Essa rixa entre Rede Globo e Dunga, que tem mobilizado apaixonadamente a internet, me diz muito pouco. A princípio, sou contra os dois lados envolvidos.É evidente que o virtual monopólio da seleção brasileira que a Rede Globo, em conluio com a CBF, sempre exerceu nas Copas do Mundo é nocivo à pluralidade jornalística e constitui um fator relevante de manutenção do poderio comunicacional da emissora, com tudo de nefasto que tal situação traz em seu bojo.
Trata-se de uma relação que emula, no âmbito nacional, as vicissitudes do inacreditável oligopólio que a FIFA exerce no futebol mundial e, de forma marcante, no torneio em questão, perpetuando um anacronismo que por um lado teima, em plena era da cibercultura, em controlar com mão de ferro os direitos de transmissão dos jogos; enquanto, por outro lado, impedindo o uso de tecnologia avançada para arbitrar os jogos, permite, aos olhos do mundo todo, excrescências como o escandaloso gol de mão que levou a ora desclassificada França à Copa, deixando a Irlanda de fora do torneio. Pessoas minimamente racionais teriam dificuldades de levar o futebol a sério como esporte depois do ocorrido.
Mas se o monopólio global no futebol é nocivo por isso e pelo que representa de arrogância e de manipulação do imaginário futebolístico segundo interesses privados – com tudo o que tal dinâmica implica em termos políticos em um país como o Brasil –, os modos truculentos de Dunga não estão menos dissociados de um arquétipo machista, patriarcal e ditatorial que teima em assombrar a nossa história enquanto país.
Seus modos ríspidos, sua agressividade latente, sua aversão a qualquer forma de hedonismo – da qual deriva o controle extremo das atividades sexuais dos jogadores - sempre me trazem à mente a pergunta em forma de canção: “Será que nunca faremos senão confirmar/A incompetência da América católica/Que sempre precisará de ridículos tiranos?”.
Tenho sérias dúvidas se é mesmo ao catolicismo que devamos cobrar o ônus da fixação nacional por tipos patriarcais repressivos, da qual o esporte é prolífico - que o digam Bernardinho, Felipão, Luxemburgo, Dunga. De minha parte, desprezo essas figuras e anseio pelo dia em que a idolatria dos anti-valores que representam saia do horizonte nacional.
Para mim, isso seria incomparavelmente mais importante do que ganhar ou perder uma Copa do Mundo – que cada vez se evidencia mais como um torneio meramente comercial, morno, com a maioria dos jogadores esgotados fisicamente ao final do calendário dos milionários torneios europeus. Para completar, a cobiça é tanta que a cartolagem não hesita em sacrificar o já parco espetáculo impondo a utilização de uma bola heterodoxa... Seria cômico se não fosse trágico...
Ademais, não acho que, em nome da luta política, tenhamos de sacrificar a educação e passar a apoiar a agressão pessoal a jornalistas (ou a membros de outra categoria profissional), que foi o que o técnico da seleção fez com Alex Escobar. Hay que endurecer... etc.
Aliás, acho curiosa a capacidade dos que ora entronizam Dunga como herói anti-corporativo de convenientemente esquecer que ele, sem um histórico mínimo como técnico, não comanda uma das principais – e mais lucrativas – seleções do planeta por meritocracia, mas tão-somente pela confiança que o ultracorporativo Ricardo Teixeira, eterno cartola-mór da CBF, nutria por ele.
Escolhido, via dedazo, por "critérios" puramente corporativos - portanto, antidemocráticos -, Dunga vira o herói anti-establishment de setores da internet - que às vezes parecem fazer questão de nutrir seus detratores com munição desqualificante.


