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domingo, 25 de março de 2012

A Comissão da Verdade e os falsos mitos sobre a ditadura


Pais de Alexandre Vannucchi Leme, morto em decorrência de tortura
Poucos temas mobilizam uma reação tão enfática, na internet ou fora dela, quanto o debate sobre a necessidade de se lançar luzes sobre o passado ditatorial do país e de se proceder à atribuição de responsabilidades que tal ajuste de contas implica.

A metáfora não é gratuita: trata-se precisamente de um embate entre a necessidade cívica, jurídica e humanitária de iluminar um passado de trevas, tortura e arbítrio que forças do atraso insistem em manter num limbo, fora do alcance do ajuste histórico e legal.

Com a instalação da Comissão da Verdade na iminência de acontecer e com o STF prestes a votar, na próxima quinta-feira, um recurso da OAB questionando a validade e a abrangência da Lei da Anistia, o debate se acirra e as caixas de comentários dos grandes blogs e portais se enchem de mensagens de defensores do regime militar, as quais, pelo volume, similaridade de argumentação e estilo sugerem uma ação orquestrada, que recende ao odor acre dos coturnos manchados de sangue.


Revisionismo conservador
A mídia vem, há tempos, investindo em um esforço revisionista do período ditatorial – esforço para o qual têm se deixado cooptar desde professores universitários até cineastas, além de jornalistas diversos, e cujo ponto culminante, até o momento, é a adoção, pela Folha de S. Paulo, do neologismo “ditabranda” (e a honrosa exceção que confirma a regra é a matéria de Míriam Leitão sobre Rubens Paiva). Tal operação falseadora não é, como já dito, nova e não se dá unicamente em função da instalação da Comissão da Verdade: na verdade, desde que, durante o segundo governo Fernando Henrique Cardoso, o cientista político Carlos Nelson Coutinho cunhou a expressão “intelectuais à sombra do poder” para designar certos “experts” chapa-branca com acesso à mídia, tal fenômeno já era facilmente perceptível.

A tentativa de impor, no grito, uma visão deturpada e clamorosamente falsa do que foi o passado ditatorial no Brasil assenta-se sobre duas premissas centrais: a primeira sustenta que o golpe militar de 1964 se justificaria ante a iminência da implementação de um regime comunista no Brasil. Trata-se de uma hipótese tão apartada da realidade que nem os revisionistas a soldo das forças conservadoras – sejam eles historiadores travestidos de jornalistas ou jornalistas se passando por historiadores – ousaram sustentá-la nos caudalosos panfletos revisionistas que forjaram.

Pois João Goulart assomou ao poder democraticamente, como vice-presidente eleito, e os que, desde o momento em que a renúncia de Jânio Quadros o colocou no centro do poder, passaram a atentar contra a ordem democrática e a buscar meios para evitar sua posse são os mesmos – ou se equivalem aos - que hoje se esmeram em fazer valer a versão fantasiosa da ameaça comunista – algo a que o Brasil jamais esteve remotamente suscetível, como o comprovam tanto os informes da CIA quanto as informações advindas do PCB e do campo soviético. Mesmo os poucos dispositivos esquerdistas com potencial de mobilização armada - como as células apelidadas de Grupo dos 11, de Brizola - só foram arregimentadas como último recurso legalista em reação às movimentações golpistas da direita, ativas durante a presidência de Juscelino Kubitschek e incessantes desde a renúncia de Jânio.


Truque da Guerra Fria
Pode-se até colocar em questão a inabilidade de Goulart ao patrocinar a sublevação e quebra de hierarquia no interior do exército e mesmo reconhecer que o discurso inflamado na Central do Brasil foi dois tons acima do que se esperaria, naquela hora incerta, de um presidente com apoio oficial claudicante. Mas, em um país recém-industrializado e que sequer fizera a reforma agrária - de resto, inédita até nossos dias -, evocar o fantasma da ameaça comunista, como fizeram os golpistas (e hoje repetem seus defensores), não passou da repetição de um truque comum no Ocidente, à época.

Naquele tempo, podia até colar, a depender do público - e a imprensa colaborou intensamente para tal -, mas sabe-se hoje, com absoluta certeza, que se tratou de uma alegação que não se sustenta minimamente, desmentida por documentos históricos e que jamais efetivamente se constituiu em justificativa para rasgar a Constituição, derrubar um presidente eleito e, pela força das armas, encastelar-se no poder. (Onde, aliás, a permanência por longos 20 anos fornece a evidência maior de que nunca se tratou de combater uma imaginosa ameaça vermelha, mas de interesses outros.)

E a violação da ordem democrática pela força equivale a um salvo-conduto a legalizar a resistência e a luta contra os usurpadores da lei, pois não reagir contra quem tomou o poder ilegalmente é não apenas um ato covarde, mas civicamente desonroso.


A fantasia da lisura
A segunda litania bramida pelos defensores da ditadura nos fóruns democráticos sustenta que os anos em que os homens de farda estiveram - a ponta de baioneta e sem a legitimidade do voto - no poder foram caracterizados pela lisura administrativa, em contraposição a um presente em que o lulopetismo – e só ele – infectou o país com o vírus da corrupção sistêmica.

A ideia de que não havia corrupção ou de que esta fosse menor durante o governo militar é ilógica, irreal e risível. Pois pertence à lógica elementar, inteligível por qualquer ser humano de capacidade cognitiva próxima da mediana, a constatação de que um Estado autoritário onde vicejam a censura à imprensa e o controle dos órgãos de fiscalização pelas próprias forças ditatoriais no poder é incomparavelmente mais suscetível à corrupção do que qualquer governo eleito, sujeito aos mecanismos de controle e fiscalização republicanos e aos pesos e contrapesos entre poderes que a democracia impõe.

Mas não é preciso limitar-se ao terreno das suposições – ainda que óbvias - para fazer tal constatação: há fatos em abundância a sustentá-la, não obstante a amnésia seletiva e a premissa equivocada que marcam o debate. A amnésia diz respeito à sucessão de escândalos de corrupção, malversação de dinheiro público e conivência com atos fraudulentos que foram três dos traços distintivos do regime de arbítrio: os casos Globo-Time Warner, Luftalla, Eletrobrás, Transamazônica, Capemi, Brasilinvest, Calmon de Sá, Escândalo da mandioca, INAMPS, Coroa-Brastel, Proconsult, Ferrovia do Aço, entre tantos outros.

