A greve dos professores
das universidades e institutos federais é, antes de mais nada,
desnecessária.
Afirmo isso não no
sentido de acusar os grevistas por um gesto que seria leviano ou
irresponsável – pelo contrário: o ônus por essa paralisação
deve ser atribuído tão-somente ao misto de descaso, arrogância e
teimosia com que o governo Dilma Rousseff vem tratando os docentes
federais e suas demandas.
Bastaria um pouco mais
de boa vontade por parte do governo, ao invés de seguidamente
“enrolar” os representantes dos professores, adiar a tomada de
decisões e, no que já parece ser um traço distintivo do “estilo
Dilma”, tensionar ao máximo a questão e, ao mesmo tempo, recusar-se a agir sob pressão, e a greve – que neste momento se amplia e que acabará
por penalizar professores, funcionários e, sobretudo, alunos -
teria sido facilmente evitada.
Protelação e má
vontade
O governo firmara, em
2011, um acordo com o sindicato da categoria se comprometendo a
instaurar o Plano de Carreira até março de 2012.
Agora, em final de maio, o MEC anuncia que a medida ficou para 2013.
De modo similar, no ano passado o
governo concordara, após tensas negociações, em conceder um
aumento de míseros 4% aos docentes a partir de março de 2012. Foram necessários, porém,
seguidos dias de paralisação em protesto e a ameaça concreta de
greve no início deste mês para que uma Medida Provisória fosse
assinada, finalmente tornando efetivo (e retroativo) o aumento anteriormente
acordado. Pergunto: por que humilhar assim uma categoria profissional, se o aumento já fora acertado?
Os exemplos dos
parágrafos acima fornecem uma boa medida dos termos em que se dão
as relações do governo com os docentes, cujas demandas são
invariavelmente proteladas: a má vontade evidente e os prazos sempre
vencidos demonstram de forma cabal que a Educação só é prioridade
para o governo Dilma nas propagandas eleitorais. Na prática, a teoria
é outra: foi preciso que a greve estourasse para que o MEC viesse a público procurando justificar os atrasos e afirmando manter os canais de comunicação abertos (o que é, sem dúvida, positivo, sobretudo se comparado às práticas do governo FHC - mas vale assinalar que continuar a tomar FHC como parâmetro é perpetuar o inaceitável).
Salário defasado
Além desses problemas, persiste sem encaminhamento uma das principais demandas dos professores – que o que recebem a título de gratificação (uma malandragem contábil dos governos anteriores ao de Lula) seja incorporado ao salário, como ocorre com a vasta maioria dos assalariados do país.
Aliás, a questão salarial, que havia recebido atenção do ex-presidente petista até o início de seu segundo governo, volta a se mostrar em um patamar periclitante. O vencimento médio de um
professor adjunto com contrato para 40 horas semanais, mesmo contando
com as tais gratificações, é de cerca de um terço do que percebem
juízes, promotores e membros dos legislativos municipais, estaduais
e federal – sendo que todos, via de regra, com uma formação bem mais curta e
menos especializada do que a de um professor-doutor, o qual,
recebendo, na melhor das hipóteses, uma ajuda de custa simbólica,
passa, após a graduação, quase uma década lendo, pesquisando, se adestrando
intelectualmente e sendo periodicamente avaliado por seus pares ou
orientadores até que esteja pronto para se tornar mestre e, depois,
se doutorar.
O professor Pierre Lucena (UFPE) dimensiona o grau de defasagem salarial: "Só para terem uma ideia da distorção, em 2003 um pesquisador com
doutorado do Ipea ganhava R$ 300,00 a menos que um professor com
doutorado na Universidade. Hoje ele ganha R$ 5 mil a mais que a gente. O
mesmo acontece com o MCT [Ministério da Ciência e Tecnologia]".
Situação de penúria
Para além da questão
salarial, há demandas urgentes e denúncias preocupantes. Na nota
oficial que divulgou à sociedade, o Sindicato Nacional das
Instituições de Ensino Superior (ANDES) denuncia um quadro bem
diferente daquele pintado pelo marketing oficial, relatando
“instituições sem professores, sem laboratórios, sem salas de
aulas, sem refeitórios ou restaurantes universitários, até sem
bebedouros e papel higiênico, afetando diretamente a qualidade de
ensino”.
Tais carências afetam,
sobretudo, as novas universidades criadas durante o governo Lula. E vêm
se somar a um problema que venho reiteradamente denunciando aqui: a
contratação dos chamados “professores temporários” para dar
aula em tais campi.
