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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O livro e a CPI

Desde que as fartamente documentadas denúncias contidas no livro A Privataria Tucana foram difundidas, o clamor por uma CPI que investigasse as negociatas do demotucanato tornou-se intenso na blogosfera e nas redes sociais.

Enquanto o ex-delegado Protógenes Queirós (PC do B/SP) passa a coletar assinaturas para tal - e a despeito do número expressivo de parlamentares petistas que adere à proposta -, verifica-se, por parte de lideranças do partido e da própria presidente Dilma, uma postura que oscila entre o reticente e a desaprovação explícita.

Isso, por sua vez, provoca uma reação em cadeia nas redes sociais, com o atual governo e, sobretudo, o PT, apanhando mais que Judas em Sábado de Aleluia, a um ponto tal que se tem por vezes a impressão de que o foco volta-se mais ao alegado conservadorismo da atual gestão do que às graves denúncias do livro de Amaury.

É natural que indícios envolvendo malversação de R$25 bilhões de dinheiro público provoquem indignação e justo clamor cívico por justiça - e que o aparente corpo mole da aliança governista liderada pelo PT (mas composta também por outras relevantes forças políticas, algo que comumente é relegado) dê vazão a reações indignadas.

Porém estas não deixam de evidenciar uma fé cega na instalação de uma CPI como único meio de se fazer justiça. Cria-se, assim, através do processo acima descrito, uma falsa e perigosa dicotomia, segundo a qual aqueles que apoiam a criação de tal comissão seriam os democratas e os éticos, enquanto aos que a ela se opõem fica reservado o papel de conservadores e pelegos. Por caricata que pareça, é esta hoje a toada cantada nas redes sociais.

Este artigo procura, com o perdão pela pretensão, propor uma reflexão que supere esse cenário preto e branco e vá além desse imediatismo tão maniqueísta quanto ingênuo.


A deturpação das CPIs 
Antes, porém, é preciso explicitar a posição a partir da qual fala o autor do texto: tenho, há tempos, uma visão extremamente cética quanto ao estatuto das CPIs como meio investigativo; à efetividade que uma eventual CPI da “privataria tucana” possa vir a ter; e à prevalência dos ritos e critérios legais ante o poder de manipulação midiático.

As CPIs foram originalmente concebidas como um recurso excepcional para ser utilizado em situações institucionais urgentes, que demandassem, a um tempo, celeridade na investigação e obediência, ainda que sumária, a um rito jurídico, mesmo que no âmbito do Legislativo (e não do Judiciário).

O caso clássico é o exame de evidências que pudessem levar ao impeachment de um Presidente da República. Não por coincidência, é justamente após a CPI que ejetou Fernando Collor de Mello da cadeira presidencial, em 1992, que se torna recorrente o recurso a tal modalidade de investigação. Duas características básicas tipificam, desde então, as CPIs à moda brasileira, que se tornariam rotineiras:
1) Os tais sumários ritos jurídicos dão lugar a julgamentos eminentemente (sic) políticos, em que interesses muitas vezes espúrios e conchavos se sobrepõem às evidências. Isso não só banaliza as CPIs, transformando-as em palco de luta pelo poder, como as faz elemento central para a reprodução de um dos piores males da política brasileira: o moralismo neoudenista, quase sempre a serviço de um jogo de derruba-presidente;
2) A notoriedade e efetividade de uma CPI – e sua capacidade de despertar o interesse do grande público – estão intrinsecamente ligadas ao interesse da mídia, a qual, é evidente, tende a manipular a cobertura de acordo com seus interesses políticos e econômicos. Isso transforma as CPIs no que o professor Venício A. de Lima, parafraseando um teórico britânico, chama de “espetáculos político-midiáticos”.

Como é de conhecimento geral, a era das CPIs como espetáculo midiático atinge seu ápice por ocasião da “crise do mensalão”, em que o país praticamente para, durante várias semanas, para acompanhar uma pantomina política cujo objetivo último era o impeachment de Lula – só não alcançado graças à combinação única de carisma e sagacidade política desse líder popular, que lhe permitiram manter altos índices de apoio na base da população e utilizar-se dos sindicatos como elemento de pressão junto à elite empresarial.