Isso para citar os que, ainda que de forma restrita e atrasada – e a despeito da censura - chegaram ao conhecimento público, pois a montanha de dinheiro gasta em obras faraônicas - como a usina de Itaipu e a ponte Rio-Niterói - e o aumento exponencial da dívida externa brasileira durante o regime constituíram duas das maiores fontes potenciais de enriquecimento ilícito dos usurpadores do poder - e dos tecnocratas que os serviram -, as quais jamais foram submetidas a uma auditoria externa independente que comprovasse ou desmentisse as graves suspeitas que sobre elas pairam.


Herança maldita
Para se ter apenas uma ideia do grau de corrupção do Estado no período ditatorial, um mero vislumbre da ponta do iceberg, basta atentarmos para o fato de que a maioria dos políticos e das oligarquias conservadoras que hoje, justa ou injustamente, têm seu nome comumente associado, na boca do povo, a mamatas, negociatas e corrupção germinaram sob as sombras silenciosas da ditadura.

Foi, ainda, durante o período ditatorial que o Maranhão se tornou uma espécie de capitania hereditária dos Sarney, a Bahia quase um feudo de Antônio Carlos Magalhães, Santa Catarina o burgo dos Bornhausen, e que São Paulo foi governado por Paulo Maluf, para ficarmos em quatro dos mais representativos exemplos de políticos regionais que angariaram, com a chancela militar, um poder desmedido em seus estados - o que, ao atentar contra o equilíbrio democrático, constitui um evidente obstáculo à transparência e à auditoria pública dos atos governamentais.

Essa autêntica “herança maldita” legada pela ditadura, na forma do poder excessivo angariado por tais oligarcas, acabou por impor, na prática, aos governos democráticos que a sucederam a aliança com tais forças regressivas como forma de garantir a governabilidade – processo, aliás, que tem lugar já no momento zero da redemocratização, com a colocação do ex-líder arenista José Sarney, então no recém-fundado PDS, como vice na chapa do candidato à Presidência Tancredo Neves, o de suspeitosíssima morte.


Assalto à moral
Isso tudo para ficarmos no âmbito da degeneração da ética administrativa e da corrupção enquanto apropriação indébita do bem público. Pois nada se compara, em termos de corrupção moral, com a prática de tortura contra pessoas indefesos – muitas vezes meros suspeitos -, rotineiramente praticada pelo Estado ditatorial e por um longo período de tempo. Trata-se de crime contra a humanidade e de terrorismo de Estado e, como tal, segundo o Direito Internacional, não prescreve nem está sujeito à anistia imposta pelo regime militar como condição sine qua non para efetivação da abertura política – que, ainda assim, foi extremamente lenta e eivada de arbitrariedade e truculência.

Convém ressaltar que a esquerda brasileira não só nunca recorreu ao crime bárbaro da tortura como exibe , há tempos, certo pudor em se valer da denúncia explícita da violência das torturas para angariar apoios. Trata-se, no meu entender, de um erro de estratégia. É preciso que o cidadão comum, os homens e mulheres que não acompanham política, e as gerações que, quase 30 anos após o fim da ditadura e da publicação do livro  Brasil, Nunca Mais não têm noção histórica precisa de quais eram os métodos do aparelho de repressão – contingente que alguns estimam em 75% da população - sejam informados acerca do grau de violência física e tentativa de anulação psicológica que foi impingido por forças oficiais a suspeitos rendidos.

A Comissão da Verdade tem por fim precípuo impedir a prorrogação da tortura, tanto na forma de método policial investigativo por excelência- sobretudo quando o suspeito é pobre -, quanto na forma que, desde a ditadura, vem incidindo nas  famílias dos "desaparecidos", às quais é negado o direito de saber do paradeiro de seus entes queridos, o que impede que pais e mães exerçam o direito sagrado de velar condignamente filhos cujo "crime" foi ousar lutar contra um regime ilegitimo. 


Questão de tempo
O acerto de contas com o passado ditatorial do país é, por fim, uma tarefa imprescindível para as próprias forças institucionais militares, para que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica tenham a oportunidade de redimir-se pelo passado de arbitrariedades, mostrarem-se engajados na defesa dos valores democráticos e estabelecerem um novo padrão de relacionamento com a opinião pública – como o lúcido grupo de oficiais que, ao contrário de seus pares nos clubes militares, divulgou um manifesto apoiando a Comissão de Verdade dá mostras de reconhecer. Nesse sentido, o que a Comissão da Verdade proporciona é o avesso do revanchismo.

Tudo somado, esses defensores da ditadura que ora proliferam nos fóruns midiáticos não têm, portanto, credenciais morais para acusar quem quer que seja de corrupção nem, muito menos, razão a sustentar a imaginosa superioridade moral que atribuem ao regime de exceção em relação àquele em que os governantes são escolhidos diretamente pelo voto popular.

Podem espernear à vontade, mas o ajuste de contas com o passado ditatorial é inevitável: pode ocorrer em breve, se o STF honrar a lei, a história e o povo a que serve e se o governo sair de sua pasmaceira e nomear, o quanto antes, os membros da Comissão da Verdade; pode vir a demorar ainda mais. Mas, como ocorreu nos países vizinhos, será efetivo e civicamente histórico.


(Foto retirada daqui) 

sexta-feira, 23 de março de 2012

O momento de Dilma


“Dilma está vivendo seu melhor momento”, escreve hoje em seu blog o jornalista Luís Nassif. Confesso que fiquei atônito após ler a afirmação, tão peremptória, justamente num momento em que a decepção com o governo Dilma é intensa em diversas frentes, transborda na internet e tem provocado manifestações reiteradas de repúdio e desaprovação, notadamente entre pessoas de esquerda e de centro-esquerda que apoiaram sua eleição.

Há queixas sérias contra diversas áreas da administração. A insatisfação do setor cultural com o MinC se expressa em um abaixo-assinado com seis mil assinaturas, encabeçado por Marilena Chaui - que não pode ser "acusada" de oposicionista - e outro por Fernanda Montenegro, com cerca de duas mil. A crise na cultura, que é das mais graves já vivenciadas pelo ministério, está, por sua vez, diretamente ligada ao retrocesso no Plano Nacional de Banda Larga (PNBD), que na campanha foi vendido como o projeto que democratizaria a internet de amplo espectro no Brasil e, a despeito da inicialmente promissora gestão de Paulo Bernardo, acabou relegado pelos governo às teles - e sem sequer submetê-las a um meio efetivo de controle e avaliação do serviço prestado.

