À medida em que as eleições deste ano se aproximam, vai se tornando evidente que a mídia corporativa tende não apenas a continuar sua campanha em prol do demotucanato, mas a atuar efetivamente como oposição, seja através da abordagem editorializada dos fatos políticos, seja por meio das opiniões e análises que emite.
Editorial publicado hoje pelo Estadão é exemplar desse processo em que busca influenciar o eleitor e se credenciar como fornecedora de suporte ideológico das forças políticas que apoia. Até agora o mais incisivo artigo opinativo sobre as eleições na capital paulista (e sua relação com os cenários municipal e estadual), o texto transcende os limites da opinião jornalística para transformar-se numa verdadeira chamada à ação da oposição ao petismo.
Já o título do artigo ("Hoje a capital, amanhã o estado") traz implícita a referência a um indesejável acontecimento potencial, a uma ambição futura - em uma palavra, a uma ameça. Em suas linhas finais, tendo ficado explícita que tal ameaça é a eventual vitória de Fernando Haddad (PT/SP) no pleito paulistano, o Estadão deixa qualquer escrúpulo de lado e convoca os demotucanos à ação: "Se existe uma oposição no País, está na hora de seus líderes pensarem seriamente nisso. E agir".
E por que a escolha democrática do candidato petista pelos eleitores paulistanos se afigura tão temível para o Estadão? Após uma ginástica verbal das mais hercúleas, o editorialista do jornal, em um período que resumo todo o artigo, revela a lógica (sic) que justifica (sic) seus temores: "Um dos fundamentos do regime democrático é a possibilidade de
alternância no poder no âmbito federal, que está ameaçado pela
perspectiva de o lulopetismo estender seus domínios ao que de mais
politicamente significativo ainda lhe falta: a cidade e o Estado de São
Paulo".
Vamos por partes: em, primeiro lugar, é no mínimo curiosa (e no máximo desonesta intelectual e jornalisticamente) a operação que procura restringir ao âmbito federal o revezamento no poder como algo que seria imprescindível à democracia, deixando estados e municípios de fora. Desprovido de racionalidade ou lógica, tal estratagema traz à tona o casuísmo e o maniqueísmo torpe da premissa.
Estes se tornam ainda mais evidentes quando se leva em conta que, não por coincidência, o PSDB e o DEM - partidos com os quais a imprensa paulista de ordinário se alinha - estão no poder há duas décadas no estado e (com exceção da administração Marta Suplicy) no município. Por outro lado - e com o perdão pela obviedade - é também significativo que o inimigo que o jornalão quer combater - a aliança partidária federal capitaneada pelo PT - encontra-se, graças a livre escolha popular, pela terceira vez consecutiva a cargo da administração federal.
Para além do raso proselitismo partidário que, disfarçado de opinião bem-intencionada e fundamentada, perpassa o artigo, é a própria premissa central do texto que não se sustenta. E por dois motivos: primeiro, porque não há, efetivamente (nem haveria, com a eventual vitória de Haddad em São Paulo), nenhum obstáculo à possibilidade de alternância do poder no âmbito federal. Pois havendo eleições, há tal possibilidade.
Segundo, porque o que interessa efetivamente ao jornal difundir - que tal alternância é um bem em si mesma, que é necessária pois constituiria prova de democracia sadia, e que estaria ameaçada por novas eleições que mantivessem (ou, nos âmbitos municipal e estadual, colocassem) o PT no poder - não passa de wishful thinking da plutocracia midiática paulista (e das forças políticas que apoia).
Pois, ao contrário do que afirma o editorial de hoje do Estadão, a ocorrência de revezamento no poder não é, necessariamente, uma qualidade da democracia. A ciência política contemporânea substituiu essa premissa factual, descontextualizada e restrita às cores partidárias dos mandatos políticos por critérios mais objetivos e ligados à concepção, estruturação e aos modos de exercício da democracia eleitoral. O que se deve observar é, segundo tal escola, se as eleições são limpas, se são disponibilizadas informações suficientes ao eleitor (no que se refere à atuação governamental e da oposição e ao funcionamento da própria eleição), se a Justiça Eleitoral funciona, se a mídia é pluralista, desconcentrada e mantém um bom grau de independência em relação ao poder político-econômico, se há livre fiscalização internacional dos pleitos, se os mecanismos de voto e de apuração são confiáveis e a vontade do eleitor é soberana, entre outros quesitos. Cumpridas tais exigências, é perfeitamente lícito e democrático que se decida por manter uma determinada força político-partidária no poder por quantas vezes os eleitores decidirem.
Porém, no afã de sacar do poder as forças contra as quais se coloca, a grande imprensa - numa postura que contraria a deontologia básica do jornalismo - não se limita a servir de linha auxiliar dos partidos que apoia, ecoando o denuncismo vazio que, na falta de um projeto para o país, vem praticando na última década. Em estágio pré-falimentar e contaminada pelo desespero serrista, a plutocracia midiática paulista vai mais além: ousa querer ditar regras e criar mitos que venham a condicionar a democracia brasileira, de modo a distorcê-la e, em decorrência, inibi-la. Não passarão!
(Imagem retirada daqui)
Nenhum comentário:
Postar um comentário