O debate
político brasileiro tem sofrido forte influência da internet, meio
que não só reavivou, em muita gente, o interesse por política e o
hábito cotidiano de discuti-la, mas deu voz a uma diversidade de
atores na arena, acabando com o monopólio da mídia corporativa.
O
jornalista Tácito Costa, editor do site Substantivo Plural, comenta
o processo:
"As redes sociais abriram uma fenda na monolítica imprensa tradicional, que durante séculos monopolizou os canais de comunicação como alicerces de seu poder e dos seus interesses. Definitivamente, acabou o tempo da comunicação unidirecional. Um pouco antes da explosão das redes, os sites e blogs já tinham equilibrado esse jogo, oferecendo contraponto indispensável aos conglomerados da mídia e, com isso, fortalecendo a pluralidade e a democracia,"
Deflagrados
a partir da confluência entre desenvolvimento, barateamento e
difusão de tecnologias digitais e num contexto em que a passividade
do espectador dá lugar à interatividade, os resultados concretos
dessa atividade virtual se fazem sentir em fenômenos mais ou menos
recentes e por vezes antagônicos entre si, como a emergência da
chamada blogosfera progressista, o uso do tumblr como ferramenta para
o humor político e a mobilização popular via redes sociais. Estas,
além de se constituírem, cotidianamente, como arena pública de
debates, tiveram papel relevante nas manifestações de junho e
acabam de servir de meio para deflagração de "rolezinhos"
em shoppings. No bojo da Copa e da campanha eleitoral, prometem
seguir dominando a cena em 2014.
Bolha de certezas
Não
obstante positivo em sua essência, o debate político que se dá via
redes sociais traz, inerentes, aspectos contraditórios ou mesmo
intrinsecamente negativos, os quais se tornam mais evidentes à
medida que a interação por elas proporcionada se torna um elemento
rotineiro no cotidiano de cidadãos e cidadãs.
Talvez o
mais evidente - e empobrecedor - deles, na seara política, seja a
tendência à formação de "igrejinhas", em que a timeline
[o conjunto de perfis seguidos e que te seguem] tende a se apresentar
expurgada dos perfis que expressam opiniões francamente contrárias
ou divergentes às do dono da conta, acabando por forjar uma falsa
unidade discursiva em prol do ideário, partido ou programa político
por este professado. Assim, seu universo político pessoal é
conservado em uma espécie de bolha que, embora perfurada amiúde
pela própria impossibilidade de se prever e vetar toda e qualquer
opinião contrária, o mantém no mais das vezes preso, a um tempo,
de convicções que seus pares reafirmam a todo instante e do contato
com a multiplicidade de opiniões divergentes – dinâmica que lhe
impede acesso a uma visão realista da intensidade da oposição à
linha política que defende.
Carimbador
maluco
Deriva de
tal dinâmica um segundo efeito dessa "segmentação opinativa"
inerentes às redes sociais: a tendência, em um cenário político
pobre em termos de diversidade e fortemente concentrado na oposição
PT X PSDB, a "carimbar" as opiniões de acordo com a régua
estabelecida por tal dicotomia.
Assim, se
você defender o Bolsa Família ou mostrar simpatia pelos condenados
do "mensalão" é grande a probabilidade de ser carimbado
como simpatizante do PT ou mesmo xingado de "petralha" e
termos derivados, os quais, disseminados a partir do jornalismo
neocon, explicitam a intolerância e a tentativa de desqualificação
do que entendem por esquerda.
Já se
você ousa defender a classe média ou dá pinta de pender para uma
posição com tinturas de conservadorismo ou de liberalismo
econômico, se tornam grandes as chances de ser repelido pelas hostes
dominantes nas redes e carimbado como "coxinha", o
xingamento máximo do petismo militante, não obstante a ascensão de
pobres à classe média ser comumente desfraldada pelos próprios
partidários como principal conquista dos governos petistas.
Desqualificação
a priori
Nesse
cenário polarizado, há pouco espaço para nuances ou para
assimilação de críticas que procuram ir além da dicotomia PT x
PSDB. É sintomático dessa intolerância a evocação do fantasma
dos anos FHC – ou seja, elitismo, precariedade social e crise
econômica – à mínima restrição dirigida ao governo petista:
Com tais reações, o debate é interditado por uma confusão
deliberada entre a crítica pontual à atual administração e a
negação total do petismo em prol do que seria inapelavelmente, de
acordo com a reação citada, a única alternativa: o retorno aos
anos FHC. Trata-se de uma atitude que não só revela-se autoritária
e diversionista ao se recusar a debater os termos específicos da
crítica, mas, mostrando ignorar não só a significação última do
dito marxista de que a história só se repete como farsa, não se
apercebe que se a volta ao Brasil do ex-presidente fosse uma mera
questão de deixar de optar pelo PT, então seria porque as mudanças
por este partido promovida, nos últimos 11 anos, não foram
suficientes sequer para nos colocar a salvo de tal perigo como uma
ameaça imediata (muito pelo contrário, até as privatizações
estão de volta, sob patrocínio petista).
Em
decorrência da tendência a pouca tolerância com opiniões
nuançadas – no sentido de não circunscritas à troca de chumbo
entre petistas e peessedebistas -, cria-se um processo vicioso de
desqualificação a priori das críticas, denunciadas na origem como
ideologicamente tendenciosas e cujo teor sequer é levado em conta, e
de restrição à sua circulação, seja através da recusa pessoal
(e legítima) a repercuti-la nas redes sociais, seja na recusa
(dissimulada) dos blogs de grande audiência em repercutir opiniões
que se oponham frontalmente às linhas partidárias que efetivamente
(mas não assumidamente) apoiam.
Boicote
autoritário
Destarte,
malgrado o pleno direito à expressão e as múltiplas modalidades
possibilitadas pela internet, acaba-se por observar-se atualmente, no
que concerne ao debate político brasileiro, o germe de um processo
de caráter totalitário, por vezes macartista, de abafar vozes
críticas divergentes, processo este em que tem papel precípuo as
paixões partidárias e é protagonizado por entidades virtuais que
até recentemente se publicizavam como pluralistas e progressivas.
Trata-se,
em última analise, de um fator de retrocesso no debate púbico, pois
enquanto as paixões partidárias se manifestarem como elementos de
desqualificação e de repressão à livre abordagem crítica dos
problemas, será a fé se sobrepondo à razão, até na seara
política. Verdadeiros democratas não temem o debate.
(Imagem de Joseph McCarthy retirada daqui)
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