A forma como o governo
peessedebista de São Paulo e seu braço ideológico-comunicacional -
a mídia corporativa – reagiram à greve dos metroviários
evidencia, uma vez mais, a intolerância para com as manifestações
reivindicatórias trabalhistas e o caráter profundamente repressor
das relações entre poder, comunicação e demandas sociais no
estado.
Tendo rejeitado a
oportunidade, oferecida pelo sindicato da categoria, de manter o
metrô funcionando, com catracas livres, enquanto se desenrolavam as
negociações, o governador Geraldo Alckmin preferiu privar a
população de usar tal meio de transporte, sob o pretexto de
“endurecer” as tratativas, confiante de que a mídia amiga
colaboraria na responsabilização dos grevistas pelos transtornos
que fatalmente decorreriam de tal decisão.
Pânico em SP
O resultado foi um dia
de caos na cidade, cujo trânsito simplesmente travou em diversas
regiões, com o recorde de 231 quilômetros de congestionamento impedindo trabalhadores de chegarem a seus empregos,
prejudicando o transporte de bens e a oferta de serviços e gerando
toda sorte de atrasos e desconforto à população. Para completar, a
CET, numa decisão tão precipitada quanto pouco inteligente,
suspendeu o rodízio, atulhando as ruas com um acréscimo médio de
20% de carros circulantes justamente num dia em que muitos trocariam
o transporte público por veículos próprios.
Como se vê, mesmo se não levarmos em conta sua responsabilidade na penosa situação trabalhista
que levou os metroviários à greve, o governo é, em larga medida,
responsável pela caótica situação imposta à capital paulista.
Porém, logo de manhã o governador Alckmin deu o tom do que seria o
discurso das autoridades: jogar a população contra os grevistas,
atacá-los pesadamente, promover a velha tática peessedebista da
desqualificação das forças que se lhe opõem (chamando, no caso,
os grevistas de “grupelho radical”), procurar caracterizar a
greve como política e eleitoreira (no que contou com os backing
vocais de José Serra, logo
ecoados pelas folhas amigas).
Regredimos
Ora, toda greve
é política, e é preciso ser ou um completo ignorante em
teoria política ou um manipulador mal-intencionado para fingir
desconhecer tal obviedade. De modo similar, sendo as eleições um
marco cronológico central da agenda política, seria de se esperar
uma sua instrumentalização a favor
da efetividade dos movimentos reivindicatórios grevistas. Assim é
no mundo todo, há tempos. Portanto, nem o fato óbvio de serem as
greves políticas, nem a decorrência lógica de apresentarem
correlação com as eleições as torna menos legítimas – pelo
contrário: sua maior legitimidade justifica-se justamente pelo
aumento da possibilidade de seu grau de eficácia. Afinal, como
afirma Walter Benjamin, “Se a justiça é o critério dos fins, a
legitimidade é o critério dos meios”.
Porém,
na anacrônica São Paulo da segunda década do século XIX – digo,
XXI -, o discurso de tonalidades fascistoides proferido pelo
governador ecoou durante todo o dia, repetido à exaustão nas rádios
e TVs, pelo próprio e por seus ventríloquos na mídia, no partido e
na militância: a culpa pelo caos na cidade era de grevistas fora da
lei, manipulados por pequenos partidos de esquerda que, por sua vez
[e contrariando sua atuação efetiva nas casas legislativas] estavam a
serviço, naturalmente, do PT.
Jornais que ladrem
Enquanto nas ruas, nos lares
e nas redes sociais mitômanos
tucanos praticavam tais modalidades de escapismo, a mídia corporativa se esmerava em produzir uma
narrativa jornalística cujo fim precípuo era atacar ou criminalizar o
movimento trabalhista, incluindo manchetes como “Metroviários cobram de
barriga cheia” e o grande destaque dado à fala do eterno candidato Serra segundo quem "Metrô e CPTM sofrem com sabotagens" (afirmação com a qual se pode eventualmente até concordar, a depender de a quem se atribui a sabotagem, se aos governantes ou a outrem).
