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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Condenações sem prova ameaçam democracia

Torna-se cada vez mais evidente, mesmo para alguns colunistas da chamada grande imprensa, que os problemas relativos ao julgamento da Ação Penal 470, vulgo “Mensalão”, não se restringem aos arranjos para que coincidisse com a temporada eleitoral – casuísmo a ser evitado em uma democracia -, mas dizem respeito ao modo mesmo como têm sido utilizadas as bases teórico-jurídicas que, à falta de provas, têm servido de meio de condenação dos réus.

“Vou condenar sem provas, mas a literatura jurídica me autoriza fazer isto”. Tais palavras, proferidas pela ministra Rosa Weber antes de sentenciar o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, corroboram a posição do relator Joaquim Barbosa e resumem a estratégia condenatória adotada pelo tribunal. Por si, a criminalização sem provas, acompanhada ou não de literatura jurídica, causa estranheza aos leigos e ojeriza aos democratas, mas o problema se agrava ainda mais ao se constatar que o octogenário jurista alemão Claus Roxin, um dos principais teóricos da tal literatura jurídica que autorizaria a ministra Weber a condenar sem provas - a Teoria do Domínio do Fato -, vem a público declarar que “a posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato” e que “seria um mau uso” da teoria a condenação de um acusado com base em tal pressuposto. Pois a condenação pressupõe uma prova, ao menos a evidência de uma ordem.


Estratégia condenatória
Ora, tais declarações, proferidas por uma autoridade jurídica inquestionável no que tange a tal arcabouço teórico, vem erodir as próprias bases de sustentação de várias das condenações dos réus - notadamente daqueles pertencentes ao chamado núcleo político -, escancarando tratar-se de um estratagema mal apreendido e empregado de forma errônea, como último recurso condenatório ante a incapacidade do Procurador-Geral da República (sic) Roberto Gurgel de apresentar provas.

Se elas existem e não foram amealhadas por leniência ou incompetência do procurador, ou se sua ausência se dá em virtude da inocência dos réus, constitui um dilema de natureza incontornavelmente especulativa, excelente tema para as mesas de bar, em discussões regadas a chopp e bolinho de bacalhau. Mas no âmbito da Justiça, da mais alta corte, estando em jogo o estado moral e psicológico de cidadãos, a reputação de entidades e partidos e, em certa medida, a normalidade institucional do país, a ausência de provas não comporta tergiversação ou o recurso duvidoso a teorias mal assimiladas: o ônus da prova cabe à acusação, e o réu é inocente até prova em contrário. Ponto final.


A imagem da Justiça
O uso altamente questionável e não alicerçado em provas da Teoria do Domínio do Fato é a mácula mais evidente e mais potencialmente danosa a um espetáculo jurídico que tem fascinado a mídia corporativa, seus ativistas políticos travestidos de jornalistas e uma parte menos informada e ingênua do público - além dos fanáticos antipetistas de praxe -, mas que vem causando calafrios entre os cultores do bom senso, da democracia e da independência da Justiça.

A imagem pública do Supremo Tribunal Federal está sob risco, e não por seguir ou deixar de seguir a vontade popular – pois a Justiça deve ser feita à revelia de tais clamores e com base nas leis -, mas porque, além do casuísmo com o calendário eleitoral e das condenações inconvincentes, sem base aparente, cada reunião do ilustre colegiado fornece amostras abundantes de truculência, de sobreposição das vaidades pessoais aos interesses públicos e de incapacidade de diálogo que são o contrário do que se espera de uma alta corte em uma democracia.

Ademais, um açodamento fora de lugar e de propósito, presente desde o momento de marcação da data do julgamento e em todo seu decorrer - e que se mostrou particularmente apressado na questionável decisão de considerar os recursos da Visanet dinheiro público - faz com que a leviandade e a falta de rigor pairem no ar como ameaças contantes aos plenos direitos dos réus. Determinada pelo relator - para espanto e indignação do centrado Lewandowski –, a súbita mudança de datas que fez com que a determinação das penas do núcleo político se desse sem a presença dos advogados dos réus é exemplar desse processo.


Egos inflados
Por fim, o comportamento caliguliano do relator Joaquim Barbosa, irascível, impaciente, incapaz de conviver com o contraditório e profundamente desrespeitoso com seus pares remete ao arquétipo de um ditador caprichoso. Pior: a tal imagem vem a se somar a do justiceiro mascarado, através do apelido Batman que o uso da capa preta lhe pespegou e com o qual seus fãs o saúdam, inflando ainda mais seu ego descomunal. Em um caso e em outro, tirano ou vingador mascarado, a antítese do que se espera de um ministro do STF.

Que uma tal figura esteja prestes a assumir a presidência da mais alta corte é algo a despertar temores e a cobrar a vigilância atenta da sociedade para que, sob as expensas de uma mídia corporativa ansiosa para recuperar o poder institucional de outrora, o precário equilíbrio entre os três poderes não seja violado, e a Justiça não se transforme em protagonista do campo político brasileiro.

É simplificação tola achar que questionar o julgamento do “Mensalão” e apontar-lhe as graves deficiências equivale a ser conivente com a corrupção ou a inocentar a priori os acusados. Havendo provas, estes devem ser condenados. Mas uma decisão judicial feita a toque de caixa, explicitamente influenciada pela mídia e baseada em um arcabouço teórico mal assimilado. aplicado sem o aval da necessária prova documental contra os réus, depõe contra a própria Justiça e constitui uma ameaça potencial à própria ordem institucional do país. 


(Imagem retirada daqui

Um comentário:

Bugre disse...

Estamos seguindo o exemplo do Paraguai, só que um pouquinho mais pelas beiradas.