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sexta-feira, 15 de novembro de 2013

"Mensalão": a oportunidade perdida

O processo do "mensalão" chega à fase de prisão dos réus condenados, provocando regojizo de uns e revolta e frustração de outros, mas sem resultar no que seria mais benéfico à democracia brasileira e ao avanço das esquerdas: uma reflexão sobre ética na política e o papel que desempenharam no processo práticas que o PT sempre condenara enquanto oposição. Ao invés de uma imprescindível autocrítica, os governistas dão vazão a um processo massivo de negação e de transferência de culpa, para o STF e para a mídia. 

Sem dúvida, é legítimo que tanto a conduta do tribunal – notadamente do relator Joaquim Barbosa, com seu comportamento irascível, inadequado ao cargo que ocupa – quanto da mídia sejam questionados. Não é possível, porém, ignorar que a grande maioria dos juízes do STF foi escolhida pelos próprios presidentes petistas, entre a elite judiciária. Nem que Lula e Dilma não só não moveram uma palha contra a mídia corporativa nos 11 anos em que o PT está no poder como continuaram a sustentá-la com os cofres públicos, com ainda mais desfaçatez na atual gestão presidencial, em cujo mandato a Secom asfixia as pequenas publicações independentes enquanto enche ainda mais as burras das corporações - as mesmas acusadas de interferência no julgamento, ao transformá-lo em espetáculo de linchamento (com o histórico que têm, achar que não agiriam assim é abusar da ingenuidade). 

Pois a mídia corporativa, no Brasil, tem sido, de fato, pródiga em parcialidade política, em condutas eticamente inaceitáveis e contrárias à própria deontologia do jornalismo, em distorções e manipulações constantes. Assim, necessária e cívica, a crítica de mídia deveria servir de subsídio a governos comprometidos com o avanço democrático da comunicação no país, ajudando a identificar desvios de conduta e problemas estruturais. Há, porém, uma grande diferença entre o exercício legítimo da crítica de mídia – mesmo se cotidiano e implacável – e a desqualificação intransigente de toda e qualquer notícia ou análise advinda da mídia (desde que não sejam positivas para o governo, é claro), com a tipificação a priori e invariável desta com o rótulo totalitário de "PIG" (Partido da Imprensa Golpista), bode expiatório multiuso nas hostes governistas.



Para além do Fla-Flu
Em um processo em que os próprios advogados dos réus admitem o recurso ao caixa dois, outrora repudiado pelo PT, e em que condenações por crimes diversos atingem dezenas de réus, a tentativa de negar tudo e transferir culpas à mídia e ao STF, além de inútil, tira definitivamente do petismo a aura diferencial da defesa da ética na política – a qual, justificada ou não, o acompanhou desde a fundação do partido - e, mais grave, torna indistinguível, em termos morais, o comportamento da autodenominada esquerda em relação aos partidos conservadores.

Ao recusar um processo de autocrítica sobre os desvios do PT em sua fase pragmática de tomada e manutenção do poder, o partido, seus militantes e parte de seus apoiadores, um pouco por opção voluntária, outro tanto por perderem autoridade para tal, se descredenciam para liderar um processo de revisão da consciência crítica na política e de renovação da ética orientadora das práticas públicas no país.

Pois o que o raciocínio simplista que se limita a contrapor o desempenho das gestões petistas ao das gestões tucanas finge ignorar é que o voto no PT representou uma aposta na proposta transformadora encarnada pelo partido, e não uma mera troca de seis por meia-dúzia para ver quem gerencia melhor. Estava incluída no contrato eleitoral, ainda que de forma implícita, a premissa de que o PT poria em debate e estimularia a revisão das práticas ilegais ou moralmente duvidosas encrustadas na vida pública do país, as quais criticara sistematicamente em seus então vinte e dois anos de existência.



O nocaute autoinfligido
A recusa ao debate sobre ética na política e a reação diversionista, com a matilha chapa-branca atiçada contra a mídia e o STF, significam não somente a renúncia a tal processo renovador de práticas políticas, mas a uma revisão urgente e necessária sobre a questão da corrupção no país. É não só o universo da politica strictu sensu que está, assim, sendo prejudicado. Diversos áreas do país têm, hoje – como tinham antes de o PT chegar ao poder -, a corrupção como norma, com uma súcia de fiscais e intermediários se interpondo, em beneficio próprio, entre os por si parcos recursos públicos e as demandas populares por saúde, edução, transporte, etc.

Mais grave: há áreas em que o grau de corrupção, hoje, é certamente ainda maior do que antes da ascensão do PT no poder. É o caso, notadamente, dos concursos para professor nas universidades federais, agora em maior número e em que a regra, sob a desculpa de uma questionável "autonomia universitária", é a proliferação dos conchavos, dos editais viciados, das avaliações protegidas por um sigilo que encobre a manipulação descriteriosa dos critérios. Trata-se de uma questão menor, residual, se comparada aos graves problemas de má gestão de bens públicos? Talvez. Mas, numa era em que os concursos são a maior esperança de emprego para muitos e em que as pós-graduações proliferam no país, fazer vistas grossas a um processo em que milhares de pessoas, em sua maioria desempregadas após anos de mestrado e doutorado, arcam com altos custos de viagem, hospedagem e estudos para servir de "laranjas" a um processo viciado não é algo a ser tolerado por um governo que afirma não só zelar pela ética, mas priorizar a educação.