Show midiático
De volta ao pré-2012: num momento midiático como o que ora o Brasil vive, em que as corporações de comunicação atuam deslavadamente como partido político – como o silêncio sobre o livro de Amaury Jr. ilustrou de forma inconteste -, só a ingenuidade mais poliana pode vir a conceber que, numa eventual "CPI da privatização tucana" a mídia daria atenção a qualquer denúncia que viesse a atingir o demotucanato, e que não utilizaria, na ocasião, de todo seu aparato manipulatório – de truques de edição a colunistas de bigode aparado, de dez entrevistas longas com Álvaro Dias, Roberto Freire e José Serra para alguns segundos de Mercadante (ou qualquer outro petista meio tucano) – para, ao final, malgrado os protestos e contraversões da blogosfera, dar um jeito de jogar o ônus e as culpas no colo de Dilma e do lulopetismo.

Dois outros fatores devem ser levados em conta em relação aos perigos potenciais da instalação de uma CPI: o endosso entusiasmado que recebe do PSOL - partido que tantas vezes se aliou à pior direita contra as principais propostas sociais do governo Lula - e a constatação evidente de que os debates - e a cobertura mídiatica – relativos à comissão se dariam em um momento econômico extremamente delicado, em que o Brasil luta para não se deixar levar pela derrocada da economia europeia. Pertence ao âmbito da ilusão a suposição de que, por ser a CPI alegadamente destinada a investigar um governo tucano, estes e seus prepostos na mídia deixariam de aproveitar o momento para gerar boatos diários visando desestabilizar o governo.


Alternativas mais eficazes
Isso significa então que, por conta de uma mídia corrompida, que se recusa a ao menos se esforçar por buscar a inalcançável imparcialidade, se deva abdicar de qualquer esperança de punição aos eventuais crimes de lesa-pátria do demotucanato – e de quem mais os tenha praticado - e resignar-se à impunidade? De forma alguma. Mas, pelos motivos acima elencados, e dado o caráter de espetáculo político-midiático que cerca as CPIs e o alto grau de concentração dos veículos de mídia no Brasil, afigura-se claro que não é através da instalação de uma comissão de tal tipo que as tarefas essenciais de difundir a um público cada vez mais amplo as denúncias do livro de Amaury e de buscar justa punição a quem as mereça têm mais chances de se efetivar.

Para tanto, urge, primeiro, que a sociedade civil organizada e os agentes do poder acionem e chamem à ação, nos âmbitos federal e estadual, o cada vez mais atuante Ministério Público, para que, ante a profusão de documentos reunidos em A Privataria Tucana, tomem as medidas cabíveis, as quais tendem a ser muito mais efetivas do que se delegadas ao Legislativo.

Em segundo lugar e por fim, faz-se necessário acirrar a batalha pela comunicação, não apenas com a ação cada vez mais efetiva na blogosfera e nas redes sociais, mas procurando ampliar alianças entre blogueiros, ativistas a diversos setores da sociedade - como as universidades, o setor cultural e o novo empresariado -, visando retomar a pressão por um PNBL efetivo e acessível, a instituição de uma legislação de responsabilidade midiática e, sobretudo, a pressão junto ao governo federal por medidas corajosas que efetivamente democratizem e pluralizem o ambiente comunicacional brasileiro.


(Foto do espetáculo OP1, da CIA PHila 7, retirado daqui)

domingo, 11 de dezembro de 2011

A Privataria Tucana e a indignação seletiva da mídia

Corrupção e política sempre estiveram profundamente ligadas no Brasil, um tanto porque essa é, efetivamente, a herança de um país dominado por hierarquias, com profundas injustiças sociais e longos períodos ditatoriais, outro tanto porque desde que a UDN, nos anos 50, em conluio com a maioria da mídia, descobriu o poder mobilizador das denúncias, estas se incorporaram ao modo brasileiro de fazer política.

