Os
comerciais que, enquanto a Justiça Eleitoral permitiu, o PT exibiu
durante o mês de maio inauguram, de forma efetiva, a guerra do
marketing eleitoral que deve caracterizar uma campanha
das mais acirradas. Televisionados em um momento de crise na
candidatura governista, cujo favoritismo vê-se ameaçado pela
diminuição da vantagem de Dilma ante os demais candidatos, as peças
publicitárias apostam na estratégia de difundir o medo do
retrocesso através da contraposição entre um presente idílico, de
comercial de margarina, e um passado de penúria, com a era tucana
representada com alusões a um clássico filme de vampiros do
expressionismo alemão.
O
tom dos comerciais diverge portanto, da estratégia característica
do marketing petista desde a corrida presidencial de 2002, baseada na
premissa, atestada em pesquisas, de que o brasileiro não gosta de
campanhas agressivas (como eventualmente soavam, até então, as do próprio PT
). "A esperança venceu o medo" e "Lulinha Paz e Amor"
são, mais do que truísmos, achados publicitários a resumirem tal
correção de rumo - a qual resultaria, seguidas vezes, vitoriosa.
Reação
dos opositores
A
reação dos candidatos opositores foi imediata: Eduardo Campos
(PSB/PE) afirmou que "a ideia de incutir o medo é uma proposta
atrasada" e que está preparado para o "jogo pesado"
da campanha, do qual a agressividade da campanha petista seria um
indício.
Por
sua vez, Aécio Neves (PSDB/MG) subiu o tom, afirmando ser "triste ver um partido que não se envergonha de assustar e ameaçar a população para tentar se manter no poder. Esse comercial é o retrato do que o PT se transformou e o espelho do fracasso de um governo que, após 12 anos de mandato, só tem a oferecer medo e insegurança porque perdeu a capacidade de gerar confiança e esperança".
A cobertura da mídia
Já o tom de predominante surpresa com que a guinada do marketing petista foi recebida pela mídia tornou ainda mais evidente que, a despeito do papel primordial do marketing político nas eleições recentes, e mesmo com o país na iminência de uma eleição presidencial que promete ser acirrada, o jornalismo político tem prestado pouca atenção a quem são os marqueteiros dos principais candidatos e quais suas estratégias e táticas.
Trata-se
de grave omissão: afigura-se essencial ao aprimoramento da
democracia e à elevação do nível dos embates políticos, nos dias
atuais, não apenas a informação acerca de tal tema, mas o
aprofundamento das análises a ele correlatas, além da denúncia
tanto dos eventuais falseamentos no âmbito do conteúdo discursivo
das campanhas quanto do teor de inautenticidade inerente à primazia
do marketing no campo político.
Papel
primordial
Pois
há tempos o marketing político assumiu o primeiro plano nas
campanhas eleitorais, tornando-se um ramo altamente rentável das
Comunicações e influenciando decisivamente no quadro político. A
transformação de políticos em produtos vendáveis, se dinamiza a
economia e renova o repertório técnico e semiológico da
publicidade, não se dá, por outro lado, sem danosos efeitos
colaterais, talvez o maior deles o agravamento da escassez de
programas políticos orientados por um norte ideológico. Em uma era
marcada pela crise das ideologias, a programática dá lugar ao
pragmático.
Assim,
contemporâneo da globalização econômica, o marketing político
praticado nas últimas décadas é transnacional: campanhas
bem-sucedidas em um contexto ou país são copiadas e remodeladas
para reaproveitamento em outros, muitas vezes em contextos muito
diferentes entre si, o que vem a corroborar a primazia dos aspectos
cosméticos sobre o conteúdo programático no atual modelo
político-publicitário.
Estudos
de caso
Devido
a seu sucesso, tornaram-se case
studies do
marketing político as campanhas presidenciais de Bill Clinton em
1992, de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 e de Barack Obama em
2008. Elas têm em comum o êxito de conseguir fixar nos eleitores
uma imagem, forte e positiva, de cada um dos candidatos, imagem esta
que se provou capaz de tornar atraente candidatos relativamente pouco
conhecidos (no caso dos norte-americanos) ou de neutralizar, ao menos
temporariamente, aspectos negativos anteriormente "colados"
aos postulantes.
