O
combate à pobreza e a economia popular devem ser os dois grandes
trunfos da candidata Dilma Roussef nas próximas eleições. Serão
suficientes para assegurar um segundo mandato? Até o momento as
pesquisas dizem que sim, até com uma certa folga, mas é muito cedo
para um prognóstico: os protestos nas ruas são um fator potencial
de desestabilização, tanto uma eventual participação de Joaquim
Barbosa (que, como juiz, tem até abril para se lançar candidato)
quanto a chapa Eduardo Campos e Marina Silva podem apresentar
surpresas (tanto em relação a quem será o candidato quanto em seu
verdadeiro potencial eleitoral), e o jogo, pra valer, só começa em
meados do ano que vem.
Os
programas de inclusão social são hoje reconhecidos pela maioria
como essenciais, política de Estado, mas o cenário econômico
suscita preocupações: os juros estão novamente lá em cima, o
crescimento será, pelo segundo ano consecutivo, muito baixo e a
inflação só se mantém no topo da meta graças a uma tremenda
manipulação dos impostos dos produtos e dos preços dos bens e
serviços públicos que mais pesam na constituição do índice.
Parte desse desempenho decorre de um cenário internacional em crise,
mas parte é consequência das barbeiragens da política econômica
da era Dilma, pois, fora da Europa e dos EUA, há economias com um
desempenho bem mais sólido que o brasileiro, inclusive entre seus
vizinhos latino-americanos.
A
importância da percepção
Acontece
que o governo tem sido bem-sucedido em minimizar os efeitos da crise
tal como percebida pela população, e isso tende a ser mais
importante do que as narrativas econômicas que o mercado financeiro
forjou no início do neoliberalismo - como sua sua primazia obsessiva
pelo superavit primário - e que seguem como parâmetro orientador
das políticas oficiais, inclusive nos governos petistas.
Tal
percepção gera uma mudança fundamental: no passado, os reflexos
das crises econômicas foram vivenciados na carne pela população,
sobretudo a mais pobre, como recessão, ou seja, atividade econômica
deprimida e falta de dinheiro no bolso; agora, pode-se até ter,
eventualmente, a percepção de que a economia não vai tão bem, mas
- até pela maior disponibilidade de crédito - os bolsos não estão
vazios. Numa eleição, isso pode fazer toda a diferença.
Por
isso mesmo, soa pouco proveitosa a estratégia inicialmente adotada
por Marina, de mirar na economia para tentar minar a candidata
favorita, sua desafeta, contra a qual travou surdas batalhas nos sete
anos em que foi ministra do Meio Ambiente, tentando em vão se
contrapor ao desenvolvimentismo estilo "Brasil grande" da
hoje presidente. O estilo trator de Dilma falou mais alto ao instinto
político de Lula, árbitro da peleja e fiador da atual mandatária.
Ditames
do mercado
Ao
atacar a condução da economia no governo Dilma, defendendo a volta
do "tripé de sustentação" tão ao gosto do mercado –
câmbio flutuante, rigor fiscal e metas de inflação – Marina
desequilibra ainda mais à direita o pêndulo ideológico da próxima
eleição presidencial e facilita tremendamente a tarefa de Dilma
como candidata, já que esta fica sem concorrente competitivo à
esquerda, que lhe cobre explicações pelo tratamento dispensado aos
índios, por um índice de apropriação de terras para reforma
agrária ainda menor que o de FHC, pela presença da Força Nacional
em Belo Monte, pelo tratamento truculento dispensado a grevistas,
pela ausência de diálogo com os movimentos sociais (que, não fosse
a reação provocada pelos protestos de junho, seria nenhum), pela
leniência com as teles, pelo lucro pornográfico dos bancos e pela
volta das privatizações, entre tantas outros áreas que regrediram
no governo Dilma.
Mantido
o atual cenário, teremos uma candidatura ansiosa por uma "reforma"
que restaure a ortodoxia neoliberal (Aécio), outra que promete um
"desenvolvimentismo
responsável" (Marina/Campos), ou a reeleição de uma
presidente que só afrouxou o arrocho fiscal a contragosto e a partir
do terceiro ano de governo (depois de tê-lo apertado ainda mais),
não hesitando, porém, em promover a volta disseminada das
privatizações – a base do receituário neoliberal -, inclusive do
petróleo, em franca contrariedade com o que a esquerda brasileira e
o PT sempre defenderam e com o que, como candidata, Dilma se
comprometera na eleição anterior.
Vácuo
Ou
seja, nenhuma candidatura competitiva à esquerda, que tenha a
coragem de questionar os parâmetros macroeconômicos determinados
pelo mercado financeiro e denunciar que conceitos como rigor fiscal e
déficit público são uma "construção ideológica feita sob
medida para enquadrar uma economia periférica", como definiu
Bernardo Kucinski (Ed. Unesp, 2002, p. 126) em um momento em que se acreditava que o PT
libertaria o país desse "entulho neoliberal".
Que
tenha o destemor de realmente colocar Educação e Saúde à frente
dos interesses do mercado.
Que
proponha um modelo de desenvolvimento que não leve ao genocídio dos
índios nem ao caos urbano e estético da vida nas cidades.
Que
respeite o direito constitucional à greve e mantenha as portas do
poder abertas ao diálogo e à negociação com os movimentos
sociais.
Que
realmente atente para as demandas de todos os brasileiros, inclusive
dos que não professam religião alguma e/ou vivenciam uma
sexualidade fora dos limites da heteronormatividade, sem sujeitá-los
às consequências de um conluio entre religião e política que a
laicidade do Estado deveria vetar.
Que
renegue o derrotismo implícito e o explícito entreguismo de se
privatizar os portos, as estradas, o petróleo, maior riqueza mineral
do país pelo qual o povo brasileiro lutou com o próprio sangue.
Herança
maldita
Todas
e cada uma dessas proposições são hoje uma quimera. Após mais de
uma década de PT no poder, o cenário eleitoral que se delineia para
o país em 2014 apresenta três ou quatro candidatos que oscilam do
conservadorismo assumido ao economicismo envergonhado, sem espaço
para um candidato competitivo de esquerda. Parabéns, lulismo! Vocês
conseguiram.
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