As centrais sindicais, em sua maioria, estão longe de manter com a atual mandatária os fortes e amigáveis elos que tinham com Lula e têm dado, cada vez mais, sinais de profundo descontentamento, acirrado  pela  perspectiva de desoneração da folha de pagamentos, pela manutenção da precarização de determinados setores e pela orientação neoliberal verificada na privatização dos aeroportos e da previdência dos servidores públicos. Após um ano caracterizado pela falta de diálogo com o Executivo, a reunião da presidenta com as seis principais centrais sindicais gerou frustração e receios.


Promessas vãs
A promessa feita na campanha e reiterada no discurso de posse de que a Educação seria área prioritária do governo não passa, até o momento, de uma declaração vazia. Nas 17 universidades federais criadas pela gestão Lula há, além do déficit de livros nas bibliotecas, um contingente enorme de alunos tendo aulas com professores temporários – sem titulação e com salários aviltantes – pois, ao contrário do que fora pela candidata Dilma sugerido, o governo não tem autorizado concursos para a contratação de professores com a devida titulação e estabilidade empregatícia. Além disso, as bolsas de estudo e os salários dos professores, há tempos congelados, sofrem grande corrosão e, se mal garantem a subsistência dos primeiros, estão muito aquém do nível de formação e atuação demandados dos segundos.

A Saúde é outra área social em que, nas palavras de Ana Maria Costa, médica e presidente do Cebes (Centro Brasileiro de Estudos em Saúde), a atuação do Executivo não corresponde à “expectativa de prioridade (...) prometida no discurso do Governo e no anseio da população”. Tal resultado se dá graças ao bem-sucedido esforço governamental para derrubar o projeto que obrigaria a União a fazer um aporte anual de 10% da receita bruta à Saúde e a um expressivo corte de R$5,4 bilhões na área (o maior de todos os cortes derivados do contingenciamento do orçamento federal). Como se não bastasse, um manifesto assinado por algumas das principais ONGs ligadas ao combate e tratamento da AIDS denuncia que “Governo Dilma coloca controle social da AIDS em risco de extinção”.

Mas talvez a área que esteja causando as mais enfáticas reações de descontentamento em relação ao governo Dilma Rousseff seja a dos Direitos Humanos, notadamente no que concerne a políticas voltadas para as questões de gênero. Além da inexplicável demora em nomear os componentes da Comissão da Verdade – o que só tem feito acirrar a inquietação de setores militares -, o viés policialesco de uma política de controle da natalidade que queria impor um cadastro de gestantes (só alterado pela ação de parte da bancada feminina), concepções retrógradas do que sejam políticas contemporâneas de saúde da mulher e a negligência que ora marca o tratamento dispensado a questões defendidas pelos setores LGBT têm gerado protestos enfáticos dos defensores de uma política de gênero que se coadune com o tempo em que vivemos e com um governo que se anunciou, à época das eleições, como de centro-esquerda.


Clima de perplexidade
Tudo isso tem deixado um grupo significativo de eleitores do governo perplexo, se perguntando o porquê de se estar regredindo tanto em relação às políticas do governo Lula para as áreas citadas, quando o voto depositado em Dilma presumia que fossem aperfeiçoadas e aprofundadas. Nesse processo, as manifestações não se limitam mais a protestos passivos, mas já tomam - e com frequência cada vez mais evidente - a forma de dissidência, eventualmente chegando a incluir declarações mais pesadas, como a de estelionato eleitoral.

A afirmação feita por Nassif se fia, no entanto, na aprovação recorde que Dilma tem nas pesquisas de opinião e no atual esforço da presidenta para, por um lado, “desmontar a armadilha do câmbio e dos juros” e “reerguer a indústria de transformação nacional”, e, por outro lado, pela tentativa de moralização das relações políticas em âmbito federal, através do qual ela busca “instituir relacionamento republicano entre partidos, acabando com as barganhas e a apropriação da máquina pública pelos interesses partidários”. Trata-se de dois desafios, e de duas tarefas que só começam a tomar forma – e é precisamente sobre o potencial e perigos a elas inerentes que Nassif tece sua análise.


Choque de gestão?
Porém, ao limitar-se tão somente à economia e à política institucional para afirmar categoricamente que a presidenta passa pelo seu melhor momento, ele acaba por reproduzir, no âmbito da análise política, uma prática na qual o próprio governo Dilma é reiteradamente acusado de incorrer, ou seja, a prioridade obsessiva, quase exclusiva, à gestão da economia e às relações políticas institucionais e a negligência ou pouca atenção para com áreas específicas, socialmente relevantes e que são prioritárias para revelantes estratos da sociedade.

Que as pesquisas de opinião sugiram, por ora, que a insatisfação de tais grupos não esteja se refletindo nos índices de aprovação de Dilma é um dado significativo, mas que de forma alguma anula ou esmorece a validade das causas defendidos pelos descontentes. Mesmo porque há indícios fortes de que a manutenção em altas bases da aprovação presidencial tem sido garantida, a despeito dos muitos insatisfeitos, justamente porque o economicismo - de tiques neoliberais - que a tudo suplanta, a bandeira da moralização das relações políticas e o atendimento a demandas de setores religiosos têm satisfeito parcelas do eleitorado conservador – o qual não permite assegurar que a aprovação de hoje venha a se transformar no voto de amanhã, quando as eleições majoritárias vierem, e com elas um candidato mais modelado ao gosto do conservadorismo nativo.

Já a grande maioria dos cidadãos hoje insatisfeitos votou em Dilma e certamente tornaria a fazê-lo se o governo desta estivesse dando um ordenamento progressista e consoante ao discurso eleitoral à gestão da cultura, da educação, das relações trabalhistas, das questões de gênero e dos direitos humanos. 