No
caso de Clinton, tal imagem pode ser reduzida na frase de efeito "é
a economia, estúpido!", que o estrategista da campanha James
Carville imprimiu em letras garrafais, emoldurou e fez pendurar no
ponto mais visível do principal escritório eleitoral do candidato
do Arkansas. Ela, a um tempo, indicava o foco da campanha e colocava
em segundo plano questões como experiência e projeção nacional,
nas quais Clinton tenderia a levar a pior ante George Bush, pai. A
frase aludia a uma lógica prioritária que viria a se confirmar
decisiva: para os eleitores, seus próprios bolsos vazios eram,
afinal, o principal problema a ser revertido.
Lula
e Obama
Já
em relação a Lula, o desafio era ainda maior, por implicar na
reformulação de imagem de uma figura pública nacionalmente
conhecida e que por décadas primara por um discurso um tanto áspero
e por uma combatividade quase agressiva aos olhos de determinadas
parcelas do eleitorado. Ao aparar sua antes desgrenhada barba,
vesti-lo em ternos bem cortados e modular seu tom de voz e seu
discurso, agora conciliador, o publicitário Duda Mendonça forjou o
que o próprio candidato petista autodenominou "Lulinha Paz e
Amor": uma imagem que não só o tornou palatável a parcelas do
eleitorado, mas foi por ele incorporada - com muito sucesso,
reconheça-se - desde então.
Quanto
a Obama, a exploração inteligente de dois fatores seria decisiva: o
primeiro, a questão racial, com os signos de novidade e superação
de preconceitos associados à eleição do primeiro presidente negro;
o segundo, a otimização do recurso à internet, tanto para fins
arrecadatórios quanto propriamente publicitários, neste caso
particularmente em relação aos setores jovens. A campanha tornou-se
icônica, assim, por somar a uma imagem facilmente identificável,
associada a grandes mudanças – resumida no dístico "Yes, We
Can" –, uma utilização até então inédita, na política
mainstream,
de recursos interativos inerentes aos aplicativos e redes sociais da
web
2.0 –
aí incluída uma arrecadação de mais de U$500 milhões online.
A
estratégia, concebida pelo
nerd
Ben Self, revelou-se inovadora e de grande apelo popular, e vem sendo
copiada mundo afora desde então, embora sem o mesmo sucesso.
Avaliação
administrativa
Como
fica evidente, a imagem que tais campanhas afixaram, em cada um dos
candidatos, para um público amplo e heterogêneo, era una e
facilmente identificável, como pede a era das informações
digitais: Clinton, o redentor da economia; Lula, o conciliador;
Obama, a novidade. A contrapartida desse tipo de marketing político
é que ele dificulta, ou mesmo se esforça por dispensar, a
elaboração de um discurso político elaborado e programático
acerca do que o candidato virá a fazer, de que modo e com quais
recursos – o que, ao final das contas, será o que importa e o que
afetará as vida dos cidadãos.
Ainda
que, nos três casos, o marketing político continuasse ativo mesmo
após os eleitos assumirem as respectivas presidências, sua eficácia
ante o público a partir daí revelar-se-ia consideravelmente menor.
Afinal, não se tratava mais de uma aposta idealizada em um
candidato, sem possibilidade de checagem prévia, e sim da concretude
da vida sob os efeitos das decisões administrativas que tais eleitos
tomassem. Embora todos tenham conseguido se reeleger, a diferença
entre os índices de aprovação de cada um ao deixarem a presidência
- um quesito no qual o brasileiro se destaca - mostra-se um exemplo
eloquente a corroborar tal diferença.
Novo
tom petista
Voltando
ao cenário das atuais eleições presidenciais em nosso país, o
maior desafio para o marketing político, neste momento e em relação
às eleições presidenciais, talvez seja o da candidatura Dilma
Rousseff (PT/RS), e não só porque, após quatro anos no poder,
tanto suas qualidades quanto suas deficiências já são por demais
conhecidas, mas por representar a continuidade do poder nas mãos de
uma determinada força politica por um longo período de tempo - 11
anos e 9 meses, na data da eleição -, o que talvez tenda a gerar
uma certa "fadiga de material". Para piorar ainda mais as
coisas, seu governo atravessa o pior momento, em termos de aprovação
popular.
