O governo Dilma
aprofunda seu caráter autoritário com o anúncio,
pelo Advogado-Geral da União, Luís Inácio Lucena Adams, de que os
reitores das universidades federais que não descontarem os salários
dos professores grevistas serão processados por improbidade
administrativa.
Trata-se de uma
truculência inédita na história da democracia brasileira, que nem
o ultraliberal Fernando Henrique Cardoso, em sua cruzada para
destruir a universidade pública ousou, ante situação muito
semelhante a que agora enfrenta o governo federal (greve longa, sem
negociações dignas do nome, com determinação do corte de ponto
desobedecida pelos reitores).
Se a oposição vem valendo-se da Justiça para manipular o jogo político, a situação associa-se à representação legal do Estado para reprimir movimentos sociais. Ambas são operações em conflito com os plenos ditames democráticos e de consequências futuras potencialmente danosas para as intituições do país.
Ataque ao direito de
greve
É natural que um
governo reaja a greves e use dos meios de que disponha para evitá-las
ou, se deflagradas, abreviá-las. Há de se agir, no entanto, por
meio de táticas dissuasórias e de negociações, mesmo se firmes.
Se isso é um princípio que vale para qualquer governo democrático,
com muito mais rezão deveria orientar as ações de uma
administração que se elegeu com um discurso de centro-esquerda e
comandada por um partido dito dos trabalhadores, o qual tem laços
históricos com os servidores públicos, uma de suas principais bases
eleitorais.
No entanto, a
intransigência, a demora extrema em apresentar propostas, o caráter
evidentemente ardiloso destas e uma sequência de medidas de cunho
autoritário - que vão da determinação de corte de ponto, passam
pela publicação de decreto estabelecendo que servidores estaduais e
municipais substituam os grevistas e atinge o auge com a ameaça de
abertura de processo contra os reitores - demonstram, de forma clara,
que o governo Dilma tem pouco apreço não apenas pelos funcionários
do Estado que por ora governa – e, no caso dos professores, por
seus salários, que durante a campanha eleitoral reconheceu baixos e
prometeu aumentar - , mas pelo instituto da greve como forma legítima
e constitucional de reivindicação trabalhista.
O grevista não é um
inimigo do governo, como a administração Dilma e a mídia - neste e
em cada vez mais casos atuando em profunda sintonia - parecem querer
fazer crer, mas, como representante da força de trabalho do Estado,
um dos entes que disputam, como o fazem lobbies variados, a atenção
e os benefícios do Estado. O que essencialmente o diferencia dos,
digamos, ruralistas ou industriais do setor bélico, é que não luta
por benesses que multipliquem ainda mais sua fortuna, mas por
direitos universalmente reconhecidos, relacionados a dignas condições
de trabalho e de vida, as quais acabarão por reverter, em algum
grau, para a própria sociedade a qual serve.
Agenda conservadora
Mas, a despeito dos
compromissos assumidos durante o período eleitoral, é outra a
agenda de uma administração durante a qual os bancos batem recordes
de lucro, o agronegócio dá as cartas e ignora acordos na base
parlamentar e as teles prestam um serviço de quinta categoria mas
seguem remetendo bilhões de dólares ao exterior.
Tais constatações,
somadas à reação passivo-agressiva do governo ante a atual greve
de professores universitários – que completará três meses no
próximo dia 17 – e em relação à paralisação de outras 30
categorias de servidores públicos, têm evidenciado, para muitos, o
profundo conservadorismo do governo Dilma Rousseff.
Sem um partido de
massas a pressioná-la, como o PT fazia em relação ao governo FHC;
sem ter de reagir a uma grave crise política, artificial mas
efetiva, com a oposição conservadora fungando no cangote pelo
impeachment, como ocorrera com Lula durante o escândalo do
“mensalão”, a gestão Dilma vem, cada vez mais, negligenciando a
agenda progressista e procurando agradar a mídia e o
conservadorismo. Não é à toa que, como demonstram as pesquisas,
goza de aprovação entre setores historicamente refratários à
esquerda e ao PT e acaba de ganhar, pela segunda vez, capa elogiosa
na mais retrógrada das publicações da imprensa brasileira.
Inocência útil
Enquanto isso, como se nada disso estivesse acontecendo, entusiastas, militantes e petistas acríticos - que pouco se importam se o governo avança politicamente ou se se torna cada vez mais presa de interesses do grande capital e do conservadorismo - seguem se autocongratulando nas redes sociais, pondo a culpa de tudo que há de mal no mundo no "PIG" d dando vivas ao governo Dilma, que apos rescindir o direito à aposentadoria integlral dos servidores e promulgar um decreto que na prática viola o direito de greve, agora retrocede a um ponto em que nem a ditadura bem a insensibilidade social do neoliberalismo da era FHC atreveram ousar.
A propósito da fé
cega no governo Dilma, à revelia dos fatos e das evidências, convém
lembrar que “o fanatismo consiste em intensificar os nossos
esforços depois de termos esquecido o nosso alvo”, como sugeriu
George Santayana. O Planalto está preparando, neste exato momento, mais e
potencialmente graves retrocessos, com a anunciada "reforma trabalhista" para desonerar a produção - o que, por princípio e por experiência histórica não passa de um sofisma para ferrar ainda mais o trabalhador e beneficiar o capital.
De qualquer forma, o direito à auto-ilusão é sagrado - embora costume cobrar um preço politico
alto. Fica o alerta.
(Fotograma de O Processo, de Kafka, (Orson Welles, Alemanha-França-Itália, 1962) copiado daqui)
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