou viver o drama do desemprego.



Uma comparação
O caso-síntese desse estado de coisas veio a público em um dos debates eleitorais (na Globo), em que a então candidata Dilma, respondendo pergunta de uma economista de meia idade, com doutorado, desempregada, recomendou-lhe que “se reciclasse” fazendo um curso técnico no Pronatec, menina dos olhos da mandatária. Algo como sugerir a um graduado em Engenharia da Computação que aprenda conserto de computador por correspondência.

Aldo Rebelo (PC do B/AL) não sabe consertar computador, não tem curso técnico no Pronatec, graduação, mestrado e muito menos doutorado. Sequer currículo Lattes, item mandatório para quem lida com ciência, ele tem. A formação dele é muito pior do que a da economista desempregada alvo da resposta desdenhosa de Dilma. Mas, como recompensa a tanto despreparo, a presidente decidiu nomeá-lo ministro da Ciência e Tecnologia.



Palavras ao vento
Pois, à revelia do que Aldo fará em relação a Ciência e Tecnologia, Dilma, cuja alegada prioridade à educação raramente transcende o mero discurso para além do ensino técnico, sabe que pode contar com a fidelidade canina do assessor. Afinal, ele também não entendia nada de Esporte e foi ministro da pasta.

O “novo” ministro, um nacionalista autoritário, é tão ignorante em relação à área sob sua responsabilidade que “faz parte do grupo de pessoas que nega o aquecimento global, um debate que já não faz mais parte da ciência. Comprovadamente, o aquecimento está sim acontecendo, como mostram 10.883 dos 10.885 artigos revisados por pares em climatologia em 2013” - aponta Tulio Baars, em artigo demolidor no Brasil Post.



Contra a ciência
Fica ainda pior: Aldo demonstra desconhecer a própria metodologia científica ao considerar o materialismo diáletico, método forjado por Marx a partir de bases hegelianas, uma “ciência da natureza” - algo que a própria crítica marxista de ponta há tempos revisou.

Isso justifica o temor, ora difundido no universo acadêmico-científico, de que ele venha a sobrepor ideologia à ciência. Sua relação com seu colega da Educação, Cid Gomes (PMDB/CE), ex-governador que vivia às turras com os professores, é também motivo de constrangimento e preocupação. Abaixo-assinados com milhares de assinaturas vêm circulando em tais ambientes e devem ser remetidos à Presidência.



Dupla dinâmica
Os receios se justificam. Há fortes indícios de que a principal função de Aldo, no novo cargo, será repetir a tabelinha que, em 2011, fez com a “Miss Desmatamento” Kátia Abreu (PMDB/TO) – agora sua colega da Agricultura. Na época, os dois atuaram intensamente em prol da votação do projeto de reforma do Código Florestal, a qual visava permitir o cultivo em Áreas de Preservação Permanente, diminuir a conservação da flora nas margens dos rios e isentar de multas os agricultores desmatadores.

Ou seja, ele deve funcionar como uma especie de cão de guarda junto à comunidade científica. Por um lado, concentrando esforços no sentido de estimular a produção de material de sustentação teórico-metodológica ao modelo predatório de desenvolvimento tão ao gosto de Dilma. E, por outro, retendo financiamentos e boicotando a realização ou a difusão de pesquisas que deixem claros e quantifiquem os danos ambientais inerentes a tal modelo.



O país relegado
Sua nomeação ao ministério da Ciência e da Tecnologia é um escárnio. Causa indignação, mas não surpresa, pois revela o retrato acabado de um governo que recusa sistematicamente o diálogo, e que não demonstra o mínimo pudor em sacrificar mérito, experiência e qualificação em prol da imposição acrítica e totalitária de seus objetivos. Os quais, como o caso Petrobras ilustra de forma clara, estão longe de coincidirem com o que seria melhor para o país.



(Foto de Dida Sampaio/AE, retirada daqui)

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