Não há dúvidas de que a situação dos índios no Brasil - e, a bem da verdade, em boa parte do mundo - é periclitante. Objetos de um extermínio continuado, vítimas de preconceito, os povos que originalmente habitavam nossa terra, mesmo quando já na situação de isolamento e extinção em que ora se encontram, jamais puderam usufruir efetivamente dos direitos que as novas legislações lhes asseguram.
Suas terras são com frequência invadidas e saqueadas, e se tornaram rotineiros os casos de enfrentamento armado, emboscadas e assassinatos. Na briga surda entre progresso e natureza, entre o grande capital versus a preservação dos povos indígenas, a demarcação de suas reservas recua cada vez mais e a mortandade de suas crianças ostenta índices assustadores.
Embora o grosso da sociedade brasileira possivelmente desconheça essa realidade - e efetivamente não esteja nem aí para a questão indígena -, esse quadro de penúria tem despertado a atenção dos setores mais avançados, notadamente entre jovens, ecologistas e defensores dos direitos humanos.
Assim, causou naturalmente comoção a notícia de que uma criança de oito anos, da tribo dos awá, teria sido queimada viva por madeireiros, no Maranhão. A crueldade de tal ato, o sadismo, o sofrimento que teria sido impingido à vítima geraram uma reação em cadeia nas redes sociais e na blogosfera.
Não obstante tal fenômeno evidenciar uma saudável capacidade de se indignar e protestar, ele acabou dando margem a versões fantasiosas, sem bases em fatos, que chegaram a mencionar a identificação do corpo carbonizado e a descrever o prazer sádico dos madeireiros ao praticar tal ato.
Isso, por sua vez, deu margem a uma exploração maniqueísta do que era, até então, apenas um boato - exploração esta que, no mais das vezes, mal disfarçava sua intencionalidade política: jogar a bomba no colo do governo federal. Assim procedendo, sem nenhuma cautela jornalística, desprezando fatos, apurações e preferindo apostar no pior - tudo por interesses políticos - setores da blogosfera se igualaram à mídia corporativa que tanto criticam,
Ademais, criaram uma situação paradoxal: muitos daqueles que de maneira mais intensa se autoproclamavam defensores dos povos indígenas apostavam no brutal sofrimento de uma indiazinha de oito anos como forma de legitimar seus interesses político-ideológicos (e sua fome pelo brilho virtual efêmero).
Quem, como os blogueiros Luiz Carlos Azenha e Maria Frô, ousou apontar a carência de fatos, a necessidade de mais evidências e o excesso de prognósticos baseados em ouvi-dizer, só faltou ser linchado nas redes sociais.
Pois bem. Hoje, a Funai divulga um relatório no qual conclui tratar-se de um boato e nega a existência de um corpo carbonizado. É suficiente para se descartar a possibilidade que o assassinato tenha ocorrido? É claro que não. Mas é mais um indício de que não havia - e não há - elementos que comprovem tratar-se de um fato. E, assim como fazemos com a mídia corporativa, seria recomendável que a blogosfera adotasse o pressuposto ético de não se deixar balizar por suposições e boatos, mas tão-somente por fatos.
De forma similar, assim como cobramos da mídia corporativa que admita publicamente seus erros, aguardamos que os setores da blogosfera que se precipitaram e divulgaram uma suposição como se de fato se tratasse - nela baseando seus ataques a outros blogueiros e a determinados entes políticos -, venham a público admitir que se precipitaram.
Isso não tornaria a situação dos índios menos graves nem tiraria o ônus dos poderes responsáveis, mas sublinharia as diferenças éticas entre a blogosfera e a mídia corporativa, que nesse caso por momentos se tornaram indistintas. A aposta no boato e no ouvi-dizer só colabora para o discurso midiático segundo o qual a internet seria um não confiável "território de ninguém" - o que, em decorrência, enfraquece a blogosfera enquanto ente comunicacional.
(Foto de Josefa retirada daqui)
3 comentários:
O trabalho de campo e o relatório da Funai, embora superficiais e pouco conclusivos, são indicativos de que os fatos possam não ter ocorridos como alardeados inicialmente. Mas, como sabemos, poderiam, o que ensejou uma onda de boatos e más informações contaminando as redes sociais de forma no mínimo sensacionalista, horrorizando a todos. E tão cruel como a possibilidade de eventos como esse acontecerem foi a sana de alguns, no afã de responsabilizarem o governo, praticamente "torcerem" para que isto fosse verdade. Pura estupidez! A simples possibilidade destes fatos ocorrerem já é motivo suficiente para a exigência e a urgência de medidas verdadeiras para a proteção de grupos vulneráveis e ameaçados.
Maurício, você tá falando sério que levou a sério um relatório que chama de mentirosos os que denunciaram o caso? Chama de boato e que durou TRÊS dias e seuqer entrou nas terras Awá, mas tão somente aceitou a palavra de um índio aleatório e pronto?
Tsavkko, faço minha a argumentação ponderada do Lufeba e - enfatizando que as ressalvas quanto ao relatório já faziam parte do post - a utilizo como resposta às suas críticas.
Continuo esperando por PROVAS para além do ouvi-dizer e do wishful thinking politicamente motivado.
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