Ainda que explicado por dar sobrevida aos seus objetivos políticos - mantendo acessa, em fogo baixo, a possibilidade de segundo turno -, o contagiante entusiasmo da mídia por Marina Silva nos últimos dias não deixa de ter algo de tristemente irônico e contraditório.
Não que a fascinação da mídia pela candidata verde seja inusitada: como tive oportunidade de demonstrar em um artigo acadêmico apresentado ao congresso da Compolítica em dezembro último – e depois, atualizado e reformatado, ao congresso da International Association of Media and Communicaton Research (IACMR), onde foi bem recebido por brasilianistas franceses -, deslumbre é o substantivo-chave para descrever a forma como as três principais revistas semanais cobriram a candidatura da senadora acreana no primeiro mês após ser anunciada.
Tal deslumbre “apoiava-se” numa única pesquisa, de metodologia altamente questionável, feita por um obscuro instituto e que sustentava que Marina largava contando com “de 12 a 14% da intenção de votos”; em editoriais repletos de wishful thinkings, que previam, em poucas semanas, o protagonismo da candidata; e numa completa repaginação do visual de Marina, que de temerária ecologista petista passou, num passe de mágica, a produto de ponta do marketing político (a platéia da PUC/SP foi às gargalhadas quando eu mostrei, lado a lado, as fotos que Veja, IstoÉ e Época publicavam dela quando era ministra e os verdadeiros editais de moda – num deles, com Marina pousando de terninho em um bosque, sob luz trabalhada – que tiveram lugar tão logo ela anunciou ser candidata).
Longa hibernação
Porém, depois desse entusiasmo inicial veio uma longuíssima, aparentemente interminável, fase de estagnação, durante a qual nenhuma das alvissareiras previsões da grande mídia para sua candidatura se cumpriu: ela parecia incapaz sequer de alcançar os dois dígitos.
Na penúltima sexta-feira, no entanto, após mais de um ano de estagnação, Marina conseguiu superar tal barreira psicológica, atingindo 11% das intenções de voto segundo o Ibope - instituto cujas pesquisas, como as do Datafolha, têm despertado suspeitas e acusações. Uma semana depois, a acreana subiu mais dois pontos. Com 13% dos votos, continua a anos-luz de Dilma Rousseff – que, de acordo com o mesmo instituto, tem 55%, ou seja 43 pontos a mais – e mesmo de José Sera, com 31%.
Acontece, porém, que o cálculo que interessa à oposição e à mídia – que neste momento são, com raríssimas exceções, uma coisa só – é que Dilma teria, agora, 9% a mais de votos do que a soma de seus adversários – cinco pontos a menos do que tinha a semana passada. Como se sabe, se a soma dos votos dos adversários superar o número de votos de Dilma haverá segundo turno.
Desnecessário identificar que vem daí o renovado entusiasmo da mídia por Marina Silva – da mesma mídia que sempre a tratou como uma entidade política anacrônica, incompetente, “aferrada ao passado” (Leonardo Attuch ,em 2009, na IstoÉ), capaz de diagnósticos “dolorosamente temerários” (André Petry, em 2008, na Veja).
Sob a mira da história
Será uma lástima e uma triste ironia se Marina Silva, com a belíssima história de vida que tem e com a dignidade que por tanto tempo fez por merecer, venha efetivamente se prestar a esse triste papel de servir tão-somente como alavanca à pior direita, dando sobrevida ao moribundo José Serra – o político mais nocivo e potencialmente perigoso à democracia brasileira desde a abertura política, como as baixarias de sua campanha corroboram.
É preciso, neste momento, que aqueles dentre os eleitores de Marina que realmente prezam pelo futuro do país e pela evolução da sociedade em termos sociais e democráticos reflitam acerca das conseqüências colaterais de seu voto. Ele certamente não elegerá Marina, mas pode servir para encerrar uma era de acelerada inclusão social - em que mais de 30 milhões saíram da pobreza -, de projeção internacional do Brasil e de aprimoramento do diálogo com a sociedade,substituindo-a pelo retorno à insensibilidade social neoliberal, à subserviência colonizada aos EUA e ao descolamento entre governo e sociedade civil que caracterizam as administrações tucanas.
Os eleitores de Marina estão prontos para assumir o ônus desse retrocesso?
2 comentários:
Hoje de manhã, a parte da minha timeline do Twitter que não vota no PT estava declarando apoio à Marina. Este post, de certo modo, explica a razão.
Achei essa última indagação com uma preocupação excessiva. Caso haja um segundo turno e Serra seja eleito o ônus do retrocesso levantado pelo senhor, caberia muito mais aos eleitores do Serra do que os eleitores da Marina. Afinal, alguns deles podem votar "Em Branco" quando diante Serra e Dilma.
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