O Canal Brasil tem exibido o documentário Memória para Uso Diário (2007), excelente filme que debate e sugere importantes reflexões sobre a ditadura militar e a questão da tortura no Brasil – não só quando aplicada contra presos políticos, mas em sua persistência nos dias atuais como forma indiscriminada de repressão às classes periféricas.A estrutura narrativa em forma de mosaico, embora a princípio um pouco confusa, possibilita a cobertura de aspectos diversos do tema – como a importância e abrangência da atuação do grupo Tortura Nunca Mais (que co-patrocina a produção), as consequências psicológicas para os torturados, a questão da memória pessoal e sentimental, as estratégias do aparato militar para sonegar informações e a leniência dos governos civis para aprovar leis que as liberem, a formação dos torturadores no Brasil e na Escola das Américas (EUA), e a persistência da tortura e das execuções sumárias nos dias atuais, resultando numa abordagem densa e multifacetada do tema, que utiliza com inventividade depoimentos, reportagens televisivas, material gráfico e de arquivo.
Tema difícil de ser tratado em termos cinematográficos, a dor da “tortura a longo prazo” a que são submetidas as famílias dos “desaparecidos” – particularmente as mães -, impedidas de enterrarem seus entes queridos, é enfocado com tato e sem pieguice. Ele está diretamente conectado ao principal fio condutor da trama, a trajetória de d. Ivanilda - uma senhora que durante 31 anos percorre os arquivos do Estado em busca de informações sobre o marido, militante do “partidão" desaparecido em 1975. Sua luta evidencia a importância que tem, em termos emocionais e psicológicos, o reconhecimento, pela Justiça, da responsabilidade do Estado nas mortes dos familiares desaparecidos, medida incomparavelmente mais significativa para as viúvas e filhos do que a concessão de “indenização” financeira que de ordinário a acompanha – e que tem sido, quase sempre, o único e malicioso interesse da mídia corporativa no que concerne à questão.
Dois dos momentos mais sublimes do filme dirigido por Beth Formaggini - que recebeu diversos prêmios no Brasil e no exterior, incluindo Melhor Longa Documentário - Voto Popular, no Festival do Rio 2007 - advém de depoimentos de mães que tiveram seus filhos mortos pelas forças de repressão. No primeiro deles, uma franzina senhora, cujo filho foi morto pela repressão, muito emocionada e humildemente argumenta que aceitaria que ele fosse julgado pelos eventuais crimes pelos quais fora acusado, mas que não pode se conformar com sua execução sumária, sem direito a julgamento. O depoimento desmonta, em poucos segundos, um dos argumentos mais falaciosos ora utilizado pelos setores de direita em sua tentativa de justificar o injustificável – o de que a morte de militantes se justificaria por se tratar de criminosos. Ainda que, apenas como exercício de retórica, aceitássemos que de crime se trata a luta contra um regime arbitrário, o depoimento da senhora encerra a questão: a punição não poderia jamais dar-se na forma de tortura ou de assassinato sumário praticados pelas forças do Estado, e sim exclusivamente através da obediência aos devidos ritos judiciais.
Mas a pedra de toque do filme – e um de seus momentos mais dilacerantes – vem da direta relação que perfaz entre a repressão no período militar e a violação dos direitos humanos hoje; entre a tentativa de se anular a subjetividade psicológica do preso por meio da tortura, objetivo dos interrogatórios durante a ditadura, e o atual desprezo pela identidade dos habitantes das favelas e periferias, vítimas de assassinatos sistemáticos perpetuados por policiais militares e grupos de extermínio. Efetivada através do depoimento de uma jovem mãe negra, habitante da favela da Maré, que teve seu filho de 17 anos assassinado a sangue frio por forças policiais, a relação entre passado e presente se evidencia ainda através dos métodos empregados: se antigamente se “montava uma cena” para alegar que o militante torturado já morto reagira à prisão, atualmente basta rotular o jovem assassinado como traficante (como se fosse possível distinguir à primeira vista pessoas honestas de traficantes - e como se a lei brasileira autorizasse a execução sumária destes, dispensando o rito judicial). Por sua vez, a mídia, como enfatiza a jovem mãe com lágrimas nos olhos, “só passa para contar o número de mortos”.
Um crítico chato talvez sublinhasse que uma edição mais enxuta e objetiva e maior apuro formal fariam bem a Memória..., mas são detalhes desimportantes em uma obra que, além do mérito indiscutível de tratar de assunto tão difícil com fluência, emoção e até humor, é tão rica em questões de fundamental importância para o avanço democrático do país. Um filme para ser visto e revisto - sobretudo pelas novas gerações, e não apenas com a máxima atenção, mas com o mesmo coração aberto com que, há quase 40 anos, jovens idealistas pegaram em armas e deram suas vidas numa luta – certamente ingênua, comprovadamente equivocada, mas indubitavelmente generosa – por um país melhor, livre do jugo ditatorial que tantos males legou à nação, da corrupção desenfreada à disseminação da tortura como prática policial.
Um filme cujo título corresponde à împortância dos temas que debate: memórias para uso diário.






Quase sempre trata-se de uma trama em que um(a) professor(a) chega a uma escola decaída, periférica e/ou violenta para dar aulas a uma classe - majoritariamente formada por marginais e rebeldes - que inicialmente o rejeita, humilha, enfrenta. Após atingir os limites de sua força, invariavelmente o mestre, não sem dificuldades, conquista a turma. O grand finale geralmente constitui-se de um grande momento de superação coletiva, em que tanto o professor é redimido quanto os alunos superam barreiras antes aparentemente intransponíveis.
O original foi refilmado diversas vezes, com algumas variações na trama e quase sempre de forma não oficial. Uma das melhores (e menos conhecidas) versões se chama O Preço do Desafi






No decorrrer do último século, a infância vivenciou uma situação paradoxal: ao passo que, pela primeira vez na história, constituíam-se – no bojo da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) - salvaguardas legais a seu desenvolvimento e proteção, ela tornou-se, cada vez mais, uma problemática contemporânea por excelência.