Todos os governos civis, desde a República Velha até a presidência Dilma Rousseff, sofreram, em maior ou menor grau, acusações de envolvimento em corrupção. Como a atual oposição gosta de lembrar, o PT, quando não era governo, vivia fazendo denúncias e procurando mobilizar o Ministério Público. E isso é verdade. A diferença - que se esquecem de mencionar - é que a repercussão que a mídia fazia das denúncias petistas contra FHC (e demais membros de seu governo), nas raras vezes que ocorria, era incomparavelmente menor do que o barulho – semanal, diário – que ora faz, por exemplo, quanto às denúncias contra os ministros do atual governo.

Assim, enquanto as gravíssimas denúncias, gravadas, do jornalista Fernando Rodrigues contra FHC por alegada compra de votos no plenário (para aprovar a emenda da reeleição) mal foram divulgadas pela Folha de S. Paulo – sem repercussão por nenhum outro grande órgão de mídia, só encontrando eco na Caros Amigos -, a revista Veja produziu mais de quarenta capas sobre supostos atos de corrupção, muitas delas sistematicamente reproduzidas na Folha e nas rádios, TVs e páginas do sistema Globo.

E a mídia pode (ou ao menos podia, antes da internet e da blogosfera militante), fazer toda a diferença – como a eleição de um obscuro governador alagoano (patrocinada e manipulada pela TV Globo, como admitiu recentemente o ex-todo poderoso global Boni) e, posteriormente, sua derrocada rumo ao impeachment, ilustram com precisão.

Recentemente, as eleições presidenciais têm aparentemente mostrado a diminuição do poder de persuasão da imprensa, mas o primeiro ano do governo Dilma evidencia que a mídia é ainda capaz de causar indignação em certos estratos de nossa sociedade e, assim, somado à disposição da presidente de sacrificar quadros em nome da governabilidade, manter o governo acuado, nas cordas.

Essa atuação extremamente tendenciosa do jornalismo brasileiro tem levado à difusão da ideia de que os governos Lula e Dilma seriam os mais corruptos da história da República. Trata-se de uma falácia e de uma injustiça, como sabe qualquer pessoa realmente a par da evolução – quantitativa e qualitativa - dos órgãos e mecanismos estatais de apuração e combate ao crime e à corrupção nos últimos nove anos.

Para contradizer tal acusação leviana, não é preciso mais trazer à tona os números e medidas oficiais e compará-los com os dos governos anteriores. Uma luz mais apurada sobre a questão da corrupção na história recente do Brasil tem lugar com o lançamento de A Privataria Tucana (Geração Editorial), de autoria do jornalista Amaury Ribeiro Jr. Nele, o ex-repórter especial da Globo e da IstoÉ e profissional dos mais reconhecidos - vencedor de nada menos do que três prêmios Esso e quatro prêmios Vladimir Herzog - demonstra, com provas e de forma cabal, o inigualável grau de malversação do erário que marcou o processo de privatização do patrimônio público brasileiro durante os anos FHC, dando nomes aos bois e identificando a rota que levou o botim a paraísos fiscais.

Ante denúncia de tamanha gravidade, minuciosamente documentada, feita por profissional reconhecido e em um livro que, mal lançado, acaba de esgotar a primeira edição de 15 mil cópias, qual é a atitude da mídia brasileira, sempre tão suscetível à indignação? Capas na Veja, editoriais em O Globo, colunas de gente cheirosa na Folha? Nada disso. Tão-somente o mais gritante e auto-denunciador silêncio. O qual evidencia, em sua plena epifania, que a indignação de tal imprensa não é, nem nunca foi, por conta do interesse público contra o qual a corrupção atenta, pois se assim fosse essas vozes da moral estariam agora clamando, indignadas, por investigações rigorosas sobre o governo FHC e o processo de privatização do patrimônio público brasileiro – um crime de lesa-pátria que essa mesma mídia promoveu e endossou, e do qual é cúmplice.

Da próxima vez que você vir uma capa escandalosa da Veja com mais uma uma denúncia mirabolante e sem provas, lembre-se disso.