Esse governo, no entanto, encontra-se eticamente nocauteado – e não por méritos do adversário, mas por preferir acovardar-se a se empenhar no bom combate. Cada vez mais similar, em termos administrativos, ao conservadorismo ao qual um dia se opôs – como exemplificam de forma cabal as privatizações a granel -, a este também ora se iguala em termos éticos, ou à falta destes. É, neste momento, um eunuco moral.

A escolha por negar o inegável, transferir culpas de forma genérica e deixar de promover a necessária autocrítica ora o esvazia de autoridade para promover uma elevação dos parâmetros éticos na vida pública do país, como o PT sempre prometera fazer. Isto é, se o interesse por tais "temas menores" tivesse resistido ao ultrapragmatismo que rege a manutenção do poder pelo partido, custe (literalmente) o que custar.

4 comentários:

Maria Inês do Carmo disse...

Ei Maurício, gostei muito de sua posição moderada e de suas reflexões,no meio dessa paixão que está dividindo a maioria.

Manoel Vieira disse...

Não acho que os governistas estejam dando vazão a um processo de negação e de transferência de culpa para o STF ou para a mídia. Há um reconhecimento explícito (inclusive citado neste próprio artigo) dos governistas que eles cometeram sim, um pecado, um crime: a utilização de recursos de "caixa-2" nas campanhas eleitorais. E imagino até que, se todo o processo fosse conduzido dentro desta perspectiva, punições cabíveis, embasadas nesta tipificação dos crimes, seriam bem recebidas, tanto pelo governo, como pela sociedade, em geral. E talvez produzissem até melhores frutos que produzirá este lastimável confronto.
O fato de a maioria dos juízes do STF ter sido escolhida pelos presidentes petistas entre a elite judiciária pode servir para mostrar quão desastrosa está sendo a formação desta "elite"(não gosto desta palavra!).
Ora, se a mídia corporativa é pródiga em parcialidade política, em condutas eticamente inaceitáveis, em distorções e manipulações de praticamente tudo que se refere a governança do país, portando-se como verdadeiro partido de oposição, por pura e simples oposição, por quê não tipificá-la com o rótulo de Partido da Imprensa Golpista - PIG?
A Presidenta Dilma, no iníciu de seu governo, deu mostras que não compactuaria com a corrupção, substituindo inúmeros ministros denunciados por prática deste delito. Foram muitos mesmo. E, ao que me consta, pelo menos, nos escalões superiores esta prática, senão totalmente eliminada, foi reduzida a níveis bem baixos.
Tanto isto é verdade, que tiveram que buscar, lá pelos idos de 2005, um processo para tentarem impor algum tipo de "enquadramento" aos governos progressistas. E não foi pela idade do processo do "mensalão" não! Processos bem mais antigos que o do mensalão ainda estão engavetados nalgum ponto do Poder Judiciário. A Presidenta foi eleita em 2010. Que processos de improbidade administrativa de vulto que surgiram e não foram resolvido no âmbito do próprio Poder Executivo?
Por outro lado, política sem pragmatismo ainda é utopia, nos dias atuais.
Não se está negando o inegável. Não se está transferindo culpas de forma genérica.
Eu entendo que o Governo está, sim, promovendo uma elevação, gradual e, talvez, em doses homeopáticas, dos parâmetros éticos da vida pública do País. Não se consegue mudar a forma já viciada do pensamento de uma sociedade tão grande como a brasileira em 10 ou 20 anos. Quem sabe, nossos netos viverão em um País melhor de se viver!!!

Unknown disse...

Maria Inês,

Os ânimos estão mesmo muito acirrados (talvez não sem razão), e isso contamina de irracionalismo a política .

Obrigado pela divulgação, abraço.

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Manoel,

Obrigado pela sua opinião.

Realmente não me parece que os governistas, como um todo, estejam fazendo o mínimo mea culpa, e sim muita gritaria contra a mídia e o STF: quem admitiu caixa 2 foram os advogados, como tentativa de diminuír as penas (caixa 2 não é crime, apenas infração eleitoral).

A questão do rótulo PIG é que é totalitário, implica que a imprensa age SEMPRE de forma golpista, o que tanto não é verdade que os próprios governistas se valem de matérias da mídia quando estas lhes são favoráveis.

Quanto ao melhor tratamento da questão da corrupção no governo Dilma, concordo integralmente contigo, e acrescentaria que, por uma questão de Justiça, as muitas acusações contra os governos tucanos têm de ser examinadas com o mesmo rigor do mensalão.

Um abraço,
Mauricio.

Levy Sant'Anna disse...

Sinto muito, mas o mensalão é sim uma farsa!

não importa se foi a mídia conservadora em conluio com o STF que criou a farsa, mas é sim uma farsa que os petistas cairam

Ou quer me convencer que o Dirceu comprou parlamentares de direita para votarem contra-reformas na previdencia e tributiarias?

Desculpa, mas é muita burrice que o Dirceu tivesse feito isso.