No
mesmo dia em que o governo Dilma promoveu cortes de R$10 bilhões no
Orçamento anual, o Bradesco anunciou lucros de R$5,6 bi no semestre.
Mais do que mera coincidência, a simultaneidade de eventos e de
valores traz em seu bojo, para os que não se negam a ver, um retrato
acabado das contradições do modelo econômico petista – e de seus
limites.
O
corte governamental deve-se à primazia do equilíbrio fiscal, cujo
maior símbolo é a colocação, no centro das prioridades da área
econômica, do cumprimento da meta de 2,3% do PIB para o superávit
primário (ou seja, do saldo entre arrecadação e gastos
governamentais, excetuado juros e atualização monetária). Dessa
forma, destina-se ao mercado financeiro capital que seria investido
em áreas relevantes para o país, tais como transportes, saúde,
meio ambiente e cultura.
Já
vimos esse filme diversas vezes – durante todo o governo FHC, no
terço inicial da Era Lula e no primeiro ano da própria Dilma – e
o final nunca nos agradou: invariavelmente deprime a atividade
econômica. Felizmente, no caso dos presidentes petistas, fatores
externos fizeram com que, nas vezes anteriores, deixassem de lado tal
obsessão e priorizassem a tempo um receituário de expansão da
economia baseado, por um lado, na incorporação de amplos estratos
da população ao consumo via expansão do crédito, e, por outro,
nos dividendos advindos do mercado internacional aquecido para as
commodities primárias que o Brasil exporta.
Cenário
deteriorado
A
má notícia, porém, é que, em seu final de governo, Dilma não
poderá contar com tal cenário – pois, por um lado, o
endividamento das classes D e C já compromete boa parte dos salários
e, por outro, a demanda por e os preços das commodities vêm
despencando no mercado internacional. Pior: a arrecadação
tributária tende a cair consideravelmente no ano fiscal 2013, não
só em decorrência do desaquecimento da economia, mas em virtude das
isenções fiscais concedidas a granel - e sem exigência de
contrapartidas como manutenção de empregos ou de preços – pela
área econômica sob o comando de Mantega.
O
modelo de política econômica adotado pelo PT na última década
chega, assim, a um impasse. Apresenta como grandes méritos a
ascensão social de um volumoso percentual de brasileiros
historicamente presos à base de nossa particularmente injusta
pirâmide social e a manutenção de baixos índices de desemprego
(ainda que, em relação a estes, um debate detalhado dos métodos de
aferição e classificação mostre-se necessário, se se quer ter
uma noção precisa do mercado de trabalho no país). Mas não
permite mais sustentar a ilusão de que seria possível,
concomitantemente, promover justiça social e desenvolver o país sem
cobrar das classes mais abastadas o devido ônus pelas gorduras
acumuladas em séculos de exploração. O cenário atual evidencia
como falsa tal premissa, demandando medidas que visem efetivamente à redução das
assimetrias socioeconômicas e que tributem as grandes fortunas,
combatam o lucro excessivo e promovam a redistribuição
de renda dos mais ricos para os mais pobres – o que difere, em
essência, do modelo de assistencialismo estatal em que se baseiam os
atuais programas de renda mínima.
O
retorno ao neoliberalismo
Pior:
o governo Dilma, que recebeu de Lula um país em condições
incomparavelmente melhores do que as que FHC legara a seu sucessor,
perdeu a oportunidade histórica de combater o neoliberalismo, o
qual, a despeito dos efeitos sociais nefastos que invariavelmente
lega, continua a fazer parte do receituário de países em crise.
Pois ao invés de combatê-lo, a atual mandatária, com uma rapidez
temerosa – pois autoritária e avessa a diálogos - preferiu
ressuscitar as privatizações, agora rebatizadas, à la Orwell, de
concessões.
