Na euforia que se seguiu à sua decretação, as queixas contra os baixíssimos limites tolerados (abaixo de 0,2mg de álcool por litro de ar expelido no bafômetro) e contra a prisão dos que se valessem do direito constitucional de não gerar provas contra si próprios, negando-se a serem testados pelo bafômetro, foi descartada como queixumes dos chatos que são do contra. Não cansa de surpreender a facilidade com que são jogados no lixo, no Brasil, os direitos individuais, em prol de um suposto interesse coletivo.
Enquanto os potenciais benefícios da Lei Seca eram superdimensionados, foi largamente negligenciada a reflexão sobre seus eventuais efeitos deletérios, como, por exemplo, um acréscimo na tendência ao sectarismo (nocivo à saúde física) e ao isolamento (e seus efeitos psicológicos), a diminuição de vida social noturna nas grandes e médias cidades - já afetadas pelo aumento da violência urbana -, e, em plena crise mundial, o efeito econômico de mais uma medida inibidora do consumo.
Resultados questionáveis
No primeiro ano de vigência da lei, segundo os dados oficiais, os resultados teriam sido superlativos, com o número de internações e de mortes no trânsito diminuindo entre 20 e 30%, em média, a depender da unidade federativa consultada.
Nos dois anos seguintes, no entanto, à medida em que deixava de ser novidade, os números recuaram (e em alguns períodos/lugares a níveis pré-Lei Seca) – e a um ponto tal que, se efeitos deletérios acima referidos fossem incluídos no cálculo, seria questionável a eficácia da medida. Pior: como sói acontecer no Brasil, trata-se de uma daquelas leis que “pegou” em alguns estados, mas que é amplamente negligenciada em outros, o que cria uma assimetria jurídica em que uma parcela da sociedade está à mercê da lei, enquanto outra se locupleta.
Tucano flagrado
Esse retrospecto sobre a Lei Seca vem à tona, é claro, no bojo da repercussão da notícia sobre o senador do PSDB Aécio Neves, flagrado por uma blitz policial, no Rio de Janeiro, com a carteira vencida, sendo multado após recusar-se a fazer o teste do bafômetro.
Em qualquer país do mundo, é o tipo de notícia que faria a festa dos opositores, dos tabloídes e das redes sociais. No Brasil, provoca reações ainda mais exacerbadas, não apenas por desmentir, "na lata", o discurso neoudenista que tantos tucanos abraçam, mas por contrapor-se, como evento factual, aos boatos, notinhas e provocações envolvendo consumo de álcool que, nos últimos nove anos, têm sido lançados pela mídia contra o ex-presidente Lula.
E é precisamente no que se refere à cobrança por um tratamento semelhante, por parte da mídia, do atual episódio envolvendo Aécio em relação a ocorrências anteriores envolvendo petistas, que se situa, a meu ver, o ponto nodal da questão. Pois é não só legítimo, mas plenamente desejável que a mídia brasileira seja chamada à razão em cada oportunidade, e casos como o atual têm sido exemplares para demonstrar didaticamente o tratamento assimétrico que costuma dispensar a figuras alinhadas a um e a outro campo do espectro político.
Turbas enfurecidas
Isso posto, fica impossível deixar de registrar que, por outro lado, a reação de turba enfurecida que se viu - e ainda se vê - nas redes sociais impressiona negativamente pela adesão massiva dos que se dissem esquerdistas e liberais a um discurso marcadamente moralista, neoudenista, que se costuma ouvir da boca das piores figuras da direita. Além disso, há algo de incontroversamente hipócrita em ver tantos brasileiros se comportarem como autênticos catões, como se nunca tivessem dirigido um carro após tomar umas cervejas ou nunca atrassasem a renovação de um documento ou do pagamento do IPVA.
Além de contribuir para que passe despercebido que o principal beneficiário do vacilo de Aécio é José Serra - que segue obstinado em ser o candidato presidencial em 2014 -, a histeria coletiva que, em seu ápice, quase torna algumas redes sociais monotemáticas, faz com que os lucros políticos com o episódio se diluam e a necessária crítica à mídia se fragmente - embora esta, mesmo em um momento de nova dinâmica na relação entre governo federal e imprensa, continue a se mostrar urgente.
Ataque desqualificador
Ainda ontem, meses após o fim da presidência Lula, uma dessas colunistas em fase de adestramento para um dia substituir mervais e leitões, publicou uma nota intitulada “Na terra do goró":
“As línguas ferinas da oposição comentam que Lula da Silva foi à Inglaterra com um propósito maior: encontrar seu querido Johnnie Walker. Hic!”Se a imprensa corporativa, que por dever de ofício deveria manter um mínimo de seriedade e profissionalismo, se rebaixa ao nível de publicar uma nota com tal teor contra um ex-presidente – sem a mínima evidência a embasá-la, note-se -, não há porque esperar que os internautas não reajam como turbas, valendo-se do mais tosco moralismo para ridicularizar uma figura da oposição.
Agora, o que não se pode negligenciar é que, ao assim fazê-lo, tendem a se equiparar em desrazão, falta de equilíbrio e fanatismo à mídia corporativa que tanto criticam, perdendo uma grande oportunidade de sobrepujá-la.
(Imagem retirada daqui)
4 comentários:
Deveriam ser os primeiros a dar o exemplo.....vergonhoso!
Você deveria se envergoinhar ,pois a Lei Seca salvou vidas e nem todo mundo que bebe dirige ou dirigiu e quando o assunto é morte ;não existem ideologias. Meu nome é Ronaldo Pereira da Rocha.
O seu texto é claro, conciso e didático.
Deveria ser proibido proibir.
Proibir afasta quem precisa da educação do remédio necessário.
Saudações fraternas.
LEI SECA EH POPULISMO PENAL MIDIATICO, PIROTECNIA E ANTES QUE ALGUM FUNDAMENTALISTA HISTERICO DIGA QUE ESTOU DEFENDENDO BEBADOS..DIGO QUE A LEI ANTERIOR JA PREVIA CRIME DE EMBRIAGUES, POREM AGORA ATE QUE BEBE POUCO EH TRATADO COMO IRRESPONSAVEL..PURO FALSO MORALISMO E RADICALISMO XIITA OU SERIA EVANJEGUE.
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