P.S.
Antes que a análise aqui esboçada seja utilizada com má fé, como utensílio para intrigas paroquiais ora comuns à arena virtual, cabe ressalvar que não apenas respeito como tenho uma profunda admiração por Luís Nassif, seja pela sua seriedade e equilíbrio como jornalista ou pela coragem com que pulou fora da mídia corporativa e, há tempos, comanda um blog que se tornou uma inspiração e referência para quem procura conteúdo noticioso diversificado e confiável, crítica de mídia e boas análises de política e economia. O intuito, aqui, não é atacar ninguém, mas simplesmente incentivar o debate.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Visão cultural anacrônica caracteriza audiência pública de Ana de Hollanda na Câmara


A audiência pública de Ana de Hollanda na Comissão de Educação e Cultura (CEC) da Câmara dos Deputados, realizada ao final da manhã de hoje, dissipa qualquer eventual dúvida quando ao anacronismo de sua visão das relações entre cultura e internet.

Foi um espetáculo deprimente: ante arguidores em sua maioria anestesiados, desinteressados, a ministra da Cultura demonstrou não possuir os conhecimentos mínimos requeridos de um gestor cultural em sua posição, ostentando uma postura que choca pelo primarismo – expressado numa visão reducionista da cultura tão-somente enquanto produto cultural comercializável -, pelo conservadorismo – em contraste com o discurso da candidata Dilma – e, sobretudo, pelo atraso intelectual - ficou claro que as concepções de Ana quanto às relações entre produção cultural, mercado e internet apresentam uma defasagem de décadas e não se coadunam com os fluxos culturais que caracterizam o mundo contemporâneo.

A ministra afirmou temer pelo futuro da cultura brasileira devido à pirataria e à internet. Ou seja, para ela, a rede mundial de computadores, cujas imensas possibilidades de produção e circulação cultural são exaltadas por pesquisadores do porte de um Jesus Martín-Barbero, representa uma ameaça, e não um devir. 

Foi constrangedor ouvir uma figura ligada a uma tradição familiar caracterizada pelo culto à inteligência e pela participação política progressista proferir uma visão a um tempo tão retrógrada, desinformada e, ao mesmo tempo, tão contrária ao bem coletivo e favorável ao lucro privado. A ministra deu mostras de confundir troca de arquivos pela web com furto e, assim, chamou veladamente tais internautas de ladrões.

Causa enorme preocupação a constatação de que o órgão máximo de gestão da cultura brasileira está sob o comando de alguém tão despreparado. É ingenuidade, porém, a crença de que o problema do MinC seja de ordem individual e que uma simples troca de nomes resolveria a questão. Ana de Hollanda é uma peça da política federal de cultura do governo Dilma Rousseff, e qualquer mudança só será efetiva se a ideologia orientadora de tal política for alterada a favor de uma abordagem positiva da cultura digital, da retomada dos grandes projetos de inclusão cultural da gestão Gilberto Gil/Juca Ferreira, hoje claramente boicotados, e do fim da visão mercadista e atrasada de direitos autorais que colocou o suspeitosíssimo Ecad no centro da cena cultural brasileira - a qual ora se encontra muito aquém de suas imensas potencialidades, em larga medida devido ao estrabismo cultural do Estado.

A audiência de Ana na Câmara dá-se em um momento em que a insatisfação acumulada pela classe artística, por ativistas digitais e pelos produtores culturais encontra-se na iminência de transbordar. Circula um manifesto, que une tanto artistas de centro-esquerda quanto do campo oposicionista, pedindo a substituição de Ana por Danilo Miranda, diretor cultual do SESC. Os ativistas digitais, que foram ponta-de-lança durante as eleições, formam certamente o grupo mais insatisfeito: se sentem traídos, dada a disparidade entre os compromissos com a cultura digital assumidos em campanha - para a qual contribuíram intensamente - e a postura mercantilista e corporativa assumida pelo MinC.

Dilma parece dar, cada vez mais e a um número cada vez maior de pessoas, a impressão de que seu governo concentra-se sobretudo em um esforço gerencial, alegadamente “desideologizado”, da economia – e que tudo o mais – políticas de gênero, educação, cultura - é supérfluo. A classe artística é numericamente pequena, mas tende a ser politicamente mais volátil e a ter um grande poder de influência. A insistência no retrocesso das políticas culturais, do qual Ana de Hollanda tornou-se o símbolo, além dos graves danos à cultura, à cidadania e à segurança jurídica na internet que já vem causando, pode vir a cobrar um alto preço eleitoral no futuro.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Os corvos e a Copa


À medida que se aproxima a Copa de 2014, a histeria ansiosa que marca as expectativas quanto à suposta incapacidade do Brasil de preparar o evento vai atingindo índices superlativos. Por toda a parte lê-se que fracassaremos, que não temos capacidade de produzir um evento de tal porte, que os turistas ficarão presos no trânsito, sem conseguir chegar aos estádios - os quais, por sua vez, não ficarão prontos a tempo.

Tal reação mescla a expressão de uma insegurança atávica, típica de um país de modernização relativamente recente, com o velho hábito brasileiro de degradar a si e à nação. Ante a iminência de atrairmos os olhares do mundo, nós, brasileiros, não obstante o ótimo momento do país no cenário internacional, damos vazão à nossa insegurança e, parafraseando Nelson Rodrigues, derramamos a baba espessa e canina de nosso complexo de vira-latas.

Mas não se devem apenas à psicologia social brasileira a descrença e o tom alarmante que têm marcado as expectativas quanto à segunda Copa do Mundo a realizar-se em território nacional, depois de um hiato de 64 anos. O pessimismo que marca tal ansiedade vem sendo diariamente inflamado por uma mídia corporativa que, por conta de seus interesses político-econômicos, anseia por poder pespegar no governo de Dilma Rousseff o ônus por um eventual fracasso brasileiro – com o deleite adicional de, como esta semana já ensaiou fazer, poder atribuir ao ex-presidente Lula a irresponsabilidade de ter trazido um evento tão importante para um país tão incompetente.

Nesse vale-tudo de uma mídia que, com raríssimas exceções, tem atuado de forma partidária e com tal desenvoltura que não se pode qualificar como jornalismo a atividade que pratica, grassa a manipulação barata da opinião pública, sobretudo por jornalistas esportivos que fizeram carreira posando de catão e valando-se de um denuncismo moralista. À abordagem da preparação para a Copa é fornecida, quase sempre, o ângulo mais pessimista e desfavorável: o cronograma das obras é acompanhado a cada minuto, o que inevitavelmente gera a ansiedade do fracasso; alardeia-se uma corrupção generalizada antes mesmo de apurar qualquer evidência; os bastidores da negociação entre governo e Fifa ganham uma cobertura maniqueísta e de uma dramaticidade digna de um filme de Almodóvar; e a simples decisão sobre vender ou não cerveja nos estádios transforma-se numa questão de soberania nacional (como se a plutocracia midiática por esta zelasse...).