Depois
de tal retrocesso, não surpreende que suas tentativas,
potencialmente redentoras, de reduzir os juros bancários tenham sido
revertidas ante os primeiros espirros – reais ou fabricados – de
inflação: somada à confissão de incapacidade estatal implícita
às concessões de aeroportos, petróleo e portos à iniciativa
privada, a recusa da presidente em encarnar, neste e em outros
episódios, um Estado pró-ativo, que efetivamente agisse junto aos
agentes econômicos e financeiros para trazer os juros a patamares
civilizados assinalou, na prática, que o neoliberalismo permanece
profundamente introjetado na concepção política petista, a
despeito do aparente desejo de pontualmente contestá-lo.
O
resultado é que o país chegará às eleições de 2014, após um
período democrático de 30 anos, sem conhecer governo cuja política
econômica não tenha orbitado em torno do neoliberalismo – e, o
que é pior: com este mais reforçado e mais presente, tanto em
termos de política econômica quanto de ("não")ideologia
que as orientam, do que estava há quatro anos, quando Dilma recebeu
a faixa presidencial.
Alianças
contestadas
Porém,
talvez ainda mais grave do que o desgaste do modelo econômico
adotado pelo PT na última década seja, neste momento, o esgotamento
da política de amplas alianças adotada pelo partido, visando criar
melhores condições para a governabilidade e para a manutenção da
hegemonia política.
Em
primeiro lugar, porque a chamada "base aliada" já deu
mostras suficientes de que não forma base alguma e não se mostra
minimamente aliada ao governo federal – pelo contrário: se antes
das movimentações populares deflagradas em junho cada votação no
Congresso era uma batalha e uma oportunidade de pressionar o governo
por mais verbas e cargos, desde a eclosão dos protestos o governo
tornou-se claramente refém de sua dita "base", notadamente
do PMDB. Neste exato momento, o futuro do governo Dilma – e do país
– encontra-se submetido à ganância desmedida e à falta de
espírito republicano desse partido cujo único ideário, desde o
final da ditadura, parece ser estar sempre no poder.
Rejeição
popular
O
esgotamento do modelo de alianças petistas se dá, em segundo lugar,
pela própria rejeição que causa a um número crescente de
eleitores, notadamente os jovens, tendo sido nos últimos meses um
dos motivos mais identificáveis e recorrentes dos protestos
populares. Como analisa João Peres, em artigo
fundamental para entender o comportamento atual do PMDB:
"O recado das ruas, à direita e à esquerda, foi claro: chega de acordão. Esgotou-se o ciclo 'ganha-ganha' do lulismo, e daqui para a frente terá de ser na base do enfrentamento dos 'velhos interesses' citados por Dilma."
Com
efeito, não é preciso ser jovem para se indignar com a aliança de
um partido que se crê de esquerda com figuras como Paulo Maluf,
Renan Calheiros, Sérgio Cabral e uma manada de coroneizinhos e
caciques regionais que mal disfarçam o autoritarismo, o anacronismo
e o jogo baixo de interesses que caracterizam sua ação política –
e, além disso, agem deliberadamente contra o governo que afirmam
apoiar. Pois se sacrificar a ética para ganhar o apoio institucional de
determinados partidos é algo a se lamentar profundamente, quanto
mais no contexto da jovem democracia brasileira, que tal
sacrifício não resulte efetivamente em apoio, mas em mais
clientelismo e em desgaste público, aí já se trata em insistir em uma prática que
foge à razão e à lógica política mais primária.
Rumos
da esquerda
Não
há, no horizonte, soluções fáceis nem para o impasse econômico
nem para o vale-tudo político em que o país se encontra, após mais
de dez anos sob a batuta de um governo que ainda é visto, por si
próprio e por parte dos cidadãos, como progressista.
Mas
há a esperança de que, para o futuro da esquerda, esteja agora
claro que a recusa ao neoliberalismo, às privatizações e à
primazia do mercado financeiro é imprescindível à orientação da economia; e que, em relação às práticas políticas,
alianças ditadas por afinidade ideológica ou coesão programática
são, a despeito de mais trabalhosas e menos amplas, as únicas aceitáveis ante o
atual sacrifício da ética em nome do poder pelo poder.
(Imagem retirada daqui)
14 comentários:
Olá! Acompanho seus debates e opiniões pelo twitter -gosto bastante, nem sempre concordo com eles, mas admiro sua postura consciente- hoje é a primeira vez que visito seu blog.