Qualidade da inclusão
Com um contrato de
trabalho ainda pior do que o de professor substituto – e
inaceitável numa democracia avançada - essas vagas mal remuneradas,
sem benefícios, estabilidade ou período pré-determinado de
vigência, naturalmente pouco atraem candidatos com titulação de
mestre ou doutor – ausência de titulação que, por si, é um
impedimento ao desenvolvimento de pesquisas, já que as agências de
fomento que as financiam têm um padrão mínimo de exigência quanto a isso.
A prorrogação
indefinida dessa situação – que já vem se arrastando por alguns anos
– pode gerar efeitos altamente indesejáveis, seja no nível de
formação dos estudantes, na quantidade e qualidade da pesquisa
pelas novas universidades desenvolvidas ou na consolidação de uma
distinção axiológica entre dois grupos muito díspares entre si
de universidades federais.
A principal questão
que se coloca é: a inclusão de novos estratos sociais na
universidade é para valer – ou seja, oferecendo a todos um ensino
do melhor nível possível – ou, a despeito dos esforços
democratizantes, ela acabará por servir à repetição, no interior
da universidade, da brutal assimetria social que se verifica na
sociedade brasileira? A resposta a essa pergunta é crucial para o futuro do Brasil em termos de educação e trabalho.
Mídia e militância
É importante, aqui,
abrir parênteses para um comentário sobre a postura da mídia ante
os problemas da educação em âmbito federal: embora não costume
perder uma oportunidade de atacar o governo chefiado por Dilma,
mantém o mais completo silêncio quanto à questão. Explica-se: a
demanda por melhores salários, condições de trabalho e adoção de
um Plano de Carreira que estabilizaria, a longo prazo, a profissão
docente contraria frontalmente a orientação neoliberal para a
estruturação do ensino superior, que recomenda sua privatização e
instrumentalização como apêndice dos setores empresariais e
industriais privados.
A novidade é a
repetição de uma estratégia de avestruz também por parte de
setores governistas na blogosfera e nas redes sociais, como forma de
mitigar ou mesmo esconder a gravidade do estado de coisas no ensino
superior federal. Não deixa de haver alguma ironia sinistra no fato
de que vários dos que se autoproclamam inimigos figadais da mídia
corporativa adotem a mesma estratégia do silêncio por esta
empregada, quando, para eles, o que está em jogo é a paixão
político-partidária e não a luta por uma sociedade mais justa.
Longo caminho
Há um longuíssimo
caminho a ser percorrido pela administração Dilma para
consubstanciar em realidade a promessa – reiterada durante a
campanha eleitoral e reforçada no discurso de posse – de que a
Educação seria uma prioridade em seu governo. Pelo que estamos
vendo até agora, nesses 17 meses, estamos bem longe disso.
4 comentários:
Melhor análise da greve das Universidades Federais. Infelizmente esse é o cenário!!!
Parece que sua crítica aos blogueiros funcionou. Eu sou professor da UFMT e estamos em greve desde 17 de maio. Na nossa assembleia em que a greve foi deflagrada eu afirmei que a mídia falaria sobre a greve, e realmente tenho visto na Record News, naquelas palavrinhas que correm no pé da tela, várias inserções sobre a greve nas universidades.
Em meu blog, assim como certamente em vários outros - cito o Língua Ferina, por exemplo - tenho sempre postado matérias sobre o tema.
Depois desta sua postagem, parece que a blogosfera acordou. Alguns dos grandes já publicam sobre o tema. A Carta Maior, com matéria da jornalista Najla Passos, reproduzida no Luis Nassif Online, também fala sobre a greve e suas razões.
Sua contribuição e crítica foram, a meu ver, essenciais para o pessoal acordar para o problema que nós vivemos nas universidades federais.
Para se ter uma ideia, a incidência de doenças psíquicas em professores tem sido muito alta em função da pressão contínua para que se produza, com valorização quantitativa e não qualitativa dessa produção.
Cordiais saudações,
Aquiles Lazzarotto
Aquiles e Nelson,
Obrigado pelos comentários.
De fato, a Record, de maneira geral, vem se distinguindo no jornalismo televisivo - e tem dado à greve dos professores federais um enfoque mais equilibrado.
Por outro lado, os veículos da Rede Globo oscilam entre o silêncio e uma abordagem fortemente negativa da paralisação, focada quase que exclusivamente no prejuízo que causa aos alunos.
Por exemplo, na Globo News, ontem, um repórter que cobria o sul de Minas distorceu o sentido de uma passeata de alunos e professores de apoio à greve.
Um abraço,
Maurício.
Ótimo texto, Maurício. Trabalho em um campus em que vários colegas instalaram seus laboratórios em banheiros! Como se posicionar estrategicamente no cenário político e econômico internacional com essa visão de educação? Abraço.
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