Parece claro que a eleição de Dilma Roussef à Presidência do Brasil traz consigo uma simbologia positiva para o status da mulher na sociedade brasileira contemporânea, assinalando, talvez, para um melhor equacionamento das questões de gênero no país.
Com uma presidente que, segundo publicações de prestígio como a Forbes e o The Independent, é hoje uma das pessoas mais poderosas do mundo, espera-se não apenas um acréscimo de auto-estima – e talvez de maior disposição para lutar por seus direitos – por parte das mulheres brasileiras mas uma maior atenção governamental às suas demandas.
Entre estas - que incluem uma longa pauta dirigida a questões oriundas da relação entre maternidade/casamento, tais como igualdade de direitos, de volume de trabalho e de oportunidades educacionais e empregatícias – destaca-se a necessidade de equiparação salarial com os homens: enquanto, no mundo, as mulheres recebem uma média salarial de 20% a menos do que os homens, desempenhando a mesma função - o que já é inaceitável -, no Brasil, segundo o IBGE, essa diferença salarial é da ordem de 56%. E não nos esqueçamos que o acesso das mulheres às melhores posições é muito mais restrito do que aos homens.
Mas a mais premente das lutas relacionadas às questões de gênero ainda é o combate à violência contra a mulher. A despeito do avanço representado pela promulgação da “Lei Maria da Penha” – que pune de forma mais severa os agressores -, o quadro no Brasil permanece desolador. Pesquisas internacionais mostram que entre 23 e 27% das mulheres brasileiras estão sujeitas a alguma forma de violência doméstica. Segundo o Ibope, tal modalidade de violência é a preocupação principal de 56% das mulheres brasileiras. Entre as que já foram ou continuam sendo vítimas, 24% alegam não deixar o parceiro por não ter como se sustentar, enquanto 17% temem ser mortas se abandoná-lo.
Ainda assim persiste, no Brasil – mesmo em círculos ditos informados -, um preconceito difuso mas perceptível contra o feminismo e as lutas das mulheres. No caso de homens que defedem tais questões, a reação do patriarcalismo brasileiro é "acusá-los" de homossexualismo ou de submissão - e sinto isso na pele porque, ante o anúncio de que vou ministrar um curso sobre jornalismo e questões de gêneros no próximo semestre, tenho observado reações tão absurdas quanto cômicas, denunciadoras do grau de preconceito de quem as propaga.
Esse tipo de reação, observável à mancheia nossa sociedade, se insere num quadro ideológico que não distingue posicionamento político: enquanto nos estratos conservadores tanto o patrimonialismo como a religião patrocinam a manutenção de uma mentalidade patriarcal, setores da esquerda parecem ainda suscetíveis a uma visão derivada dos anos de hegemonia do velho “partidão”, vendo no enfrentamento das questões de gênero uma forma de divisionismo que prejudicaria a luta por melhores condições sócio-econômicas. Trata-se de uma falsa dicotomia, pois uma e outra esfera são interdependentes.
É notável, nesse sentido, o sucesso das políticas federais de transferência de renda que privilegiam a mulher como a recebedora legal de tais insumos: possuidora, de ordinário, de aguçado instinto maternal de proteção da prole e estatisticamente bem menos suscetível do que o homem a vícios como o jogo, as drogas e o alcoolismo, essas mães convertidas em administradoras assomam a um novo papel social no Brasil contemporâneo, enquanto sua família ascende economicamente.
Trata-se de um indício de avanço, a fornecer esperanças de que, em um espaço curto de tempo, o governo e a sociedade brasileiros consigam disseminar políticas eficazes de combate à violência de gênero e de equiparação efetiva dos direitos de homens e de mulheres.
2 comentários:
Eleger uma mulher para a presidência do Brasil, se pensarmos o quanto conservadora é a dita sociedade brasileira, é, no mínimo, uma grande ousadia a que nos propusemos, após sentirmos o gosto bom da vitória de um sindicalista de origem pobre.
O que estes dois personagens têm em comum, no escrutínio dessa dita sociedade, é um "a menos", uma óbvia desqualificação já dada de cara. Para estes, eles nunca seriam sócios!
Espero que Dilma seja "menas" tolerante à mídia golpista e use seus advogados para exigir mais respeito (através do bolso!) de muita gentalha da "elite", da mídia...
Quanto a questão do medo, do gênero... penso que a misoginia é bem descrita pela psicanálise em sua construção da "recusa da feminilidade", ou seja, a recusa de qualquer "a menos", a recusa em identificar-se a qualquer "não todo". Vivemos hoje numa época de excessos e de busca desesperada pelo "poder" de consumo e pelo ideal do corpo e do gozo. A imagem de uma mulher ocupando o cargo mais alto da nação incomoda muita gente. Talvez a pandora incentivada pelos demotucanos só esteja se iniciando. A homofobia agressiva de jovens da elite paulistana é outro sinal do destrambelhamento da intolerância "àqueles os quais eu não desejo me identificar"... pois a eles "falta"!
Assunto é complexo. Até mesmo quem se vê como vítima da homofobia e denuncia essa agressão, não se reconhece misógino; algo que vimos ocorrer nessas eleições: homens e mulheres, gays e skinheads "aliados" no voto anti-Dilma, "sócios" de palanque usando da mesma argumentação "ela não vai dar conta", "queremos virilidade"... coisas desse 'gênero'. Vi cada absurdo nas 'e-comunidadas'... Freud explica. E essa recusa em discutir o assunto é sinal do recalque.
Olá Maurício! Gostei muito do seu post e gostaria de divulgá-lo no "facebook" com o devido crédito, se vc me autorizar, dentro do intuito da campanha #Fim daViolênciaContraMulher. Obrigada e aguardo sua resposta.
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