Por paradoxal que possa
aparecer, após três mandatos presidenciais petistas a esquerda vive
um momento de crise: estamos às vésperas de uma eleição em que os
candidatos com chance competem entre si para ver quem agrada mais ao
mercado.
Em tal cenário, as
pautas reformistas, o pendor (auto)crítico e a capacidade de sonhar
deram lugar a um pragmatismo pretensamente "aideológico",
no qual temas como privatização, alianças políticas de interesse
e fórmulas de controle da macroeconomia - o chamado "tripé",
de gênese neoliberal – tornam-se itens comuns à pauta de todas as
forças políticas em conflito.
Mudar para conservar
O pragmatismo petista
que há 12 anos soava como uma maneira inteligente de levar a
esquerda ao poder perpetuou-se como mais um dentre tantos "acordos
por cima" de nossa história política, com suas práticas
conciliatórias que jamais foram revistas em prol sequer de um
reformismo moderado. Lampedusa nos trópicos.
Do cavalo de Troia não
desceram sorrateiros ativistas e a esperteza foi transmutada em
rendição, grafada na Carta ao Povo Brasileiro, declaração de
princípios que afinal mostrou não se tratar de despiste, mas, assim
como os acordos com grupos religiosos que ferem a laicidade
constitucional do Estado, de compromisso inquebrantável (já a
promessa de não privatizar o Pré-Sal, publicamente assumida por
Dilma em 2010, esta sim, revelou-se engodo eleitoreiro).
Pior: o preço cobrado
pelo pragmatismo e pelo desprezo à ideologia que se tornaram
características distintivas do petismo neste século mostra-se,
enfim, altíssimo, do qual a ausência ou invisibilidade de uma
plataforma de esquerda no atual cenário eleitoral é apenas uma
mostra.
Régua alheia
O que os militantes que
postam gráficos contrapondo o péssimo governo FHC ao que consideram
os maravilhosos governos Lula e Dila não entendem é que a grande
tragédia do PT não está relacionada a sua eficácia ou não no
plano administrativo, mas ao fato de ter sucumbido ao quadro
valorativo do status quo conservador; ao medir-se a si mesmo – e
permitir que outros assim o meçam - pela régua do mercado; ao se
acovardar, recusando-se, durante longos 12 anos, ao debate ideológico
e ao desfralde das bandeiras históricas do partido e da esquerda.
Enquanto, insuflado
pelo fanatismo cego da militância, o PT se contentava com a meta
medíocre de ser melhor que FHC nos quesitos econômicos,
desperdiçava, com o retorno à privatização e ao fiscalismo, a
oportunidade de colocar um prego no caixão do neoliberalismo na
América Latina, trazendo uma alternativa original à questão, como
por um fugaz momento o governo Lula pareceu fazer.
E esse retrocesso não
foi imposto de fora para dentro, mas fruto de uma decisão deliberada
tomada no início do governo Dilma, com vistas a ampliação da
hegemonia eleitoral, com a incorporação de setores conservadores
antes refratários ao PT. Vem daí a cômoda e para alguns
inexplicável determinação não só de não regular a mídia, mas
de mantê-la regiamente regada com as verbas da Secom.
O menos pior dos
iguais?
A aproximação
estratégica com o conservadorismo, somado ao comodismo da renúncia
de inovar e de promover mudanças estruturais, reduz drasticamente o
diferencial do petismo para com as demais forças em competição,
com as diferenças reduzindo-se ao plano quantitativo.
Argumenta-se que o
petismo se distinguiria por ter promovido a ascensão de setores
pobres e miseráveis, via programas de seguridade social como
Bolsa-Família, e, através da ampliação do acesso ao crédito num
contexto de salário mínimo indexado, ter patrocinado a emergência
de uma classe média com poder de compra.
Para além dos
questionamentos objetivos – como os que dizem respeito aos baixos
valores que determinam a passagem de uma classe social a outra -
parece não restar dúvidas de que o combate a miséria e à pobreza
constitui o ponto mais meritório da administração petista e uma
questão nacional prioritária.
Talvez nada corrobore mais tal afirmação do que a própria postura dos adversários de Dilma na corrida presidencial em relação ao tema, com tanto Aécio quanto Eduardo Campos se comprometendo com a manutenção de tal combate – e, ainda que a sinceridade de tais intenções possa e deva ser posta em questão, a erradicação da miséria e da pobreza não pode resumir-se a trunfo eleitoral de um partido (embora a contribuição deste para a questão deva ser reconhecida inclusive nas urnas, vis-à-vis demais quesitos relevantes).
