Chauvinismo eleitoral
Os dois primeiros vêm, como não poderia deixar de ser, da imunda campanha eleitoral de José Serra. Ao incauto cidadão que atendesse às chamadas do telemarketing tucano - decretado ilegal um tanto tardiamente pelo TSE - era feita a seguinte indagação:
"- Será que a Dilma sem o Lula dá conta?"Difícil responder, não é mesmo? Afinal, a ditadura não tocou a mão na adolescente Dilma, que desfrutou de um exílio “caviar e champanhe” no exterior, antes de vir ao Brasil e desfalecer ante uma bolinha de papel. Já o bravo guerreiro Serra, com a têmpera dos "machos adultos brancos sempre no comando", não apenas lutou contra o regime de exceção, sendo preso e barbaramente torturado como, em anos recentes, mostrou toda sua fibra máscula ao enfrentar e superar, sem se deixar abater, um câncer linfático.
Como observou Rodrigo Vianna, autor do melhor post sobre o caso, não coincidentemente, na noite da morte de Nestor Kirchner, o Jornal da Globo se dirigiu a seus telespectadores, perguntando:
"- Será que Cristina dá conta de governar, sem o marido?".O notável, do ponto de vista das questões de gênero, é que a ninguém ocorreu perguntar ao eleitor, em 2002, se Serra conseguiria governar sem FHC... Ou seja, a premissa da campanha serrista – reverberada, amiúde, pela mídia - é de uma incapacidade comparativa da mulher em relação ao homem - a diferença em forma de lacuna.
A mulher como isca
Tal atribuição de valores e competências hierarquizados segundo (des)critérios de gênero foi corroborada pelo tucano ao final da campanha – quando, com a sociedade estupefata com a falta de escrúpulos apresentada por Serra em sua luta pelo poder, ele, após elegiar a beleza das mineiras, literalmente implorou às “menininhas” para que pedissem “a seus “pretendentes para que nele votassem.
Essa inauguração de uma nova modalidade de campanha eleitoral, baseada no sexismo e numa visão das relações entre os jovens que só é novecentista em sua aparência, já que sua essência é caudatária de uma visão mercadológica das relações sexuais. Não à toa, o tucano paulista, prestes a ser varrido para a lata de lixo da história política brasileira, foi “homenageado” no twitter com a tag #serracafetao.
Nova elite machista
Porém, dos três eventos que poblematizaram, recentemente, as questões de gênero, o que mais choca tem ocupado um lugar secundário nas manchetes: trata-se do chamado “rodeio de gordas”, promovido por estudantes da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Assis, interior de São Paulo.
Concebido e praticado como “esporte” por estudantes dessa universidade pública que abriga os filhos das elites paulistas, o "rodeio" consistia em abordar uma mulher acima do peso e, ao seu descuido, montar-lhe em cima, procurando manter-se o maior tempo possível sobre a "montaria", enquanto a esta eram gritadoss impropérios.
Como se tal humilhação não fosse suficiente, os “estudantes”, via de regra, esmeravam-se em apresentar-se de início atenciosos, simulando deixarem-se seduzir pelas mulheres antes de, literalmente, montá-las, fazendo irromper o urro ignorante da satisfação sadista grupal.
O grau de sadismo psicológico a que são submetidas às vítimas de tal ato, agravado pelo fato de os alunos alegarem tratar-se de mera “brincadeira”, suscita uma dupla reflexão: em primeiro lugar, no sentido de como agir para evitar que tamanha bestialidade, violadora de direitos humanos básicos, volte a ter lugar no ambiente universitário brasleiro.
Em segundo, lugar, não é preciso ser nenhum expert em psicanálise para se aperceber de que o “rodeio das gordas” traz em seu bojo a evidência de uma grave patologia social de grupo - assim como, de maneira análoga, os massacres do tipo Columbine em colégios norte-americanos muito nos dizem a respeito das relações entre constituição psicológica do sujeito, repressão e axiologia da sociedade em que vive. E, acima de tupo, que no bojo de ambos os casos, apresentam-se, latentes, os contra-efeitos de uma economia das pulsões da libido desvirtuada de uma vivência propriamente sexual.
Afinal, para ficar em uma simples e única constatação, jovens minimamente sadios buscam satisfazer seus impulsos através de uma sexualidade afirmativa, gozosa, tendo no horizonte a satisfação mútua dos(as) parceiro(as). Já sair por aí “caçando” gente para cavalgar publicamente, montando em suas costas de supetão e a contragosto, é coisa de recalcados, de marginais e de violadores do acordo social - enfim, de desclassificados que não merecem frequentar uma universidade sustentada pelos impostos da coletividade através de impostos.
Os três episódios acima descritos evidenciam que, mesmo calada, recalcada, mantida às sombras, sob o manto enganador do alegado liberalismo comportamental brasileiro, a questão de gêneros tende sempre, entre nós, à irrupção pública, plena de evidente urgência, como o oprimido de que nos fala Freud.
("Passeio", de Debret, retirado daqui)
Nenhum comentário:
Postar um comentário