Que compartilhem tais maus augúrios midiáticos muitos entusiastas do conservadorismo e aquela parcela de brasileiros que morre de vergonha do país em que vive é algo que se lamenta, mas compreende-se; já o fato de que tantos autoproclamados esquerdistas embarquem ingenuamente nessa canoa, reproduzindo como papagaios os presságios da imprensa e ajudando a campanha negativista da oposição, é algo a se deplorar profundamente.

Por conta desse discurso negativista que ora se espalha e parece dominante, a impressão que se tem é que organizar uma Copa do Mundo equivale a uma tarefa hercúlea e inexequível. Infelizmente, não é bem assim: para hospedar o mundial em solo pátrio, o Brasil não terá de construir um circuito de pirâmides maiores que as do Egito, construir um trem-bala ligando Recife a Cuiabá, nem transplantar as águas do rio Amazonas para Porto Alegre.

A Copa do Mundo, por incrível que possa parecer, não passa de um torneio de futebol. E curto: dura exatamente um mês, em que são jogados 64 partidas. Demanda alguns estádios, hotéis para hospedar times e turistas, melhorias no sistema viário das cidades-sede e no sistema aeroportuário, telecomunicações tinindo. Basta um exame sereno e racional da questão, sem complexo de inferioridade ou ódios politicamente motivados, para constatar que o Brasil tem todas as condições para realizar os empreendimentos necessários a suprimir tais demandas – e o fará, à sua maneira, em seu ritmo, mas efetivamente.

Ouso, portanto, informar aos barões da mídia e aos demais corvos de plantão que a mandinga não vai funcionar e a Copa de 2014 será um sucesso. Algumas obras serão entregues com atraso? Certamente. O trânsito ficará um caos? Muito provavelmente. Alguns voos atrasarão? Não tenho dúvidas (e a mídia fará de tudo para maximizar os eventuais problemas do torneio e por estes caracterizá-lo). Mas os turistas e profissionais que vierem para o evento vão se amarrar muito, e não só, como de costume, com as belezas naturais, as praias, o friendly and warm people, a sensualidade latente, a diversidade musical, a caipirinha, a feijoada, mas com o grau de urbanidade e modernidade do ex-país periférico. Será um mês de festa também para os brasileiros, tanto para a maioria que vai curtir o evento em casa quanto para os que irão ao estádio – e, de maneira peculiar, para os comerciantes e prestadores de serviços que lucrarão com o mundial.

Se há algo para se preocupar em relação à Copa, aí sim, é com a seleção comandada por Mano Menezes. Não que faltem craques, mas, até o momento, não se tem esquema tático e padrão de jogo. Mas isso é outro departamento.


(Imagem retirada daqui)

domingo, 11 de março de 2012

Cinema e sociedade: crise de representação?


Ontem assisti à cópia digitalmente restaurada de Eles Não Usam Black-Tie, dirigido por Leon Hirszman em 1981 e baseado na peça de Gianfrancesco Guarnieri, que lidera o elenco onde também brilham Bete Mendes – esplêndida, no papel de sua carreira - e Fernanda Montenegro.

Para além das qualidades estilísticas do filme – como a mise en scène enxuta mas significativa empreendida por Hirszman, o trabalho de câmera de Lauro Escorel Filho, a direção musical de Radamés Gnattali - e do registro, de um realismo quase documental, que perfaz da época e de ambientes urbanos de São Paulo, chamou-me a atenção a capacidade da trama de forjar, através de um número mínimo de personagens, uma poderosa alegoria sobre a dinâmica política da sociedade brasileira de fins dos anos 70.

Ela se dá, sobretudo, através da história do jovem operário Tião (Carlos Alberto Riccelli), o qual, premido pela determinação de se casar com a namorada, grávida, e pela ânsia de subir na vida, passa, em meio à agitação sindical crescente do período, a delatar ao patrão os operários politizados. Quando a greve é deflagrada ele, numa sequência de grande impacto dramático, “fura” o piquete de porta de fábrica e vai trabalhar, traindo o movimento, mesmo após ver seu pai (Guarnieri) sendo preso e espancado pela polícia.


Arrivismo trator
Tião é, a um tempo, a encarnação do ideário do “Brasil grande” do período ditatorial, com seu desenvolvimentismo economicista e sua indiferença para com o social, e a representação da mentalidade da classe média ascendente do período, sumarizada no slogan publicitário “o negócio é levar vantagem em tudo”. O personagem endossa, ainda, o diagnóstico que Marilena Chaui faz, no livro Conformismo e Resistência, em relação a tal nova classe média - que, embora originalmente pertencente a um estrato social mais pobre, tendia, em maioria, a levantar as bandeiras e identificar-se com os setores privilegiados da sociedade, aos quais aspirava pertencer, a irmanar-se das lutas dos de sua faixa socioeconômica.

A qualidade dramatúrgica da trama - que deve ser atribuída muito mais ao texto original de Guarnieri do que ao roteiro escrito a quatro mãos com Hirszman - é realçada, no filme, por jamais reduzir os personagens à alegoria que eventualmente representam, compondo-os como seres complexos e contraditórios, e por tratar com contundência questões como a violência policial e urbana, o alcoolismo, a omissão do Estado em relação aos mais pobres - e outros temas que hoje são prioritários mas que ainda eram periféricos na agenda política da esquerda no período, como o racismo e o machismo (assista abaixo, numa sequência antológica do cinema brasileiro).



Crise de representação
Ao final do filme, impôs-se uma reflexão acerca da brutal redução da capacidade do cinema brasileiro – e das artes em geral – de abordar criticamente a sociedade em que vivemos. Tal fenômeno, que se tornou mais grave na última década – quando a entrada da Globo Filmes no mercado reduziu de forma drástica o espaço de exibição do filme independente ou de baixo orçamento -, diz respeito não apenas à diminuição quantitativa mas também qualitativa de filmes fiéis ao que foi, por muito tempo, quase um traço distintivo de nosso cinema.