Ainda
é cedo para saber se a mudança de tom verificada nos comerciais da
última quarta-feira veio para ficar ou não passou de um
experimento. Em última análise, o que vai decidir isso é a reação
qualitativa aos comerciais, auferida por pesquisas ora em
processamento. Mesmo se pontual, ela representa uma mudança concreta
de atitude por parte do marketing petista, que sai do tom apaziguador
costumeiro para uma atitude desafiadora, de confronto. Decide correr
o risco de soar agressivo e negativo junto ao eleitorado por ter a
convicção de que, numa comparação item a item, sai-se
indubitavelmente melhor do que o PSDB de FHC.
Resta
saber em que medida a comparação com o passado tucano de 12 anos
atrás pode influenciar o voto de uma população às voltas com
problemas concretos que, em boa parte, tornaram-se evidentes no
decorrer dos últimos dois anos - especialmente o dos referentes aos
eleitores com menos de 26 anos, que eram crianças de 14 quando
a presidência de FHC acabou. Resta também constatar até que ponto
as salvaguardas sociais exponencialmente ampliadas nos governos
petistas – Bolsa Família à frente – têm efetivo poder de
mobilização eleitoral.
O
fator FHC
Seja
como for, a jogada do marketing petista consiste, essencialmente, em
reavivar a memória popular quanto à "herança maldita" de
FHC, jogando-a no colo de Aécio. Nas três últimas eleições
presidenciais, o ex-presidente foi "escondido" pelos
postulantes tucanos, mas o ex-governador mineiro já deu mostras de
querer reabilitá-lo, sob a alegação de que os governos petistas
acabaram por adotar algumas das principais políticas que criticavam
no governo que os precedeu - notadamente as privatizações e a
manutenção do tripé neoliberal de controle da economia (formado
por superávit primário, controle da inflação e dólar flutuante)
As
respostas-padrão do marketing tucano, diversionistas, encontram-se
virtualmente bloqueadas: o alegado "choque de gestão", que
já não se sustentaria ante o sofrível desempenho das áreas
sociais em Minas Gerais, seria cabalmente desmentido pela alusão ao
show de incompetência que levou ao esgotamento das fontes de água
em São Paulo. E o hábito de citar escândalos petistas –
"mensalão" à frente – para pespegar no adversário o
rótulo de campeão da corrupção encontraria na menção ao
escândalo do cartel do metrô de São Paulo uma resposta capaz de
impor de antemão um cúmplice silêncio. Que alternativas adotará o
marketing peessedebista?
O
potencial de Campos
Para
além de mais uma rodada no Fla-Flu enter petistas e tucanos que o
embate Dilma versus
Aécio representa, corre por fora a candidatura de Eduardo Campos.
Estritamente do ponto de vista do marketing político, ele é o
candidato com maior potencial. Em primeiro lugar por não ter sobre
seus ombros nem o desgaste de 12 anos em seguida na Presidência, nem
a responsabilidade pelo trauma da falência social que marcou o
segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Em segundo, por contar
como vice com uma candidata que, sem grande estrutura de campanha,
obteve vinte milhões de votos nas últimas eleições presidenciais.
Em terceiro, por ter um histórico de ligação com o lulismo, mas
sem estar envolvido na crise de governabilidade vivenciada por Dilma.
Somados
à sua ótima aprovação no governo de Pernambuco e à mística de
neto e herdeiro político de Miguel Arraes, tais quesitos permitiriam
a um marqueteiro habilidoso "vendê-lo" como uma relativa
novidade, particularmente a eleitores cansados do binarismo PT-PSDB e
a setores jovens do eleitorado. Resta saber se sua campanha, na
eventualidade de um crescimento efetivo das intenções de voto no
candidato, teria condições de enfrentar o fogo mútuo com que as
milionárias campanhas tucana e petista fatalmente lhe alvejariam.
Papel
da mídia
Mas,
para além do que o futuro nos reservar nas eleições presidenciais,
seria essencial que a mídia dedicasse maior e mais rigorosa atenção
à ação do marketing político na campanha, procurando
explicitá-la, desvendá-la e desmistificá-la.
Sobretudo
porque a omissão em relação ao que deveria ser uma cobertura
crítica e desmistificadora da ação do marketing político corre
com frequência o risco de degringolar para o endosso – intencional
ou não – às estratégias e truques de um ou outro marqueteiro,
num processo que penaliza não apenas o desejável tratamento
igualitário a todos os candidatos, mas sobretudo a democracia e a
cidadania como um todo.
(Imagem retirada daqui)
Publicado
originalmente, com modificações pontuais, no Observatório da Imprensa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário