Torna-se
cada vez mais evidente, mesmo para alguns colunistas da chamada
grande imprensa, que os problemas relativos ao julgamento da Ação
Penal 470, vulgo “Mensalão”, não se restringem aos arranjos
para que coincidisse com a temporada eleitoral – casuísmo a ser
evitado em uma democracia -, mas dizem respeito ao modo mesmo como
têm sido utilizadas as bases teórico-jurídicas que, à falta de
provas, têm servido de meio de condenação dos réus.
“Vou
condenar sem provas, mas a
literatura
jurídica me autoriza fazer isto”. Tais palavras, proferidas pela
ministra Rosa Weber antes de sentenciar o ex-chefe da Casa Civil José
Dirceu, corroboram a posição do relator Joaquim Barbosa e resumem a
estratégia condenatória adotada pelo tribunal. Por si, a
criminalização sem provas, acompanhada ou não de literatura
jurídica, causa estranheza aos leigos e ojeriza aos democratas, mas
o problema se agrava ainda mais ao se constatar que o octogenário
jurista alemão Claus Roxin, um dos principais teóricos da tal
literatura jurídica que autorizaria a ministra Weber a condenar sem
provas - a Teoria do Domínio do Fato -, vem a público declarar que
“a posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma
circunstância, o domínio do fato” e que “seria um mau uso” da
teoria a condenação de um
acusado com base em tal pressuposto. Pois a condenação pressupõe
uma prova, ao menos a evidência de uma ordem.
Estratégia
condenatória
Ora,
tais declarações, proferidas por uma autoridade jurídica
inquestionável no que tange a tal arcabouço teórico, vem erodir as
próprias bases de sustentação de várias das condenações dos
réus - notadamente daqueles pertencentes ao chamado núcleo político
-, escancarando tratar-se de um estratagema mal apreendido e
empregado de forma errônea, como último recurso condenatório ante
a incapacidade do Procurador-Geral da República (sic) Roberto Gurgel de apresentar
provas.
Se
elas existem e não foram amealhadas por leniência ou incompetência
do procurador, ou se sua ausência se dá em virtude da inocência
dos réus, constitui um dilema de natureza incontornavelmente
especulativa, excelente tema para as mesas de bar, em discussões
regadas a chopp e bolinho de bacalhau. Mas no âmbito da Justiça, da
mais alta corte, estando em jogo o estado moral e psicológico de
cidadãos, a reputação de entidades e partidos e, em certa medida,
a normalidade institucional do país, a ausência de provas não
comporta tergiversação ou o recurso duvidoso a teorias mal
assimiladas: o ônus da prova cabe à acusação, e o réu é
inocente até prova em contrário. Ponto final.
A
imagem da Justiça
O
uso altamente questionável e não alicerçado em provas da Teoria do
Domínio do Fato é a mácula mais evidente e mais potencialmente
danosa a um espetáculo jurídico que tem fascinado a mídia
corporativa, seus ativistas políticos travestidos de jornalistas e
uma parte menos informada e ingênua do público - além dos
fanáticos antipetistas de praxe -, mas que vem causando calafrios
entre os cultores do bom senso, da democracia e da independência da
Justiça.
A
imagem pública do Supremo Tribunal Federal está sob risco, e não
por seguir ou deixar de seguir a vontade popular – pois a Justiça
deve ser feita à revelia de tais clamores e com base nas leis -, mas
porque, além do casuísmo com o calendário eleitoral e das
condenações inconvincentes, sem base aparente, cada reunião do
ilustre colegiado fornece amostras abundantes de truculência, de sobreposição das vaidades pessoais aos interesses públicos e de
incapacidade de diálogo que são o contrário do que se espera de
uma alta corte em uma democracia.
Ademais,
um açodamento fora de lugar e de propósito, presente desde o
momento de marcação da data do julgamento e em todo seu decorrer -
e que se mostrou particularmente apressado na questionável decisão
de considerar os recursos da Visanet dinheiro público - faz com que
a leviandade e a falta de rigor pairem no ar como ameaças contantes
aos plenos direitos dos réus. Determinada pelo relator - para
espanto e indignação do centrado Lewandowski –, a súbita mudança de
datas que fez com que a determinação das penas do núcleo político
se desse sem a presença dos advogados dos réus é exemplar desse
processo.
Egos
inflados
Por
fim, o comportamento caliguliano do relator Joaquim Barbosa, irascível, impaciente, incapaz de conviver com o contraditório e
profundamente desrespeitoso com seus pares remete ao arquétipo de um
ditador caprichoso. Pior: a tal imagem vem a se somar a do
justiceiro mascarado, através do apelido Batman que o uso da capa
preta lhe pespegou e com o qual seus fãs o saúdam, inflando ainda
mais seu ego descomunal. Em um caso e em outro, tirano ou vingador mascarado, a antítese do que se
espera de um ministro do STF.
Que
uma tal figura esteja prestes a assumir a presidência da mais alta
corte é algo a despertar temores e a cobrar a vigilância atenta da
sociedade para que, sob as expensas de uma mídia corporativa ansiosa
para recuperar o poder institucional de outrora, o precário
equilíbrio entre os três poderes não seja violado, e a Justiça
não se transforme em protagonista do campo político brasileiro.
É
simplificação tola achar que questionar o julgamento do “Mensalão”
e apontar-lhe as graves deficiências equivale a ser conivente com a
corrupção ou a inocentar a
priori
os acusados. Havendo provas, estes devem ser condenados. Mas uma
decisão judicial feita a toque de caixa, explicitamente influenciada pela mídia e
baseada em um arcabouço teórico mal assimilado. aplicado sem o aval
da necessária prova documental contra os réus, depõe contra a
própria Justiça e constitui uma ameaça potencial à própria ordem
institucional do país.
(Imagem retirada daqui)
Um comentário:
Estamos seguindo o exemplo do Paraguai, só que um pouquinho mais pelas beiradas.
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