Pois uma das principais funções do cinema brasileiro tem sido, historicamente, fornecer abordagens críticas da evolução sócio-politica do país – abordagens essas que, por não estarem presas ao escopo ou às formas da ciência política, tendiam a ser, quando bem-sucedidas, mais abrangentes, surpreendentes e às vezes desconcertantes do que o que comumente se lia na mídia corporativa ou nos textos acadêmicos.

Particularmente durante a segunda metade do século XX, essa função social crítica foi o principal diferencial entre o cinema aqui produzido e o modo de produção industrial de vertente hollywoodiana: enquanto neste privilegiou-se o entretenimento, legando, eventualmente, a crítica social às entrelinhas ou à eventual epifania inerente a uma arte industrial total como o cinema, por aqui o cinema foi, destacadamente nos anos 60 e com persistência cada vez menor nas décadas posteriores, uma espécie de privilegiada consciência crítica da nação.

Tal afirmação vale não apenas para o Cinema Novo – quando, paradoxalmente, o ímpeto em fazer do cinema um meio de luta política, embora enorme, negligenciou a necessidade de atrair o público para os filmes – e para seus desdobramentos, sob o patrocínio do Estado e comercialmente mais atraente, nas duas décadas seguintes, mas inclusive para o “Cinema da Retomada” que teve lugar a partir da segunda metade dos anos 90. Não obstante o fato de a crise de representação já ser mencionada, Ismail Xavier, na celebrada entrevista que concedeu à revista Praga em 2000, fornece exemplos contundentes da efetividade do papel crítico de tal produção em relação ao Brasil contemporâneo. Alguns dos filmes produzidos nesse período – como, entre tantos outros, Terra Estrangeira (Daniela Thomas/Walter Salles, 1996), Como Nascem os Anjos Murilo Salles, 1996), Cronicamente Inviável (Sergio Bianchi, 2000) e Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002) -, não obstante muito diversos entre si, claramente se inserem nessa tradição crítica ambiciosa.


Questões ao cinema
O que teria acontecido? Por que no cinema brasileiro atual são exíguas as abordagens críticas acerca do novo Brasil que vem tomando forma nesta década, socialmente mais inclusivo, com profundas mudanças em seu perfil religioso graças a maior presença dos neopentecostais, com um número expressivo de entusiastas da internet, com suas brutais assimetrias socioeconômicas que, embora reduzidas, permanecem? Por que, ao contrário do que antes ocorria, tem-se hoje com frequência a impressão de que o Brasil que se vê nas telas não corresponde ao país que se vê na rua, e que o país que se vê na rua não é visto nas telas?

O modelo financiador, baseado em renúncia fiscal de empresas que, na prática, ditam os rumos da atividade cinematográfica, seria o principal responsável ? As facilidades trazidas pelo digital teriam, paradoxalmente, reforçado a primazia da questão tecnológica? Haveria uma questão ligada à formação das novas gerações de cineastas? O cinema brasileiro apenas se ajustou ao que já era lugar comum em outras áreas culturais?

Não é intenção deste post fornecer as respostas. Como um bom filme brasileiro de um passado não tão distante, em que os espectadores deixavam a sala pensando nas questões levantadas, ele só quer instigar o debate.


(Imagem retirada daqui)

quarta-feira, 7 de março de 2012

Três anos de Cinema & Outras Artes


Hoje o blog faz três anos. A pretexto de celebrar a data, este post traz uma reflexão sobre a blogosfera e a atividade política nas redes sociais nesse período.

O Cinema & Outras Artes nasceu no bojo das manifestações contra a Folha de S. Paulo por ter empregado o neologismo “ditabranda” para se referir ao período militar e, em seguida, agredido covarde e seguidamente os professores Fábio Konder Comparato e Maria Victoria Benevides, que ousaram protestar em cartas ao jornal.

O episódio acabou por constituir um momento marcante, um ponto de inflexão das relações entre público e imprensa no país. Pois até ali, malgrado o peso determinante que os interesses empresariais e políticos sempre exerceram na atuação e na orientação editorial das publicações brasileiras, algumas destas – a Folha, notadamente – ainda vinham sendo relativamente bem-sucedidas em vender uma imagem de pluralismo e de ao menos um esforço de imparcialidade.

Depois da “ditabranda”. da publicação de uma ficha policial falsa da candidata Dilma na capa de uma edição dominical e de demais episódios eticamente deploráveis – as acusações alopradas de um Cesinha, o factoide Lina Vieira, entre outros - a máscara caiu de vez. Houve uma debandada de assinantes, a imagem do jornal ficou seriamente arranhada, vozes informadas de ex-leitores – entre eles vários antigos colaboradores - passaram a criticá-lo reiteradamente e aquela aura que a Folha cultivara desde as reformas implementadas por Claudio Abramo nos anos 70 – e que atingiu o ápice nas campanhas pelas Diretas Já - se desfez.


Política versus Cinema
Foi justamente após voltar do protesto organizado por Eduardo Guimarães em frente ao prédio do jornal, na alameda Barão de Limeira, que a decisão de fazer o blog foi concretizada. Procurando por imagens do evento, deparei-me com o também recém-criado O Descurvo, de Hugo Albuquerque (que, creio, foi o primeiro leitor do Cinema & Outras Artes – e primeiro comentarista assíduo). Logo no início, quando mais um blog perdido na imensidão da blogosfera parecia fadado a ser completamente ignorado, ele desempenhou o papel de um grande incentivador e deu dicas preciosas ao neófito inseguro ante o indecifrável “informatiquês”.

A intenção sempre foi a de que fosse um blog com conteúdo original, principalmente análises com algum grau de profundidade – o que certamente restringiria o público, mais acostumado, à época, de modo geral, a blogs com textos curtos, muitas vezes com humor ou relatos pessoais. Como o próprio título evidencia, cinema deveria ser o assunto principal. A política já estava entre os interesses secundários (como se pode ver no cabeçalho do blog, que é o mesmo desde aquela época), mas acabou predominando – um pouco porque a feitura do blog coincidiu com um período profissional em que me afastei do cinema e me reaproximei do jornalismo e das salas de aula; outro tanto porque acabei embarcando nos embates políticos que tiveram lugar na internet, no bojo da campanha presidencial, e tomei gosto pela coisa.

