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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Serra no Jornal Nacional

A entrevista do Jornal Nacional com José Serra, ontem, embora menos leniente do que a realizada no primeiro turno, tornou evidente, uma vez mais, algumas das deficiências técnicas do jornalismo brasileiro.

Pois se há, em graus variados - e ora em profusão -, manipulações e práticas inaceitáveis no jornalismo nacional decorrentes dos interesses das corporações midiáticas, não deixa também de haver outras que derivam de vícios profissionais e de defasagem técnica - se comparadas aos padrões do jornalismo de ponta internacional.

É exemplar nesse sentido o suadouro que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tomou em programas de entrevista anglo-americanos, notadamente no Hard Talk: desacostumado às perguntas frontais e em ser corrigido pelo repórter – este de posse de dados atualizados -, o ex-presidente, habituado a ser tratado como um príncipe pelos jornalistas durante seus dois mandatos, mostrava-se estupefato.

Em entrevistas, duas das habilidades que mais faltam ao jornalismo nativo são:
1) o recurso a dados e fatos como forma de contradizer conteúdos comprovadamente inverídicos da fala do entrevistado;

2)A capacidade de intervir – de forma polida, mas efetiva – na fala do entrevistado de modo a evitar que ele introduza novos temas e descarte o assunto polêmico.

São habilidades que exigem uma equipe profissional e treinada – o que o JN certamente tem – e jornalistas com destreza e genuíno interesse investigativo – o que não é exatamente o caso do casal Bonner ou do jornalismo global de modo geral, manietado que é por uma política editorial tendenciosa.

Apesar de tais limites, a entrevista com o candidato José Serra ontem poderia ter sido um evento jornalístico de alto nível se não acontecessem alguns disparates, tais como deixar de refutar, com dados e fatos, a resposta em que Serra se desvencilha da acusação de ter trazido a questão do aborto à campanha, afirmando que quem o fez foi Dilma (como se esta tivesse algum interesse em levantar o tema).

Quando, em entrevista a um candidato à Presidência, o jornalista se cala ante uma resposta que contraria um fato notório, facilmente atestável pela consulta aos arquivos da emissora, mostra-se leniente, deixando de cumprir sua função precípua de informar a população.

Pois, em tal momento da entrevista, o que um jornalista profissional de alto nível faria seria interromper a fala leviana de Serra e objetar, exibindo nas mãos as fontes da informação: “Mas candidato, nós temos aqui a prova que o senhor foi o primeiro a abordar o tema no dia X, no lugar tal, como o comprovam N registros”.

Mas nem a técnica defasada, nem os interesses corporativos do jornalismo nacional nos permitem desfrutar de um tal profissionalismo.

Resta-nos o padrão Globo de qualidade.

Um comentário:

bete disse...

li e lembtrei do interessantíssimo filme Nixon x Frost, que eu que não sou da área achei uma aula de bastidores da tv.
às vezes acho que aqui não temos jornalistas.