Ao final de fevereiro, surpreendido, a um tempo, pela guinada neoliberal na seara econômica e pela súbita obsessão em cooptar a classe média conservadora que recém a rejeitara nas urnas, publiquei aqui dois textos – que acabaram tendo uma repercussão muitíssimo maior do que eu poderia imaginar - manifestando minha decepção com o governo Dilma e comunicando o meu desligamento da chamada blogosfera progressista, com o anúncio de que a participação militante seria substituída por uma abordagem jornalística.
De lá para cá, diminuí os posts do blog, como disse que faria, e, nas últimas semanas, um pouco por fastio e desencanto, outro tanto porque estive extremamente ocupado, trabalhando, poupei meus poucos mas estimados leitores de qualquer opinião sobre o atual governo.
Os acontecimentos recentes, no entanto, exigem que o silêncio seja interrompido.
Quadro precocemente deteriorado
Passados cinco meses, permanece o economicismo de cunho neoliberal que prejudica a setores essenciais – leia-se, destacadamente, educação - em prol das demandas do mercado financeiro. E, em decorrência, avultam questões como a suspensão dos concursos federais, o anúncio de privatizações em áreas estratégicas, o retrocesso no MinC e as sucessivas confusões do MEC.
Convém sublinhar que, quase na metade do primeiro ano de mandato, não é mais possível, nem honesto, atribuir tais percalços a um governo diletante, como alguns insistem em fazer.
Se, como vinhámos alertando, tais fatores já eram mais do suficientes para levar ao questionamento dos rumos que um governo alegadamente centro-esquerda estava tomando, dois graves episódios recentes tornaram tal necessidade inadiável: a fragorosa derrota do governo na votação do Código Florestal seguida, já no dia seguinte, do cancelamento, por Dilma Rousseff, da distribuição do kit da campanha anti-homofobia prestes a ser posta em prática pelo MEC.
Ambos episódios evidenciam o que é, a meu ver, um problema nodal da atual adminsitração: a ausência de uma coordenação política a efetivamente fazer o meio-campo entre o Executivo e as casas legislativas. No caso específico da aprovação de itens inaceitáveis do Código Florestal, os quais claramente beneficiam os ruralistas em detrimento do bem social e que Dilma promete vetar, esse foi um fator precípuo, tanto em uma maior interlocução com o relator Aldo Rebelo quanto – cujo comportamento pré-votação demandaria que fosse marcado de perto – quanto, sobretudo, uma ação coordenada com os demais líderes da base governista.
Chantagem não
O caso do kit anti-homofobia – que reacionários como Bolsonaro apelidaram de “kit-gay” –, embora passível de ser revertido a médio prazo, parece-me ainda mais grave, por evidenciar não apenas a violação do princípio de que o Estado brasileiro é laico, mas por claramente constituir uma tentativa bem-sucedida de chantagear o governo, ameaçando atirar o novamente suspeito Palocci aos leões caso um conjunto de vídeos didáticos, bem-feitos (confira aqui), dedicado a combater a homofobia e evitar o bullying fosse distribuído à rede escolar.
Não é intenção deste artigo especular se Palocci tem ou não culpa no cartório ou qual seria a medida ideal a ser tomada pelo governo para tirar do centro da sala o bode que lá a mídia depositou.
Três questões
Mas duas questões se mostram inevitáveis: uma é que, a despeito de Dilma frequentar festas na Folha e fazer omeletes com Ana Maria Braga, a mída continua mais que disposta a colocar bodes na sala presidencial - e a presidenta precisa, urgente, traçar uma estratégia para lidar com tal disposição midiática e/ou com tais bodes.
As outras se dão na forma de pergunta, retórica mas para ser pensada: quantos hectares de mata virgem vale Palocci? Quantos ataques de homofobia e quantas almas sensíveis atormentadas pelo fantasma do bullying justificam a permanência de um tecnocrata que, ao final, não fez falta aos melhores momentos do governo Lula?
Refém de uma realpolitik muito elástica
Por fim, para encerrar esta breve reflexão, é preciso observar que causa ainda mais perplexidade a constatação de que a dupla derrota governista se dá em um momento no qual a direita brasileira sofre uma de suas maiores crises históricas, com o desfalecimento do DEM e o acirramento das disputas internas no PSDB, pondo em risco a unidade do principal partido de oposição, já enfraquecido por três derrotas eleitorais consecutivas nas eleições presidenciais.
Assim, com o recuo abrupto de Dilma no caso do kit anti-homofobia, e dado os resultados infrutíferos das articulações governistas que precederam as votações do Código Florestal, a impressão que fica, como aponta a blogueira Amanditas, é que o governo se encontra refém de suas próprias alianças, num ajuste de interesses tão díspares que as demandas de centro-esquerda tendem, na prática, a sumir do horizonte
Na bela Carta Aberta aos Petistas que Milton Temer fez hoje publicar, orbita justamente em torno da descaracterização de um programa de centro-esquerda em prol do mercadismo o seu alerta de que, como visto recentemente na Espanha, a direita reacionária brasileira não precisará de outro golpe militar para voltar ao poder.
Trata-se de algo a meditar e a levar os setores da esquerda que insistem em um conformismo chapa-branca, acatando as decisões governamentais como se sagrads fossem, a tomar uma posição mais ativa, pressionando o governo de Dilma para que ele cumpra o que prometeu.
2 comentários:
Seus textos, mesmo esparsos, são um dos poucos alentos na blogosfera atualmente!
Obrigado, Tsavkko.
Gostaria de escrever mais, mas o acúmulo de trabalho não deixa...
Um abraço,
Maurício.
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