Ao completar três anos e fazer este balanço, chego à conclusão de que, no Brasil, em relação à blogosfera, houve avanços, digamos, institucionais, mas estes têm tido um ritmo bem menor do que inicialmente eu supunha. Por exemplo, nos primeiros meses, enquanto começava a fazer este blog, era também colaborador do Observatório da Imprensa. No veículo criado por Alberto Dines - em que a maior parte dos artigos versava, naturalmente, sobre a mídia convencional - eu tinha a preocupação de chamar a atenção dos leitores para a diversidade, a qualidade e a importância que a blogosfera e as redes sociais vinham adquirindo em relação ao jornalismo. Isso acabou por me obrigar a olhar a blogosfera “de fora”, de uma maneira mais ampla e mais crítica.


Avanços necessários
Estimulado por essas reflexões, publiquei alguns textos em que argumentava, por exemplo, a favor da urgente constituição de uma rede de advogados para proteger os blogueiros de processos oportunistas (uma tática coercitiva que vem sendo empregada, de forma pontual, em alguns estados brasileiros – e que é uma ameaça concreta em cada período eleitoral), ou ressaltando a necessidade de a blogosfera superar a crítica de mídia e investir na produção de material jornalístico original – sobretudo reportagens (uma necessidade que é reconhecida há tempos por alguns dos principais blogueiros, mas, com a alegação de dificuldades operacionais, dificilmente levada a cabo, mesmo porque remete a - e deriva de - um problema recorrente nas redes sociais, que é a excessiva dependência da TV. O Twitter, por exemplo, tem, eventualmente, pautado a mídia. Mas há muitos dias ali que a impressão que fica é de que se trata de uma aplicação para comentários televisivos e não de uma tremenda ferramenta comunicacional, particularmente revelante para o jornalismo).

Outra questão premente diz respeito à sustentabilidade econômica dos blogs, pois, desculpe informar, leitor(a), mas esse papo da direitona – e agora também  de uma certa dita esquerda – de que o governo nos sustenta é mentira. A blogosfera pode até continuar forte e com algum grau de renovação por muito tempo devido ao voluntarismo de cidadãos e cidadãs motivados, mas, do ponto de vista estrutural, o que asseguraria prosseguimento e estimularia melhoria de qualidade da atividade blogueira seria a obtenção de meios para que ao menos um bom número de blogueiros pudesse se sustentar através de tal atividade.

Trata-se de questões que vêm sendo encaminhadas, é certo – e o fato de fóruns como o #blogprog servirem para articular e fazer andar tais discussões é um dos motivos que me levam a vê-lo sob uma luz positiva -, mas não tratadas com a velocidade, a efetividade e a divulgação necessárias.


Via de duas mãos
Uma outra questão que, na minha opinião e na de vários blogueiros que conheço, precisa ser urgentemente atacada é a hegemonia excessiva de blogs consagrados e a manutenção, numa zona de sombra, de uma série de blogs que têm, há tempos, se esforçado para produzir com regularidade material original e crítico. Chega a ser enjoativo o quanto se vê sempre os mesmos blogueiros sendo convidados para eventos e para representar a “classe”. É preciso renovar.

Uma renovação seria benéfica a todos e fortaleceria a blogosfera como um todo. Os encontros de blogueiros (e, nestes, a composição das mesas) são um dos meios para levar a cabo tal tarefa, mas é preciso que mais blogueiros de renome sigam o exemplo dos seus pares que abrem espaço e republicam (ou divulgam nas redes sociais) posts de autores menos conhecidos, pois há uma queixa crescente – e a meu ver justificada - contra blogueiros de ponta que, embora sejam, há tempos, exaustivamente citados, jamais lincam ou indicam posts que não sejam de sua própria autoria,.


Mudanças bruscas
Nesses três anos, o cenário da blogosfera mudou muito. Duas mudanças foram (ou têm sido) marcantes. A primeira é a diminuição brusca do número de comentários que passou a acontecer tão logo as redes sociais (o Facebook e o Twitter, notadamente) se firmaram como o local de debate por excelência. Por mais que um post seja nelas debatido, a escassez de comentários teve - e tem - uma ação psicológica desestimulante em mim. Como disse alguém, o comentário é o alimento do blogueiro.

A segunda mudança, mais recente e muito mais relevante, deriva da própria relação entre blogosfera e política: finda a eleição presidencial, a ação conjunta empreendida pela maior parte dos blogs de esquerda (mesmo dos que não apoiaram no primeiro turno a candidatura petista) se desfez. Deu lugar, inicialmente, ao questionamento dos rumos do governo Dilma (questionamento o qual, aqui neste blog, começou cedo, no segundo mês de governo, quanto publiquei um post intitulado “Primavera digital chega ao fim”, que acabou republicado em diversos outros locais e gerou bastante polêmica). Nele manifestava minha frustração ao constatar que o o governo Dilma não só não aprofundaria o modelo neo-keynesiano adotado por Lula dois anos e meio antes, mas promoveria um retorno a parâmetros neoliberais – o que, infelizmente, se confirmou indubitavelmente nos meses seguintes, com a obsessão com o déficit nominal zero, a privatização dos aeroportos e, mais grave, da aposentadoria dos servidores públicos. Agora cogita-se o impensável: a alteração das leis trabalhistas.

A união verificada durante os embates eleitorais estava, é certo, fadada a se esvair – e, de certa maneira, é positivo que tal tenha ocorrido, permitindo um debate mais nuançado e diversificado. Em relação ao Cinema & Outras Artes, isso permitiu – para decepção de uns e contentamento de outros – deixar claro que não se tratava de um órgão político petista, como a alguns por momentos pareceu (o que me levaria a rir muito quando tomei ciência disso), mas de um blog de jornalismo que defende certas princípios de esquerda, não abdicando, no entanto, de criticar – ou mesmo de renegar, a depender dos desdobramentos futuros – o governo o qual pareceu melhor representar tais princípios.


Tríplice fronteira
Embora, a rigor, alguma gradação possa ser observada, poderíamos, a título de esquematização e inevitavelmente recorrendo a generalizações, dividir a blogosfera de esquerda, hoje, em três grandes grupos. Um, já citado através da menção ao próprio Cinema..., é o dos blogs que mantêm um apoio crítico à aliança e ao governo comandados pelo PT.

