O Metrô de São Paulo
foi, durante anos, modelo de transporte urbano na América do Sul.
Tenho um tio que desempenhou um papel de alguma importância na
concepção e implementação da primeira linha, inaugurada em 1972,
e, embora eu fosse muito pequeno para lembrar, sei que ele viajara
anos antes ao México para estudar o metrô da capital daquele país,
que teria sido a principal referência para seu similar paulistano.
Piora sensível
No decorrer de pelo menos duas décadas, “pegar o metrô” em São Paulo era não apenas usufruir de um meio de transporte rápido e eficiente, mas vivenciar uma experiência urbana que tinha até um certo charme, advindo do ar futurista do trem e das estações, da atmosfera clean, da sensação de frescor proporcionada pelo sistema de ventilação, da civilidade de quase sempre viajar sentado, lendo um livro ou vendo as moças, sem qualquer preocupação com acidentes ou assaltos.
O
tom saudosista do parágrafo acima não é gratuito. O caráter
idílico-modernista das viagens de metrô pertence a um passado
distante, e há tempos que fazer uso de tal meio de transporte
corresponde, na mais das vezes, a vivenciar uma experiência que
oscila do penoso ao insuportável.
Denúncias e mortes
A
passagem de um passado modelar para um presente infernal é reflexo
direto do descaso com que os governos peessedebistas – no poder há
mais de 17 anos – vêm tratando os serviços essenciais à
população, seja no transporte, na saúde ou na educação.
No
caso do Metrô, a situação se agrava a partir da primeira eleição
de Geraldo Alkmin para governador, seguida da temerária gestão
Serra. No período, iniciam uma queda de braço com o sindicato e com
a Justiça por quererem impor um modelo de privatização do tipo UPP
em que o Estado não só garante um faturamento mínimo (e o cobre,
com dinheiro do contribuinte, se não alcançado), como ainda investe
cerca de 73% do custo das obras, mais melhorias eventuais.
O
resultado não demora a aparecer: em meio a denúncias acerca da
qualidade do material empregado na construção e das condições de
insegurança dos trabalhadores, em janeiro de 2007 ocorre um
desabamento de grandes proporções em um dos canteiros de
obra da Via Amarela, na Marginal Pinheiros, gerando uma cratera
enorme (foto), no maior acidente em obras de transporte da história
da cidade, que matou sete pessoas, interditou 55 casas, sete das
quais tiveram de ser demolidas. Blindado pela mídia, como de
costume, a reação de Serra foi se esconder e fingir que não era
com ele. O caso dorme na letárgica Justiça paulista.
Lata de sardinha
A
partir daí, o sucateamento do metrô é cada dia mais visível, até
chegar ao caos de nosso dias: há uma redução drástica de
bilheterias abertas, provocando enormes filas; todas as linhas
pioram, particularmente a linha Vermelha (Leste-Oeste), que atinge um
ponto de saturação, fazendo com que viajar em seus trens entre as seis e as nove da manhã e entre as 17 e 20 horas, em
vagões muito mais lotados do que o humanamente tolerável,
signifique enfrentar um desconforto extremo, correndo risco de
asfixia, torções e fraturas.
Em
épocas eleitorais, o governo inaugura, com muito marketing e
carnaval da mídia amiga, um par de estações, enquanto achata os
salários dos trabalhadores (do que foi, um dia, um setor trabalhista
cobiçado pelo funcionalismo estadual). Fora isso, a única coisa
que tem avançado no metrô paulistano é o preço da passagem, que
há anos não conta mais com os bilhetes múltiplos que aliviavam o
bolso dos usuários. Na outra ponta, o sindicato vem há tempos fazendo alertas a repeito de sobrecarga de trabalho, pessoal insuficiente e
riscos iminentes.
Crônica de uma tragédia anunciada
O
acidente de hoje, que feriu 107 pessoas, era, portanto, uma
possibilidade no ar, perceptível por qualquer pessoa com senso de
atenção, e prenunciado repetidas vezes por sindicalistas, experts e
por aqueles minimamente familiarizados com a derrocada do metrô. E é
importante ter-se claro que a batida entre os trens só não resultou
em uma tragédia de proporções maiores graças à destreza de um
dos condutores, que acionou o modo manual a tempo de frear
(quando o sistema automático dera um comando para o trem acelerar em
direção a outro parado à sua frente).
Porém,
que sirva como um alerta: se nada de realmente efetivo, para além
das maquiagens, panaceias e truques eleitorais, for feito, se o porquê de não ter sido verificada a denúncia sobre falhas que o diretor do sindicato alega ter recebido, o risco de
tragédia continua, infelizmente, iminente.
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