Destacou-se, particularmente, pela agressividade
inaudita com que atacou os grevistas, o Jornal da Globo, que tem se
constituído, cada vez mais, em exemplo de jornalismo sacrificado em
prol do faccionismo político-partidário, constituindo-se, assim, em
matriz do conservadorismo mais tacanho na programação “noticiosa”
da TV aberta. Lugar-comum a virtualmente todas as coberturas, é "a greve" quem teria provocado o caos, e nunca a incompetência dos governantes para bem administrar os transportes, evitando-a.
Não é preciso evocar
a imaginação para projetarmos como seria a reação dessa mesma
mídia se se tratasse de um governante petista, ao invés de um
tucano, a enfrentar paralisações reivindicatórias no setor de
transportes: com efeito, conserva-se fresca na memória da democracia brasileira
a forma implacavelmente acusatória como as ex-prefeitas Luiza
Erundina e Marta Suplicy foram responsabilizadas pelos locautes
patronais que deixaram milhões de paulistanos sem transporte, quando
o que estava em jogo era tão-somente o aumento dos lucros já
exorbitantes proporcionados pela exploração, nas condições
sabidas, do transporte público na cidade - e não o aumento do
salário-base de trabalhadores, de aviltantes R$ 1.154 para
insuficientes R$1.225, como na greve de ontem.
Gás, bomba
Para completar o
cenário protofascista da São Paulo de nossos dias não poderia
faltar a violência policial, praxe de qualquer manifestação
realmente popular no estado – o que exclui, evidentemente,
“cansados” e neoudenistas de escol. Ontem, só para variar,
manifestantes, grevistas e hordas de trabalhadores foram reprimidos com bombas de efeito moral e balas de borracha em pelo menos dois pontos
da cidade (Largo Treze de Maio, em Santo Amaro e nas imediações da
estação Corinthians-Itaquera do metrô).
Graças a tal quadro, o
clima que se respira hoje na maior cidade do país, no campus da Cidade
Universitária ou em qualquer espaço público em que se concentrem
grupos de populares – seja para reivindicações, protestos ou
lazer – se assemelha demais e perigosamente àquele dos anos de
ditadura, com a presença ostensiva de forças policiais e a
possibilidade iminente de repressão violenta, mesmo quando o
processo é pacífico e a legalidade de sua realização assegurada
por decisão judicial, como se viu recentemente. Nas manifestações
de ontem, uma mulher foi presa acusada de incitar o depredamento de estação e de desacato. A pergunta que fica é: não haveria outro modo de uma força policial com dezenas de profissionais lidar com uma só protestante mais exaltada?
Mediadora propôs aumento maior
Enquanto isso, o mandatário de voz mansa e mão pesada sussurrava para a mídia que "A greve é cruel", como se se referisse a um ente autônomo que, para existir ou deixar de acontecer, não dependesse das ações que ele próprio, como governador, decidisse tomar ou deixar de tomar.
Ao final do dia,
evidenciando, uma vez mais, que todo o transtorno imposto à
população poderia ter sido evitado com um mínimo de
responsabilidade administrativa, respeito aos paulistanos e melhor
equacionamento de despesas governamentais (cortando, por exemplo, os
milhões que gasta comprando, sem licitação, a revista Veja ou
a Folha de S. Paulo),
o governo aumentou sua oferta de aumento salarial para 6,17% e de
correção percentual de benefícios em índices bem menores do que
os reivindicados. Mesmo estando abaixo dos 6,45% propostos, em
audiência conciliatória, pela desembargadora Anélia Li Chum e
muito aquém dos 14,99% de aumento real reivindicado pelos
metroviários, estes, deixando claro que não são os intransigentes
nem os vilões da história, fecharam um acordo e voltaram aos
trabalhos.
Aguardarão agora, como não poderia deixar de ser na São Paulo atual, pelas investigações que nada menos do que três promotorias, designadas pelo Ministério Público, farão sobre a greve de um dia.
(Imagem retirada daqui)
Nenhum comentário:
Postar um comentário