As reações do grosso
da mídia à Operação Monte Carlo, às ligações
Cachoeira-Demóstenes-imprensa, e à aprovação da respectiva CPI
têm apresentado características que, embora não surpreendam,
suscitam preocupação e desalento.
A esperança de que as
evidências de associação com o crime organizado que paira sobre
setores da imprensa fosse, por sua gravidade, promover um processo de
revisão de seus métodos, condutas e deontologia se dissipa ante a
constatação de que omissões, distorções e um perfil marcadamente
partidário de atuação continuam ditando o perfil da cobertura do
tema.
Operação-abafa
Em um primeiro momento,
tratou-se de abafar o caso, já que este envolvia um dos ídolos do
neoudenismo midiático – e, logo se soube, a mais raivosamente
antipetista das revistas semanais. Tal fase durou pouco mais de uma
semana, até que o burburinho gerado na internet, somado à gravidade
das acusações contra Demóstenes, fez com que parte da mídia –
talvez receosa de que seu silêncio fosse interpretado como
cumplicidade criminosa – passou a acompanhar o caso.
É forçoso constatar,
no entanto, que isso se deu de forma relutante – ainda que sem o
estardalhaço moralista costumeiro (substituído por uma prudência
acusatória inaudita) e se valendo de pesos e medidas
desproporcionais aos habitualmente empregados na sucessão de
denúncias contra a aliança governista, a mídia teve de se resignar
a entregar a cabeça do senador catão à opinião pública.
Inversão de culpa
Teve início, então,
um segundo movimento, que se perpetua até os dias atuais: tentar
atribuir às forças demotucanas a autoria da CPI e o ímpeto
investigativo contra “mais um episódio de corrupção”. Cabe
destacar dois truques baratos acoplados a tal estratégia: o primeiro
é que tal caracterização, ao tipificar o mais grave caso de
envolvimento da imprensa com o crime organizado como mais uma
falcatrua dentre tantas, o banaliza.
Esse segundo truque
combina elementos de mistificação e de total desapego aos fatos, ao
classificar o escândalo Cachoeira-Demóstenes como “mais um caso
de corrupção no governo petista”. Desnecessário apontar o quanto
a adoção de tal estratégia - à qual incorreu inclusive um
ex-jornalista de prestígio, hoje convertido em hidrófobo blogueiro
corporativo – é desrespeitosa para com o leitor/cidadão,
concebido como um idiota desinformado incapaz de se aperceber do
absurdo de se debitar as faltas da oposição conservadoras na conta
das forças governistas que se lhe opõem.
O movimento de inverter
responsabilidades e confundir a opinião pública contou, no início,
com o auxílio luxuoso de Fernando Henrique Cardoso, que durante dois
dias monopolizou a mídia que o adora e adula com declarações de
apoio à CPI. Daí em diante passou-se a bola da embromação a focas
menores, na imprensa e na política – inclusive lideranças do DEM
(sic) bem próximas a Demóstenes -, que continuam a empiná-la à
ponta do focinho, para deleite do público cada vez menor que lhes é
cativo.
Bode expiatório
Um terceiro movimento
midiático visa desviar o foco da atenção, de Demóstenes para
alguma figura da aliança governista. A questão, para a mídia e
para a oposição, não é de escala: ou seja, não importa que as
acusações contra o ex-senador do DEM tenham centenas de provas a
sustentá-las, enquanto as suspeitas contra, digamos, o governador
Agnelo se baseiem em escassos indícios – eles apostam que, através
do seu poder de ampliação, conseguirão convencer a opinião
pública de que estas são mais graves do que aquelas. Para tais
forças não importará, portanto, se, após o escrutínio
milimétrico dos documentos da CPI, só lambaris e agulhinhas da
aliança governista caírem na rede – o trabalho da mídia e dos
setores conservadores será, então, transformá-los em pirarucus e
em tubarões bem mais ameaçadores do que Demóstenes.
É dentro desse
diversionismo descalibrado que se inserem as tentativas recentes de
associar, a priori, o
governo federal (ou qualquer governo estadual da aliança capitaneada
pelo PT) e a Delta, empresa envolvida em uma série de denúncias
envolvendo Cachoeira na Operação Monte Carlo. E tome a enxurrada de
manchetes no estilo “DEM quer investigação da Delta em todos
Estados (sic)”, ontem disponibilizada no site yahoo!, ou o destaque
a falas no mesmo sentido vindas de ninguém menos do que Agripino
Maia.
Mais alto o coqueiro...
Soma-se a essas estratégias da mídia a tradicional técnica diversionista do assobiar para o lado e fingir que não é com ela, como exemplifica a inigualável capa da última Veja, que assegura que “Do alto tudo é melhor”. Não é preciso ser um expert em Análise do Discurso para se aperceber que se trata, naturalmente, de uma afirmação a ser entendida como uma metáfora socioeconômica e geopolítica, uma confissão de que a publicação dos Civita vê tudo pela ótica da elite predadora que ocupa o cume de nossa pirâmide social, e, por outro lado, o faz como convém aos colonizados, sob o tacão ideológico e material aos interesses da nação imperialista situada nas altas latitudes do Atlântico Norte.
O que fica claro desde
já é que a mídia corporativa brasileira, seja em sua porção
predominante, ideologicamente tendenciosa e useira e vezeira em
verdadeiras campanhas políticas que mal se assemelham a jornalismo,
seja na banda podre propriamente dita, flagrada pela Operação Monte
Carlo, não está disposta em promover um mea culpa efetivo e, muito
menos, em cortar na carne seu tecido necrosado, à la News of the
World.
A impressão que fica é
que, para além da CPI, faz-se necessária uma grande mobilização
popular de pressão pela regeneração da mídia brasileira em bases
republicanas e pela instauração de instrumentos efetivos de
monitoração e controle - como os existentes nas principais
democracias europeias -, os quais preservassem a liberdade de
expressão mas coibissem a difamação e a violação da lei.
(Imagem retirada daqui)
2 comentários:
Caleiro,
Finalmente entramos num terreno que pode levar a uma profunda mudança na grande mídia, ou pelo menos, o sentimento da maioria das pessoas em relação a ela.
É fato, que no meio da militância a mídia já foi devidamente desmitificada, mas há,ainda, um setor na inteligência que reluta em atentar para a questão.
O post põe no devido lugar o debate,
Arnobio
Arnobio,
Entramos num terreno propício a mudanças na mídia e na relação do público com ela, sem dúvida.
Mas confesso que estou muito reticente sobre se tais mudanças irão efetivamente se concretizar, ao menos por agora.
Resta-nos o trabalho de formiguinha para colaborar para a mudança.
Maurício.
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