Com
a repercussão do abominável caso de estupro coletivo no Rio, o país
neste momento se equipara, na percepção mundial da violência
sexual contra a mulher, com a Índia - uma sociedade de
patriarcalismo milenar e repressão estrutural às mulheres -, como
apontado no artigo em que Dorrit Harazim traça, com brilho, paralelos
com o tristemente célebre caso ocorrido em 2015 em Nova Deli.
Tal
constatação torna-se ainda mais chocante quando levamos em conta
que o Brasil foi administrado, nos últimos 14 anos, por governos
ditos de esquerda. Dos quais, por mais complexas e atenuantes que
possam ser as imposições da realpolitik, com seu arco de
alianças e compromissos, esperava-se que trabalhassem no sentido de
aprimorar a qualidade das relações sociais e das políticas de
gênero - seja através do estímulo ao debate, de campanhas
específicas, da instauração de fóruns e mecanismos que
promovessem a diversidade, a tolerância, o respeito, a
consensualidade, o esvaziamento e coibição das potências de
violência na seara sexual.
Mas
não. Em primeiro lugar porque se tratou de uma "esquerda"
forte em um pragmatismo econômico baseado em exportação de
commodities e estímulo ao consumismo interno, mas ignorante,
desinteressada e defasada no que concerne a plataformas biopolíticas.
Em segundo, porque o partido no poder repeliu as tendências internas e os partidos à esquerda, mostrando-se, entretanto, extremamente elástico em relação a composições com as forças conservadoras. Um dos principais efeitos de tais escolhas é que acabou manietado por lideranças protorreligiosas cujo poder veio a se fortalecer, mais e mais, açulado justamente por sua aliança com o poder federal de turno. Este, por sua vez, contrariando seu discurso histórico e traindo, seguidas vezes, coletivos e organizações que o apoiaram nas eleiçõs, deu vazão uma bola de neve de moralismo barato, repressão rexual e recuos constrangedores em relação às políticas de gênero.
Em segundo, porque o partido no poder repeliu as tendências internas e os partidos à esquerda, mostrando-se, entretanto, extremamente elástico em relação a composições com as forças conservadoras. Um dos principais efeitos de tais escolhas é que acabou manietado por lideranças protorreligiosas cujo poder veio a se fortalecer, mais e mais, açulado justamente por sua aliança com o poder federal de turno. Este, por sua vez, contrariando seu discurso histórico e traindo, seguidas vezes, coletivos e organizações que o apoiaram nas eleiçõs, deu vazão uma bola de neve de moralismo barato, repressão rexual e recuos constrangedores em relação às políticas de gênero.
As
estatísticas mostram, de forma indubitável, que a barbárie sofrida
pela jovem de 16 anos está longe de ser um caso isolado - pelo
contrário: coletivo ou não, contra mulheres (em sua maioria), mas
também contra homens, gays ou transgêneros, o estupro é um crime
disseminado, cotidiano, em relação ao qual paira um silêncio
cúmplice na sociedade brasileira. As tentativas de caracterizar a
vítima como lasciva, leviana, vadia, participante de bacanais, puta
- como se qualquer destas condições justificasse o estupro -,
constituem uma clara intenção de culpar a vítima, exemplificando
de forma cabal tais estratégias de negação e mudez.
Não
seria justo culpar tão-somente este ou aquele governo por um
fenômeno disseminado de violência social fermentado por décadas - nominalmente, a (in)cultura do estupro.
Mas tampouco seria correto isentá-los de responsabilidades: achar
que o estupro coletivo do Rio - com o deboche sádico como corolário
e indício de convicção de impunidade - está dissociado, por um
lado, da cada vez mais danosa associação entre o poder de
corporações mercantis/religiosas e o poder político, e, por outro -
e na contramão do mundo - do retrocesso das políticas públicas
concernentes a sexualidade e questões de gênero observado no Brasil
neste milênio seria incorrer na mais crassa ingenuidade (ou
fanatismo).
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