Em um intervalo de dois
dias a polícia militar protagonizou cenas de brutal violência em
três diferentes estados brasileiros: em Teresina (PI), a repressão
aos jovens que protestam contra o aumento da passagem dos ônibus
municipais reviveu cenas típicas de ditaduras, com a polícia do governador Wilson Martins (PSB) e do prefeito Elmano Férrer (PTB) demonstrando despreparo e sadismo, como pode-se constatar no vídeo abaixo.
O impasse, que completa
uma semana, é grave e crescem os relatos de agressão gratuita por
parte das forças oficiais (sendo que um policial declarou lamentar
estar de folga justamente no dia em que seus companheiros de
corporação “quebraram os estudantes”).
Os episódios de hoje
prefiguram um massacre com mortes que certamente ocorrerá caso não
se intervenha, com bom senso, na situação.
Na menos difundido dos
episódios, Vitória (ES) foi palco hoje de mais violência oficial – de
novo, contra manifestantes que protestavam contra aumento das tarifas
dos coletivos. Trata-se da repetição - por enquanto em menor escala - do tipo de episódio violento que teve lugar há seis meses na capital capixaba, sem que o resto do país tenha se dando conta de tais abusos. Na ocasião, os estudantes reagiram à violência com uma bela e pacífica manifestação.
Há dois pontos em
comum entre as manifestaçõess de Teresina e de Vitória:
- Demonstram que, ao menos para parcelas da população, os sucessivos aumentos de preços, que vêm disparando desde o final do governo Lula e tornam a inflação não-oficial (mas real) incomensuravelmente maior do que a oficial, tornaram-se insuportáveis – e a um ponto tal que há disposição para correr riscos físicos na luta para evitá-los
- Em ambos, a mídia corporativa dos dois estados faz vistas grossas à violência - chegando a omiti-la - e tanto apoia o aumento das passagens quanto procura legitimar a ação policial.
Por fim, há a São
Paulo demotucana, onde a violência policial é tão rotineira quanto
os congestionamentos e os altos índices de poluição do ar, e que,
nesta semana, vem oferecendo tal triste espetáculo em dose dupla: na
despropositada ação policial na USP (que propiciou mais uma
evidência de racismo e despreparo da PM paulista) e na populista e agora
oficialmente suspeita repressão à Cracolândia.
Repensar o modelo
Esses três graves
episódios, em pontos diferentes do Brasil, evidenciam, uma vez mais,
a necessidade de repensar o modelo de ação policial no país. As
polícias militares que a ditadura legou à
sociedade civil já deram mostras mais do que suficientes de que
não combinam com uma moderna sociedade democrática, a qual o Brasil
aspira ser.
É um fato que os
policiais são mal pagos e mal treinados – e que se faz, com
frequência, uso politico (e politiqueiro) das forças policiais. Mas
tais constatações já não são suficientes para consubstanciar uma plataforma de mudanças sem que se altere o atual modelo, pois as PMs, por sua própria história e natureza corporativa, têm reincidindo no vício da truculência e do encobertamento. As pesquisas sobre a visão que a população tem das forças policiais corrobora que, aos olhos de quem deveria servir e proteger, é essa a denegrida imagem que hoje a PM desfruta.
Não se pode ficar preso eternamente a esse paradigma. As reformas, para um dia o Brasil ter forças policiais que combinem efetividade no combate ao crime com imagem positiva com a população, estabelecendo uma relação baseada na confiança e no trato civilizado, têm de ser, necessariamente, profundas.
A democracia, paradoxalmente, ao requerer a manutenção da violência nas mãos do
Estado, impinge que as forças policiais não sejam privatizadas (o
que, de resto, não seria minimamente desejável) e continuem sob o
comando das autoridades eleitas. Isso não impede, no entanto, a sua
urgente desmilitarização e profissionalização
É preciso, o quanto
antes, planejar e executar meios para promover a transição entre as
polícias militares e uma nova corporação profissional não-militar
e com uma formação profissional que inclua não apenas o necessário
preparo para as situações de confronto, mas uma formação
humanística que assegure um comportamento de acordo com os tratados
de direitos humanos dos quais o país é signatário.
Trata-se de uma tarefa
de décadas, mas que o Brasil precisará executar se pretende
realmente um dia ser, de fato, uma democracia avançada.
(Foto de Breno Cavalcanti retirada daqui)
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