O
sufoco por que passam os blogs não corporativos, fenômeno que vinha
se intensificando nas últimas semanas com a condenação judicial,
ainda que em primeira instância, de uma série de blogueiros –
Cloaca News, Marco Aurélio Mello, Rodrigo Vianna, os irmãos
Mário e Lino Bocchini (da Falha
de S. Paulo )
- tornou-se uma questão de primeira ordem
a partir da repercussão de um post em tom de desabafo escrito por
Luiz Carlos Azenha. Nele,
o jornalista e editor do Viomundo
declara-se
em vias de fechar o blog por alegadamente não poder arcar com os
custos de um processo judicial movido por Ali Kamel, diretor-geral de
jornalismo da Globo, os quais só na primeira fase já teriam somado
30 mil reais.
Mais
do que trincheiras de militância política, os chamados "blogs
sujos" vêm se tornando, de forma cada vez mais intensa, polos
de resistência e de diversificação de enfoques e análises em um
país cujo setor comunicacional, fortemente concentrado, encontra-se
assumidamente partidarizado – condição que, por sua vez, no
contexto do jornalismo brasileiro, gera um déficit de credibilidade
que agrava ainda mais a crise estrutural da imprensa decretada pela
popularização da internet.
Arena
democrática
O
Viomundo
ocupa
uma posição privilegiada nesse cenário. Em primeiro lugar porque,
ao contrário do que logo se apressaram a proclamar membros de uma
certa esquerda que parece sempre mais interessada em desagregar e
instaurar a cizânia de modo a fazer valer suas posições, nunca foi
um blog chapa-branca. Pelo contrário: as vigorosas reportagens de
Conceição Lemes sobre a gestão federal da Saúde, o acompanhamento
das greves nacionais e da questão sindical e a reprodução de
textos selecionados de colaboradores – dentre os quais alguns dos
posts mais críticos ao governo por este blog publicados – formam,
hoje, somados a textos que apresentam uma visão mais simpática –
mas não necessariamente menos crítica – do governo Dilma , um
testemunho vivo dos erros e acertos da atual administração federal
em seus mais de dois anos de vigência.
Um segundo ponto em que
o Viomundo se destaca é pela qualidade de sua caixa de
comentários, que acaba diversas vezes por se transformar,
efetivamente, em um fórum de debates de bom nível, feito raro no
atual estágio da blogosfera, em que os demais blogs políticos de
grande audiência, corporativos ou independentes, estão longe de
repetir, com suas igrejinhas, trolls e agressividade grassante.
Luta
é pela blogsfera
É
evidente que não são só por essas qualidades que lutar pela
sobrevivência do Viomundo
é
neste momento essencial. Descrevo-as como forma de esconjurar o
fantasma de seu possível encerramento através do testemunho afetivo
do que ele significa para mim. Mas ainda que se tratasse de um blog
minúsculo, chapa-branca e sem comentaristas – ou com comentaristas
a se digladiar agressivamente – a luta se faria igualmente
necessária, porque o que está em jogo aqui é a garantia de liberdade
de expressão para além do universo capitalista das corporações
midiáticas e a manutenção dessa experiência riquíssima de
participação e debate politico que a blogosfera e as redes sociais
têm propiciado no Brasil na última década.
Creio
não ser preciso me alongar quanto a isso: é já dado histórico
que, num passado recente, foram, em larga medida, essas novas
modalidades comunicacionais que, entre tantos outros episódios,
desvelaram a farsa midiática por trás de episódios como a
publicação da ficha policial falsa da candidata Dilma Roussef na
capa da Folha
de S. Paulo;
o
aparelhamento político-partidário da revista Veja
e
sua transformação em máquina de factoides e destruição de
reputações; a farsa envolvendo Lina Vieira, secretária da Receita
Federal ligada ao clã chefiado por Agripino Maia (DEM/RN); a bolinha
de papel que atingira o candidato José Serra (episódio em relação
ao qual o próprio ex-presidente Lula, em seu histórico encontro com
blogueiros, reconheceu a importância da atuação da blogosfera no
restabelecimento da verdade que o Jornal Nacional estava a falsear).
Através
dessa atuação a blogsfera política foi ganhando respeitabilidade,
audiência, proliferando em novos blogs – e hoje, embora ainda
esteja longe de oferecer em quantidade reportagens e matérias
jornalísticas originais, vem superando, em termos de credibilidade e
para um público maior e melhor qualificado, a mídia corporativa
como fonte de análises politicas.
De
arauto a grilo falante
O
que parece essencial sublinhar, no esforço para contextualizar os
fatores que levaram à atual crise da blogosfera, é como ela passou,
ao longo de governo Dilma, de alinhada prioritária da administração
federal petista à atual condição de "persona
non grata"
nas
hostes palacianas. Um primeiro estranhamento se deu no período
imediatamente posterior à eleição de Dilma, em que um esperado
gesto de agradecimento da eleita para com os blogueiros que se
dedicaram intensamente à sua campanha não veio (foi no intuito de
preencher tal lacuna que se organizou o encontro de Lula - veja bem,
de Lula, não de Dilma - com os blogueiros). Tal quadro agravou-se
com a nomeação de Ana de Hollanda para o Ministério da Cultura e a
adoção de uma política reacionária em relação a direitos
autorais e novas tecnologias digitais, contrária à posição dos
principais ativistas da causa no país, cuja mobilização pela
eleição de Dilma, liderados por Marcelo Branco, fora intensa.
Mas
a cereja do bolo na banana que Dilma deu à blogosfera foi sua
aproximação entusiasmada para com a mesma mídia corporativa que a
difamara de todas as formas durante a campanha eleitoral, incluindo
uma visita ao programa Ana Maria Braga e a confraternização com a
fina flor do tucanato na festa pelo aniversário da Folha
de S. Paulo.
