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quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O retorno de Lula

Em uma semana em que a violenta ação da PM paulista no Pinheirinho concentrou a atenção - e a justa indignação - de tantos brasileiros que ainda preservam um sentido de honra cívica, passou relativamente despercebida a retomada da agenda pública por parte do ex-presidente Lula. Trata-se, porém, de um retorno repleto de significações.

A viagem a Brasília para a posse dos novos ministros da Educação (Aloizio Mercadante) e da Ciência e Tecnologia (Marco Antonio Raupp), para a qual o ex-presidente pediu autorização médica, se deu em pleno tratamento contra o câncer (do qual recebeu 16 das 33 sessões diárias de radioterapia previstas), o que não apenas demonstra seu empenho pessoal em participar do evento, mas evidencia uma certa urgência em fazê-lo.

O retorno voluntário de Lula cumpre uma tripla função: em primeiro lugar, ao corroborar as escolhas ministeriais de sua sucessora, ser por ela homenageado e, de novo visual, a seu lado fotografado, mina a estratégia da mídia corporativa de desvincular Dilma de seu antecessor e padrinho político - estratégia esta que atingiu o ápice na semana passada, com as pesquisas de aprovação popular de Dilma recebendo um tratamento altamente editorializado. Neste, dez entre dez matérias jornalísticas fingiam desconhecer que o bom resultado da atual presidenta em seu primeiro ano como mandatária correlaciona-se, em larga medida, à herança lulista, assim como o não tão bom resultado do primeiro ano da Presidência de Lula refletia a crise herdada da administração FHC.

A segunda - e principal - função da aparição pública de Lula é chamar a atenção pública para o ex-ministro da Educação Fernando Haddad, prestigiando-o e saudando o seu legado. Como se sabe, Lula tem sido, mais do que um fiador, um lutador pela candidatura de Haddad à Prefeitura de São Paulo. Confia, certamente, em um legado administrativo marcado não apenas pela revalorização da educação e dos educadores e na expansão física e multiplicação de unidades universitárias e de ensino técnico, mas numa vultosa - e inédita - política de inclusão educacional que quebrou barreiras classistas e raciais. 

É fato que, numa perspectiva nacional, a excelência do legado de Haddad está, no atual governo, sendo maculada pela constatação de que Dilma não está efetivamente honrando o reiterado compromisso de priorizar a educação, com o contingenciamento excessivo de verbas adiando a contratação de professores qualificados para as universidades federais, cujas novas unidades (e no âmbito do ProUni) dependem hoje, em larga medida, de professores substitutos ou temporários, com qualificação inferior e aviltantes contratos de trabalhos. Porém é incerto que a mancha de tal retrocesso repercuta em âmbito municipal e respingue no candidato Haddad.


Como corrobora a visita que fez, no mesmo dia, ao ator Reynaldo Gianecchini (que também se encontrava em tratamento contra câncer no mesmo hospital), o terceiro objetivo de Lula parece ser justamente criar fatos que o permitam, não obstante a má vontade midiática, manter-se em evidência. Trata-se de uma ação calculada, pois a mídia corporativa, de forma geral, desde o fim do seu governo demonstra o pendor de relegar o ex-presidente a uma espécie de ostracismo jornalístico temperado de maniqueísmo - ou seja, destacando o negativo e relegando os aspectos positivos legados por sua administração. O recolhimento a que Lula se viu obrigado para tratar da saúde acabou facilitando tremendamente tal estratégia.

Mas o recreio chegou ao fim: Lula, um mestre da comunicação política, está de volta à ribalta. Em decorrência, a campanha eleitoral de 2012  - que se afigura de alta relevância para o xadrez presidencial de 2014 -, agora sim, indubitavelmente começou.


(Foto cabeçalho: Ailton de Freitas/Fonte. Foto com Gianecchini: Ricardo Stuckert/Fonte)

Um comentário:

arnobiorocha disse...

Mestre Caleiro,

Como sempre excelente texto, preciso nas observações, nas críticas. A volta do maior político do Brasil é um grande fato jornalístico que apenas aqui se teima em negar.

Abraços,

Arnóbio