A muitos
intriga a maneira tímida e pouco reativa com que os governos
federais petistas têm tratado, desde que assomaram ao poder, órgãos
de mídia que praticam um jornalismo de péssima categoria, relegado
a quarto plano ante a necessidade de destilar venenos, instilar
suspeitas e insuflar ódios contra Lula e o petismo.
Com a
divulgação, nesta semana, de um relatório da Secretária de
Comunicação Social (Secom) demonstrando que dez veículos de
comunicação dominam quase dois terços das verbas de propaganda do
governo federal, ficando com R$111 milhões do total de R$181
milhões, à inquietação somou-se o espanto. E olha que tais números não incluem verbas advindas do patrocínio das estatais, as quais, se computadas, mostrariam o tamanho do mimo oficial à mídia corporativa brasileira em seu pior momento jornalístico.
1. A
via legal
Três
medidas essenciais afiguram-se como opções para enfrentar, no
âmbito do Estado de Direito, esse uso deturpado e tendencioso –
portanto, antirrepublicano – da nobre missão de informar que se
tornou corrente na mídia e na imprensa brasileiras: o primeiro, por
mais óbvio, é a abertura de processo por calúnia e difamação
contra a corporação midiática – e, eventualmente, contra o
jornalista – em questão.
A
resistência contra a adoção de tal medida tem sido explicada pelos
receios advindos da extrema letargia da Justiça brasileira: é comum
que uma ação desse tipo, até transitar em julgado, leve quatro,
cinco anos. E durante todo esse tempo o autor do processo estaria à
mercê de mais animosidades por parte da publicação processada, as
quais, por sua vez, se levadas à Justiça, levariam mais um punhado
de anos para ser julgadas, num círculo vicioso. Acrescente-se a esse
quadro típico de uma democracia incipiente a suspeita, baseada em
evidências, de que certas varas tendem a nutrir simpatias por certas
publicações – justamente as que praticam o pior jornalismo.
Anacronismos
Há de se
observar, ainda, que o fim da Lei de Imprensa decretado pelo ministro
Gilmar Mendes, saudado pela mídia corporativa e por blogueiros
ingênuos, lançou a atividade jornalística a um limbo jurídico, a
uma vala comum, justamente em um momento em que, graças à evolução
tecnológica, acusações potencialmente danosas à imagem de
cidadãos, empresas e governos espalham-se de forma viral e veloz,
demandando uma legislação específica para tais tipo de crimes e
transgressões.
No
Brasil, seguimos presos de uma dinâmica arcaica: os danos à imagem
e à reputação causados pela mídia brasileira são imediatos; seus
eventuais ressarcimento e desmentido levam uma eternidade – de
forma que, em casos como alteração de cenários eleitorais em
virtude de armações “jornalísticas”, não há possibilidade
efetiva de reparação do dolo.
2. A
via institucional
Uma
segunda maneira de pressionar a mídia a seguir os parâmetros
deontológicos mundialmente consagrados para o exercício do
jornalismo – os quais incluem princípios básicos como buscar a
equidade, ouvir os dois ou mais lados envolvidos e dar destaque
proporcional a todos eles, só acusar com provas, dar transparência
ao processo de apuração das denúncias, presumir inocência, entre
outras platitudes – seria pela via institucional, com o Estado
promulgando uma Lei de Meios que regulasse a atividade midiática.
Ao
contrário do que apregoa a histeria midiática, relativamente
bem-sucedida em convencer os incautos de que se trataria de censura,
a adoção de tal arcabouço legal de regulação da atividade
midiática é prática comum a virtualmente todas as grandes
democracias do mundo, com exceção dos EUA (se considerarmos esta
uma grande democracia, é claro).
Benesses
insuspeitas
Não
haveria porque ser diferente: sendo a comunicação e o jornalismo
atividades públicas – mesmo se praticadas por entes
privados -, com direta inferência social, pertence à lógica mais
primária a constatação de que cabe ao Estado regulamentar tal
atividade, de forma a assegurar seu exercício de acordo com
parâmetros republicanos e com as respectivas deontologias do
comunicólogo e do jornalista, em um contexto em que a
livre-expressão seja assegurada, mas o comportamento criminoso ou
antiético coibido.
No
entanto, a reticência de uma década dos governos petistas para
promulgar tal legislação não só denota um misto de excessivo
temor e pouca vontade política como sugere uma acomodação em uma
situação que se lhes é aparentemente desfavorável, talvez
ofereça, em seus intestinos, benesses e motivações insuspeitas à
primeira vista, como a fixação do PT e de Lula na eterna posição
de vítimas indefesas da mídia - com decorrência em termos de
mobilização constante da militância – e a manutenção do acesso
a determinadas portas comerciais e publicitárias que certamente se
fechariam no caso de um enfrentamento aberto, mesmo se rigorosamente
dentro da lei.
3. A
via econômica
Por fim,
a terceira maneira de o governo reagir contra a imprensa marrom e
trabalhar efetivamente para o aprimoramento da atividade jornalística
no país seria fechando as torneiras que, via Secom, irrigam
regiamente, com milhões de reais, as editoras das mesmas publicações
que praticam um jornalismo vergonhoso e à revelia de qualquer
consideração ética. E não há o que temer: as principais
publicações corporativas já atingiram um nível tal de baixeza e
desrespeito, que se o governo parasse de alimentar esse jornalismo
marrom nada teria a recear além de mais do mesmo.
Ocorre,
porém, que para tal o governo teria de recuperar a plenitude de sua
capacidade decisória, do direito de fazer escolhas segundo critérios
outros que não os econômicos, a qual mantém-se coibida pelo
primado do neoliberalismo e por sua persistência como ideologia
orientadora de políticas oficiais, mesmo quando não anunciada.
É
precisamente o caso da distribuição de verbas pela Secom, com a
obediência ao critério da audiência, eminentemente econômico e
que promove a manutenção da distribuição de verbas para as
grandes corporações midiáticas, em detrimento da autonomia
política de decisão que, não estivéssemos, como país, envenenados pelos
efeitos colaterais de tal doutrina decadente, o governo, por ter sido
democraticamente eleito, deveria gozar.
O
retorno do oprimido
Mas não
é assim, pelo contrário: o Brasil vive uma situação tal que uma
mídia e uma imprensa que mentem, difamam, fabricam e divulgam em
conjunto armações de cunho golpista - ao mesmo passo em que se
recusam a levar a público graves casos de corrupção das forças
oposicionistas - não só se mantêm a salvo de qualquer reação
governamental, como têm suas burras periodicamente enchidas pelo
Estado que o governo difamado está a cargo de administrar.
Dessa
forma, o caso da distribuição de verbas governamentais para
corporações que ora promovem um jornalismo hidrófobo, partidário
e de péssima qualidade ilustra, de forma exemplar, os malefícios
persistentes do neoliberalismo na ação governamental no Brasil. E é
esta uma razão a mais para que cada retrocesso do governo Dilma em
direção a medidas de inspiração neoliberal – mesmo que
matizadas – mereça o nosso repúdio: porque, além dos malefícios
inerentes a políticas situadas em tal marco, elas
reforçam, subliminarmente mas de forma efetiva, um ideário que
acaba por cercear a liberdade de ação governamental e submetê-la
aos ditames exclusivistas dos critérios econômicos, mesmo quando o
tema em questão é comunicação ou, para citar outro exemplo,
cultura.
(Imagem copiada daqui)
Nenhum comentário:
Postar um comentário