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terça-feira, 26 de março de 2013

FHC na ABL

Sempre tive uma grande dificuldade para entender o que faz uma figura pública, ainda mais se intelectual ou artista popular, querer entrar para a Academia Brasileira de Letras.

O ridículo das vestes, o minueto social das tertúlias autobajulatórias, o chá no país do cafezinho e, sobretudo, a falta de representatividade por abrigar, sem critério ou mérito, uma profusão de ditadores, políticos e jornalistas sem o mínimo talento e em alguns casos - como os de Getúlio Vargas e Merval Pereira - até sem obra publicada levam-me a questionar o porquê de gente séria e talentosa de quando em quando se candidatar à instituição.


Ganhos indiretos
Senti uma dor no coração quando meu ídolo dos tempos de faculdade Nelson Pereira dos Santos vestiu o fardão e aboletou-se à cadeira número sete. Mas, embora não assuma publicamente, o veterano cineasta tem razões objetivas e insuspeitas para agregar-se à ABL: em um país em que a cultura dos diplomas ainda prolifera e que a produção cinematográfica encontra-se na mão dos diretores de marketing das empresas, a condição de acadêmico o credencia junto aos donos do poder e o ajuda a levantar fundos para os projetos pessoais que deseja realizar. (Note-se o absurdo de o mais longevo e mais prolífico dos cineastas brasileiros, reconhecido internacionalmente, ser, com mais de oitenta anos, obrigado a passar o pires quando quer abordar temas que não interessam ao poder.)

Mas, à revelia das exceções e casos especiais, continuo custando a entender porque pessoas inteligentes, brilhantes e informadas – como o filósofo, poeta e letrista Antonio Cícero, o compositor Martinho da Vila e o ensaísta Muniz Sodré, para citar três dentre tantos exemplos possíveis – almejam (ou almejaram um dia) a condição de imortal de academia. Apego à tradição e à simbologia? Ambição desmedida? Vaidade?


De Machado a FHC
Essa reflexão acerca da ABL veio no bojo do anúncio da candidatura do ex-sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à instituição. Não restam dúvidas de que, comparado a alguns de seus futuros colegas de chá, o atual candidato tem, efetivamente, uma obra a apresentar, representada por sua contribuição à formulação da Teoria da Dependência, que, a partir dos anos 60, procurou explicar as relações entre metrópole e colônia a partir de uma confluência entre o legado weberiano e a releitura de Marx.

É forçoso notar, no entanto, que se trata de um arcabouço teórico que envelheceu mal, tendo sido desautorizado pelo próprio FHC, tanto em declarações ("esqueçam o que eu escrevi") quanto nas ações que tomou como presidente da República, ao abraçar o mais desbragado neoliberalismo.


Candidato único
Isso reforça a impressão de que, para além da contradição de se nomear para uma academia de letras alguém que pediu que esquecessem o que escreveu, a motivação para tal nomeação tem pouco ligação com seu legado intelectual e tudo a ver com o que oferece em termos de projeção midiática e o que significa em termos de gesto político.

É o ex-presidente, – que, num exemplo de seu espírito democrático, só aceitou candidatar-se se não houvesse concorrência passível de derrotá-lo -, e não o escritor, quem assoma à academia e à ribalta pública, a vaidade repressada no fardão como em um espartilho e a bajulação de uma dúzia de pseudointelectuais fazendo as vezes do reconhecimento popular que os brasileiros lhe negam. É altamente significativo das intenções políticas da candidatura que o ingresso de Fernando Henrique na ABL se dê no momento mesmo em que seu legado sai do anonimato forçado a que os candidatos tucanos o relegaram na última década e volta, através da candidatura, por ele impingida, de Aécio Neves à Presidência.



Luzes da ribalta
A mídia, evidentemente, vibra com a possibilidade mais manchetes positivas relativas a um de seus ídolos. Antes mesmo da confirmação da candidatura já pululavam nos portais notícias sobre o novo imortal - contrapostas a manchetes negativas sobre Lula e Dilma, como é de praxe.

Porém a inação do governo Dilma em relação à mídia e a teimosia em continuar enchendo as burras das grandes publicações enquanto a imprensa alternativa agoniza desautorizam a repetição ad infinitum das queixas contra a mídia e a vitimação do governo petista – já se passou tempo suficiente para saber que é este mesmo seu modus operandi e, há dez anos no Planalto e com ampla aprovação popular, o governo Dilma tem poder mais do que suficiente para enfrentá-la, prestando um favor à democracia.

Prefere, porém, a inação e o silêncio, entrecortado de frases acacianas de efeito. Talvez ainda mais misterioso do que compreender as razões que levam um artista ou pensador de qualidade a almejar uma vaga na ABL seja entender o porquê dessa recusa do governo petista em fazer valer a Constituição no que concerne a mídia e comunicação no país. Ou não, pelo contrário?



(Imagem retirada daqui e dali e manipulada digitalmente)

2 comentários:

abreu. cca disse...

Muito eloquente e pertinente o seu RX, Maurício! Compactuo com o seu olhar sobre a ABL, o FHC e o Modus operandi do PT (Esperávamos muito mais dele!).
Cláudia Abreu.

Anônimo disse...


Já que para entrar na ABL não é preciso muita coisa, vamos fazer um enquete popular e indicar o Tiririca para concorrer a cadeira vazia com o FHC, porque depois dele eleito ele conta pra gente como aquele tédio ali funciona.