Um texto bastante lúcido. Concordo inteiramente com você caminhando nesta dicotomia governamental de valores trocados apenas por governar do PT. Como sabemos, é um governo que também se esgotou pela nulidade da Dilma, não que seja culpa dela, mas porque -creio eu- que ela tem uma responsabilidade maior em governar o País do que governar pelo seu partido.
(...é que as vezes, a impressão que tenho, a Dilma não é PT, apenas uma contratada pelo Lula.)
Também não gosto do PT e achei ótimo a Dilma ter caído tanto nas aprovações populares. Não é por mal, a reconheço como presidente. Mas acho que os números farão uma presidente mais ativa para o País e um partido mais humilde nas suas ambições.
Tenho duas críticas. Uma é quanto acreditar que um governo pode ser de fato de esquerda; eu não acredito nisso (podemos debater sobre). Outra, acusar o neo-liberalismo implicando num entrave a ser batido, sendo que o PT (justo o PT) teve que fazer concessões por causa do inchamento estatal.
Não sou reaça, relax.
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Um texto bastante lúcido. Concordo inteiramente com você caminhando nesta dicotomia governamental de valores trocados apenas por governar do PT. Como sabemos, é um governo que também se esgotou pela nulidade da Dilma, não que seja culpa dela, mas porque -creio eu- que ela tem uma responsabilidade maior em governar o País do que governar pelo seu partido.
(...é que as vezes, a impressão que tenho, a Dilma não é PT, apenas uma contratada pelo Lula.)
Também não gosto do PT e achei ótimo a Dilma ter caído tanto nas aprovações populares. Não é por mal, a reconheço como presidente. Mas acho que os números farão uma presidente mais ativa para o País e um partido mais humilde nas suas ambições.
Tenho duas críticas. Uma é quanto acreditar que um governo pode ser de fato de esquerda; eu não acredito nisso (podemos debater sobre). Outra, acusar o neo-liberalismo implicando num entrave a ser batido, sendo que o PT (justo o PT) teve que fazer concessões por causa do inchamento estatal.
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Também não gosto do PT e achei ótimo a Dilma ter caído tanto nas aprovações populares. Não é por mal, a reconheço como presidente. Mas acho que os números farão uma presidente mais ativa para o País e um partido mais humilde nas suas ambições.
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Também não gosto do PT e achei ótimo a Dilma ter caído tanto nas aprovações populares. Não é por mal, a reconheço como presidente. Mas acho que os números farão uma presidente mais ativa para o País e um partido mais humilde nas suas ambições.
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Também não gosto do PT e achei ótimo a Dilma ter caído tanto nas aprovações populares. Não é por mal, a reconheço como presidente. Mas acho que os números farão uma presidente mais ativa para o País e um partido mais humilde nas suas ambições.
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Não sou reaça, relax.
(PS: ô moderação chata pra postar comentário!)
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(...é que as vezes, a impressão que tenho, a Dilma não é PT, apenas uma contratada pelo Lula.)
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(...é que as vezes, a impressão que tenho, a Dilma não é PT, apenas uma contratada pelo Lula.)
Também não gosto do PT e achei ótimo a Dilma ter caído tanto nas aprovações populares. Não é por mal, a reconheço como presidente. Mas acho que os números farão uma presidente mais ativa para o País e um partido mais humilde nas suas ambições.
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(...é que as vezes, a impressão que tenho, a Dilma não é PT, apenas uma contratada pelo Lula.)
Também não gosto do PT e achei ótimo a Dilma ter caído tanto nas aprovações populares. Não é por mal, a reconheço como presidente. Mas acho que os números farão uma presidente mais ativa para o País e um partido mais humilde nas suas ambições.
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Alexandre,
Obrigado pelo seu comentário e perdão pelo problemano sistema.
Quanto à questão do neoliberalismo, penso ser algo muito contraditório mesmo, porque tem isso do estado que emprega muito e tal, mas, por outro lado, teve o recuo às privatizações, que aqcho altamente problemático, por ser uma espécie de emblema do neoliberalismo.
Um abraço,
Maurício.
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