Daí
por diante a blogosfera, que, embora majoritariamente unida em torno
da candidatura Dilma, nunca fora o monolito ideológico que seus
adversários pintam, passou a apresentar divisões internas mais
nítidas. Uma porcentagem de seus membros optou pela oposição
sistemática ao novo governo e, embora prevalecesse a maioria a
favor, esta dividiu-se entre os blogs de apoio irrestrito ao governo,
outros de apoio crítico - entre os quais se insere a maior parte dos
blogs sob
judice - e
ainda outros que professam imparcialidade jornalística. Seja como
for, o apoio entusiasmado do período de disputa eleitoral com José
Serra e a pior direita deu lugar, em larga medida, à produção de
demandas políticas específicas e de conteúdo crítico em relação
ao governo Dilma. A blogosfera se transformara em grilo falante,
definiu alguém.
Mutações
do poder
Nesse
ínterim, o ministro Paulo Bernardo, que no início do governo
frequentava risonhamente as redes sociais prometendo disseminar a
banda larga e batendo altos papos com blogueiros, dá um block geral,
enclausura-se no interior do ministério em companhia dos acólitos
das teles e passa a qualificar os blogueiros de "vagabundos"
enquanto trama um repasse milionário do Estado para as empresas
particulares de telecomunicação, recordistas de queixas nos
Procons, que, com a anuência do governo, vendem banda larga a preço
de internet por satélite e velocidade de conexão discada.
É
no contexto dessa dinâmica que se dá, lenta e paulatinamente, o
confronto entre um governo cuja secretaria de Comunicação continua
a irrigar generosamente os cofres da mídia corporativa – da mesma
mídia corporativa que muitos dos blogueiros chama de PIG, como
"homenagem" à forma implacável como tais veículos
exercem uma oposição tão cerrada quanto desqualificadora em
relação ao governo federal -, enquanto mantém a torneira fechada
para os blogs e demais órgãos de imprensa alternativos.
Pragmatismo
x ideologia
A
lógica por trás da ação governamental é cristalina, e se amolda à perfeição ao seu projeto de expansão de hegemonia
político-eleitoral à revelia das questões ideológicas,
priorizando alianças o mais amplas possível (ainda
que´politicamente esdrúxulas ou eticamente insustentáveis), o
desenvolvimentismo a qualquer custo e a manutenção prioritária dos
índices econômicos. Em relação a tal programa, parte considerável
da blogosfera, com suas críticas pontuais, sua memória para com
compromissos de campanha e, sobretudo, o pendor com que teima em
insistir numa tomada de posição ideológica por parte do governo,
transforma-se de aliado de primeira hora em incômodo porta-voz de
escrúpulos que se quer superados. "Com a tentativa de dar um
abafa no jornalismo independente, o governo Dilma manda um recado
claro para bons entendedores: a politização do debate não está
nos seus planos, muito menos aquela que daria ensejo a recortes de
classe, ainda que somente uma tomada de consciência", assinalou
um observador arguto.
O
dado paradoxal – e revelador da importância jornalística da
blogosfera e do quanto é falsa sua visão como um bloco monolítico
chapa-branca – é que o leitor jamais se inteiraria da dinâmica de
tal processo através das fontes jornalísticas convencionais. Seria
preciso investigar o retrato do governo Dilma em blogs como os agora
processados, ou, por exemplo, os de Altamiro Borges e Maria Frô, ou
mesmo este humilde boteco, para se inteirar de tais percalços.
Problema
é antigo
No
atual contexto, um eventual recuo da blogosfera ante dificuldades
econômicas impostas pelo custo de processos judiciais – algo que
uma eventual combinação de litigância de má-fé e proximidade das
eleições pode tornar explosivo – significaria um tremendo
retrocesso, com graves consequências para o debate público no país
e, em decorrência, para seu próprio avanço democrático. É
importante notar que tal possibilidade não se trata de um fato novo:
em um texto
publicado no Observatório
da Imprensa no
já longínquo ano de 2009, logo após o fechamento do blog A
Nova Corja em
virtude dos custos físicos, psicológicos e financeiros dos
processos judiciais que sofrera, registrei:
A despeito do temor de alguns blogueiros de que alguma forma de representação coletiva venha a comprometer sua independência, torna-se cada vez mais urgente, devido à profusão de processos judiciários contra blogs e ao intervalo cada vez menor entre eles, a montagem de uma rede de proteção jurídica a curto ou médio prazo. Ela poderia ser erguida, por exemplo, com a participação de advogados voluntários, ligados ou não a ONGs e universidades, mas cientes da importância do papel da blogosfera independente e dispostos a contribuir com seu tempo e saber jurídico da mesma forma generosa e gratuita que tantos blogueiros se dedicam às atividades de pesquisa e redação.
Reação
pungente
Esse
tema foi intensamente debatido no I Encontro Nacional de Blogueiros (realizado em 2010) e, talvez com menos intensidade e menor sentido de
urgência, nos encontros nacionais e regionais posteriores. Com a
deflagração da atual crise da blogosfera, torna-se premente a
retomada de tal debate e a efetivação concreta de medidas reativas.
O
caso Viomundo
provocou
uma grande reação na blogosfera e nas redes sociais, mobilizando
corações e mentes para uma rápida reação. Uma reunião foi
marcada para a próxima terça-feira, 02/04, as 17h, no Centro de
Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé (Rua Rego Freitas,
454 – 1o. Andar – conj. 13) visando a busca
de soluções para o
caso Viomundo e
o encaminhamento de debates tendo em vista resolver tal impasse. Todos os
interessados são convidados. Confira aqui
a
convocatória e algumas sugestões de pauta.
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