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terça-feira, 25 de outubro de 2011

Caco e a mídia: a importância da não-omissão

Trecho censurado do programa da Globo News “Em Pauta”, disponibilizado por @amanditas1904 no You Tube, causou um alvoroço nas redes sociais no último final de semana.

No segmento - que não foi ao ar nas reprises do programa no canal a cabo -, o jornalista Caco Barcelos, instado a responder a uma pergunta da colunista Eliane Cantanhêde, questiona o denuncismo da imprensa, criticando o que chamou de “jornalismo declaratório” - a ligeireza e a falta de escrúpulos em se destruir a honra alheia baseadas, muitas vezes, tão-somente na declaração de um acusador, sem aprofundar investigações, inclusive em relação à qualificação do denunciante (veja aqui). Qualquer coincidência com o que ora vemos não é mera coincidência.


Alfinetadas
Eliane, como se sabe, é das jornalistas mais ferrenhamente anti-esquerda da imprensa brasileira. Casada com um publicitário com histórico de trabalho com o PSDB e autora de um livro sobre o DEM, sua coluna na Folha de S. Paulo é uma inacreditável mistura de texto dondoca, preconceitos de classe e teses estapafúrdias. Celebrizou-se por induzir o pânico ante uma inexistente epidemia de febre amarela, por defender os pilotos norte-americanos (que voavam com rádio e transponder desligados) no acidente com o avião da Gol, e por qualificar de “massa cheirosa” os militantes do PSDB. Com um currículo desses, só poderia acabar contratada pela Globo News.

No programa, questionada se concordava com as críticas de Caco, ela citou o caso Palocci – no qual, para ela, a imprensa teria sido responsável por encontrar o que ela considera evidências contra o ex-ministro. Caco retrucou citando a não-condenação de Collor na Justiça – por falta de apuração da imprensa? provoca ele -, reafirmou a leviandade de setores da imprensa, e a coisa parou por aí.

Embora o breve debate com Cantanhêde, que tanto excitou setores da esquerda, esteja longe, na minha opinião, de configurar um “passa-moleque” (para usar a deliciosa expressão que Idelber Avelar usa com frequência – e aplicou inclusive ao caso em questão), penso que a postura de Caco é de fundamental importância.


Opinião "de dentro"
E não só pelo jornalista em questão ser um dos mais respeitados do país, que pratica, há décadas, um jornalismo investigativo aguerrido, corajoso, consagrando-se por premiadas reportagens sobre a violência policial e o tráfico carioca; um profissional que sem jamais curvar-se ideologicamente à “linha” da Vênus Platinada, é admirado por jovens e adultos e esteve à frente de uma das raríssimas inovações jornalísticas realmente interessantes na TV brasileira nos últimos anos.

Mais do que isso: a importância que enxergo no gesto de Caco vem de uma contundente denúncia contra práticas recorrentes da mídia ser vocalizada por um profissional inserido e atuante no meio, por alguém “de dentro”.

Pois os protestos contra as condutas da mídia brasileira – e a certeza de que têm constituído uma afronta ao avanço da democracia no país -, embora mova um contingente cada vez maior de cidadãos e cidadãs, na internet e fora dela, continua enfrentando tanto a resistência de setores corporativistas quanto as reticências de uma maioria alienada.


Ilusão multiplicadora

Não admitir isso, e deixar-se iludir pela ilusão multiplicadora da internet, seria incorrer em uma das mais perigosas ilusões da política: a subestimação do real poder do inimigo. É, portanto, mister reconhecer que o poder da mídia segue enorme – talvez não tenha, como as últimas eleições o demonstram, o poder mobilizador e manipulador que teve no passado, mas, no cotidiano, segue pautando a atenção de milhões de brasileiros, os quais não só estão longe de questioná-la, mas cultuam e prestigiam o universo midiático.

E não me refiro apenas aos vastos estratos médios que, historicamente, mantêm-se à mercê da indústria cultural e da inconsciência política. Devido a questões profissionais, convivo com estudantes e professores de comunicação, bem como com muitos artistas (notadamente, cineastas e músicos). Mesmo entre esses setores, que deveriam supostamente procurar ter uma percepção mais apurada acerca de sua área de trabalho (em um caso) ou do país que pretendem tematizar (em outro), o contingente de pessoas completamente alheias ao que ora se passa na mídia brasileira – e em suas relações com a política – é enorme.


Sair da modorra
O fato de que a crítica à mídia confunde-se com a militância de esquerda e de centro-esquerda aumenta as reticências e a precaução de muitos, e é nesse sentido que a posição de uma figura como Caco – e de seus iguais – tem uma importância inestimável, por produzir uma crítica à mídia a partir da própria mídia em que muitos insistem em acreditar. (Sendo que a vergonhosa censura que o corte imposto pela emissora encarna só faz potencializar a veracidade da crítica.)

Pois à medida que mais e mais profissionais do jornalismo, nas redações, nas universidades, na mídia em geral, saírem da comodidade e da inconsciência e passarem a denunciar o atual estado de coisas da área, mais setores sociais alheios a tal realidade tendem a se conscientizar.


(Foto retirada daqui)

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