Talvez nada corrobore mais tal afirmação do que a própria postura dos adversários de Dilma na corrida presidencial em relação ao tema, com tanto Aécio quanto Eduardo Campos se comprometendo com a manutenção de tal combate – e, ainda que a sinceridade de tais intenções possa e deva ser posta em questão, a erradicação da miséria e da pobreza não pode resumir-se a trunfo eleitoral de um partido (embora a contribuição deste para a questão deva ser reconhecida inclusive nas urnas, vis-à-vis demais quesitos relevantes).
Fim de ciclo
Já quanto à política
econômica, ora esgota-se o modelo petista, intrinsecamente
pró-capitalista, de expandir a economia via acréscimo do consumo,
para assim – e com o auxílio dos mencionados programas de renda
mínima – incorporar à classe média parte da base da pirâmide. E
esgota-se por três razões:
- O acesso ao consumo se mostra uma forma apenas parcial de promover tal redesenho social, já que as demais demandas imprescindíveis à plena cidadania permaneceriam inacessíveis ou precárias para tais estratos socioeconômicos. Da insatisfação daí gerada derivariam, segundo a maioria dos cientistas sociais, os protestos deflagrados a partir de junho;
- Como ocorre neste exato momento, a ascensão via consumo torna-se lenta ou estanca-se à medida que cresce o endividamento das famílias ou que, satisfeitas necessidades básicas de consumo (eletrodomésticos, carro), este passa a ser mais seletivo e ocasional, inclusive devido ao amadurecimento no modo de lidar com os encargos de novos endividamentos (juros, taxas, impossibilidade de poupar);
- As grave assimetrias sociais do pais sempre se expressaram de forma mais aguda na base e no topo da pirâmide, cume onde uma parcela ínfima da população detém mais da metade da riqueza do país. O modelo petista concentrou-se apenas na base, não só mantendo intactos, mas aumentando os ganhos dos ricos e milionários, sem taxar fortunas ou adotar qualquer medida de compensação pelos lucros pornográficos de bancos, corporações e teles (cujas multas pelo péssimo e caro serviço oferecido têm sido sistematicamente perdoadas pelo governo).
Bolhas e turbas
Tudo somado, o legado é
que as eleições 2014, como já dito, não apresentam nenhum
candidato competitivo realmente de esquerda, ou seja, que se oponha
frontalmente ao capitalismo de mercado e à ideologia neoliberal de
forma ora mais, ora menos explícita orienta as atuais políticas
econômicas. Tal papel fora desempenhado não só pelo próprio Lula,
mas eleições anteriores à sua transformação em Lulinha Paz e
Amor (2002), mas, com mais propriedade, pelo saudoso Leonel Brizola,
que prometia "instaurar uma auditoria na Rede Globo na primeira
manhã do primeiro dia do meu mandato".
Mas isso são águas
passadas. Na atual gestão petista, a autocrítica pública foi
simplesmente abandonada, substituída pelo que chamo de "síndrome
do coitadismo", cujos sintomas são uma tendência a atribuir à
mídia ou à Justiça o ônus por todo e qualquer revés sofrido pelo
partido, mesmo quando o comportamento deste contraria os compromissos
eleitorais, a ética política ou mesmo as leis. Açulado pela
atmosfera de turba das redes sociais, com sua recusa intrínseca ao
convívio com o pensamento dissidente ou contrário, o grau de
negação e de autoilusão petista atingiu nos últimos meses
proporções tamanhas que talvez só a derrota nas eleições
presidenciais tenha o poder de chamá-los à realidade e gerar
efetivamente uma autocrítica e uma redefinição programática para
além da busca do poder pelo poder.
Votos da esquerda
Agora, que as intenções
de voto fugazmente conquistadas junto ao eleitorado conservador
bateram asas e voaram – à mínima constituição de uma
candidatura em seu próprio campo, como este blog cansou de alertar
que aconteceria – busca-se desesperadamente o voto dos setores
dissidentes da esquerda, vilipendiados durante todo o atual governo,
para os quais agora se acena com a regularização da mídia
negligenciada durante 12 anos e com políticas participativas que nem
o susto com as Jornadas de junho foi capaz de efetivar.
No entanto, não há
razões objetivas para que se acredite que o petismo, em sua aliança
com o conservadorismo do PMDB, Maluf e companhia, vá efetivamente
fazer uma coisa nem outra, nem que tudo não passe de promessa
eleitoreira a ser posta de lado uma vez no poder, como Dilma fez com
o compromisso de não privatizar o Pré-Sal, a prioridade à educação
e a banda larga boa e barata para todos, entre tantos outras
promessas da campanha de quatro anos atrás. Por que desta vez seria
diferente?
(imagem retirada daqui)
Um comentário:
http://blogdomonjn.blogspot.com.br/2012/12/por-uma-luta-consequente.html
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