As 15 horas em que a
presidente Dilma Rousseff passou em Portugal, no último sábado,
acompanhada por uma comitiva de dezenas de convivas, têm suscitado
muita indignação e levantado uma série de questões mal
respondidas por conta da desproporção entre o curto período de
tempo da estadia e os gastos nababescos da trupe.
Além de um jantar
no badalado e caríssimo Eleven, "Dilma e sua comitiva ocuparam
30 quartos dos hotéis Ritz e Tivoli. A presidente se hospedou em uma
suíte presidencial do Ritz, ao custo de 8 mil euros por dia, o
equivalente a R$ 26,2 mil", informa o G1. Pairam no ar suspeitas
sobre quem arcará com tais gastos, ou pelo menos com a maior parte
deles, e muitos se perguntam porque a embaixada brasileira em Lisboa
não foi acionada para hospedar ao menos Dilma e os cinco ministros
que a acompanharam.
Colabora intensamente
para a confusão o comportamento do Palácio do Planalto e do
ministério das Relações Exteriores, os quais, numa atitude
incompatível com a democracia, se recusam a precisar o número de
acompanhantes da presidente e a apresentar provas de que o erário
não arcará com tamanhas despesas. Para piorar, as poucas
informações que divulgaram, confrontadas hoje com informações de
autoridades portuguesas, mostram que os porta-vozes palacianos
mentiram acerca do alegado caráter improvisado da viagem a Portugal,
como veremos com detalhe.
Fazendo-se de ingênuos
Mas sejamos
benevolentes: admitamos, como exercício mental, que a volumosa
comitiva - estima-se algo entre 45 e 47 convivas - era realmente
necessária, que a embaixada teve um problema qualquer e não pode
mesmo hospedar nem uma pequena parte da entourage, que o hotel mais
caro de Lisboa era o único disponível, que na hora de pagar a conta
do pantagruélico jantar nenhum conviva confundiu – sem querer,
naturalmente – seu cartão de crédito pessoal com o cartão
corporativo. Mesmo com todas essas assunções – que nos
transformam em uma espécie de Pollyanna -, resta uma grave questão
sem resposta: por que o Palácio do Planalto afirmou que a parada no
país ibérico foi uma decisão de ultima hora e, sem mencionar
hospedagem ou jantares, falou apenas em "algumas horas em
Portugal"? Sabe-se hoje que se trata de falsa alegação:
autoridades portuguesas estavam avisadas desde o dia 23 de que Dilma
& seus 40 e tantos acompanhantes pernoitariam na capital. Faz
sentido: tinha-se conhecimento, há tempos, de que a autonomia do
avião não permitiria um voo Zurique-Havana sem escalas: a questão
era onde parar – os responsáveis pelo planejamento da viagem,
naturalmente, sabiam, só não o admitem em público.
Ora, quem não deve não
teme. Essa mentira flagrante lança ainda mais suspeitas ao caráter
lacônico e pouco preciso das notas do Palácio do Planalto acerca da
viagem, bem como à sua recusa em apresentar a sociedade, com
presteza, comprovantes de que o dinheiro público não serviu a
banquetes faustosos e luxos supérfluos para um mero pernoite. É
absolutamente inaceitável esse comportamento por parte de um órgão
público: em um regime democrático, é direito básico do cidadão
ser correta e integralmente informado acerca do uso do erário.
A frouxidão moral
governista
Para piorar ainda mais
a situação, repete-se com frequência preocupante, entre
governistas, uma mesma reação ante as denúncias, que pode ser
resumida nas seguintes palavras:
- "Queriam o
quê? Que a presidente ficasse num albergue?"
Li várias vezes
variações desta resposta – inclusive, numa rede social, da pena
do editor de uma das principais revistas da "esquerda" -,
eventualmente acrescida da referência nada lisonjeira aos "coxinhas"
que ousaram levantar tal lebre.
Trata-se de uma reação
exemplar do modus operandi governista: foge da questão atacando,
procurando desqualificar o denunciante, e desvencilha-se das graves e
numerosas implicações éticas da denúncia valendo-se de um exagero
despropositado, com a sugestão do albergue. Ignora, assim, os
meios-termos e reage como se tal sugestão - de resto, jamais feita
pelos denunciantes - fosse a única resposta possível às múltiplas
interrogações acerca do tamanho da comitiva, dos custos do jantar e
da hospedagem, do porquê desta se dar no hotel mais luxuoso do país
já que, se tratava de passar, segundo a já mencionada nota do próprio Planalto, "apenas
algumas horas" em Portugal.
Direito à informação
Tal reação ignora,
ainda, o direito dos cidadãos de saberem quem realmente arcou com os
cursos, inclusive com apresentação imediata das evidências que o
comprovem, bem como uma série de questões absolutamente
procedentes, mas que o governismo, através do deboche, gostaria de
manter ocultada sob uma nuvem de opacidade.
Trata-se de uma mudança
relativamente recente de postura: quando o PT estava na oposição,
vivia vigilante, atiçando seus quadros no Ministério Público ante
qualquer viagem tucana com mais de três pessoas. No que, alias, na
minha opinião, fazia muito bem: a transparência no trato das coisas
públicas é item imprescindível às democracias contemporâneas.
Relativismo moral
Porém o petismo no
poder, sobretudo após o "mensalão", sob o pretexto de
proteger-se do denuncismo midiático, viu-se presa de um relativismo
moral que, ao dificultar-lhe a distinção entre o que é moralismo barato
para fins propagandísticos e o que são legítimas demandas éticas
da sociedade, acabou por torná-lo presa do obscurantismo e da falta
de transparência. O caso da viagem de Dilma exemplifica
didaticamente as consequências de tal processo.
Esse apego à opacidade é incompatível com uma contemporaneidade onde tanto as facilidades
trazidas pela tecnologia digital quanto o avanço dos direitos
públicos instituem plena transparência dos gastos públicos.
Comitivas menores e gastos com viagens e hospedagens rigorosamente
controlados pelos cidadãos tornaram-se a tendência mundial, e
cobrar que o Brasil também adote padrões rigorosos no trato da
coisa pública no âmbito das viagens presidenciais - como, de resto,
em tudo o mais - não é moralismo barato, e sim atitude
imprescindível para o amadurecimento de nossa democracia.
(Imagem retirada daqui)
2 comentários:
muito bom o post, parabéns amei o blog!!
Obrigado, apareça!
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