Outro, mais homogêneo, é formado por blogs que continuaram a apoiar incondicionalmente o governo Dilma, faça o que ele fizer – o que, como já coloquei em um post recente, acaba, na minha opinião, por enfraquecer o poder da blogosfera de pressioná-lo a honrar os compromissos assumidos nas eleições e faz coincidir as posições de tais blogueiros com as da grande mídia no que tange ao apoio à primazia que o governo concede ao mercado e à adoção de algumas das principais premissas neoliberais.

Um terceiro e último grupo seria formado por blogueiros de esquerda que, por convicção anterior ou decepção posterior, recusam e combatem a aliança petista. É, talvez, o mais heterogêneo dos grupos, reunindo apoiadores dos pequenos partidos, entusiastas da figura de Marina Silva, ecologistas decepcionados com o modelo de desenvolvimento e com Belo Monte, além de críticos avulsos.

Penso que a interlocução seria mais fluida e a própria ação política bem mais proveitosa se não se tivesse formado esse quadro quase estanque e essas “igrejinhas” fechadas em si mesmas. Mas não chega a causar estranheza e não é, de forma alguma, um fenômeno circunscrito à blogosfera brasileira – ele diz respeito, um tanto, à própria natureza humana, e, muito, à atual conformação do campo político no país.

O que extrapola o campo do polemismo civilizado é um coletivo que se diz de esquerda publicar um texto apócrifo com graves e não comprovadas acusações pessoais e ilustrá-lo com a foto de uma blogueira cujo principal capital é a credibilidade que levou anos para construir. Se essa tal esquerda se satisfaz com argumentações a la Augusto Nunes e táticas pessoais desqualificadoras à moda de Veja, problema dela. Mas com acusações sem prova em textos não assinados ela sai do campo do debate democrático para o da calúnia anônima.


Por que blogar?
Durante todo esse tempo, uma questão tem aparecido, intermitente: por que manter um blog? Por que dedicar tempo, pesquisar, lutar com as palavras (“a luta mais vã”, segundo Drummond), revisar, se irritar com a tecnologia e seu instável humor, monitorar e responder os comentários? O que nos move a fazer tudo isso, sem receber um mísero real em troca? Nunca consegui responder satisfatoriamente essa questão. Atualmente, a resposta, além do compromisso com os leitores e leitoras que seguem o blog, une uma mistura de desejo de incentivar o debate e de exercer, de alguma forma, a participação política para além do momento de digitar o voto na urna. Mas ela varia de tempos em tempos.

Por fim, há a questão do estímulo e da perda de estímulo. Competindo com outras tarefas, em sua maioria remuneradas, e com os prazos sempre curtos por estas determinados, o blog acaba ficando meio de lado em épocas em que se acumulam muitos trabalhos (como no segundo semestre do ano passado). Mais relevante do que isso, há o fator psicológico, que é recorrente: há, de tempos em tempos, períodos de profundo desânimo, em que postar parece uma atividade banal e em que a pouca repercussão soa como um sinal a mais a confirmar a inutilidade do blog. Nessas épocas é sempre custoso escrever, não se acha assunto, o texto não avança ou só o faz penosamente. Isso ocorreu, uma vez mais, há uns dois meses. E eu estive a ponto de parar.

Daí, de repente, vem uma vontade de escrever, os assuntos brotam, o texto flui de um modo tal que é preciso refreá-lo no córtex cerebral para que as ideias não escapem. Até quando esse estímulo súbito vencerá o desânimo? Sinceramente não sei, mas acredito que é justamente do produto da mediação entre a ânsia pela escrita e a satisfação de ver o texto pronto – e, assim, tomar parte, mínima que seja, no ente comunicacional publicamente efetivo que é hoje a blogosfera brasileira – que é gerado o impulso que toca o blog para frente. Aos que embarcaram na viagem comigo, muito obrigado.



(Imagem retirada daqui)

domingo, 4 de março de 2012

Ato falho de Serra reflete mentalidade tucana


Em um samba composto em parceria com Maurício Tapajós, o grande letrista Aldir Blanc contrapõe o Brasil – território lúdico-mítico de “Sertões, Guimarães, bachianas” e de “Jobim, sabiá, bem-te-vi” - ao Brazil – projeção ditatorial de um país subalterno e ignorante, condenado a imitar os modismos, a estética e o consumismo norte-americanos. Gravada magnificamente por Elis Regina, “Querelas do Brasil” tornou-se, se não um sucesso, um objeto de culto nacional.


Que me perdoe Aldir (cujas crônicas boêmias e malandras eu cultuo como a objetos de arte feitos do mais genuíno humor), mas a lembrança da música foi a primeira coisa que me veio à cabeça ao ver José Serra chamando o país que sonhou um dia governar de Estados Unidos do Brasil.

Para além do aspecto cômico da fala e do que revela de desconhecimento histórico básico, trata-se de uma troca de palavras significativa, que explicita – como o clássico ato falho freudiano que é - a visão de mundo do político peessedebista e evoca a dinâmica da relação entre o nacional e o internacional em um passado não muito distante.


Nunca fomos tão vira-latas
Refiro-me, é claro, aos oito anos em que Fernando Henrique Cardoso esteve no poder, um período durante o qual o deslumbre com o que fosse estrangeiro atingiu um tal nível de transbordamento que só pode ser equiparado à vergonha de ser brasileiro exibida pelo tucanato e por seus eternos apoiadores na mídia – e por estes bombardeada noite e dia à população.

Não que a baixa auto-estima nacional fosse uma novidade trazida pelo tucanato. Nelson Rodrigues, antes da Copa de 1958, afirmava que o “complexo de vira-latas” - por ele definido como "a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo" - era o principal adversário do "escrete canarinho". Mais importante: toda uma reflexão sobre o país, dominante por quase duas décadas a partir de fins dos anos 50 - e que seria tematizada de forma recorrente pela produção cultural do período - identificava no atraso estrutural da nação e em sua condição de subdesenvolvimento a chave para compreender seus problemas e superá-los.


Razões de fundo
A novidade trazida por Collor e aprofundada pelos tucanos foi que o complexo de inferioridade do brasileiro deixou de se apresentar apenas como um sintoma (a ser, portanto, mitigado à medida que a defasagem estrutural fosse sendo superada) para se tornar objeto de culto, a ser estimulado e agravado - tarefa da qual se incumbiram com deleite jornais, revistas e programas televisivos (cujo exemplo acabado é o anacrônico Méanrratan Conéquichion). 

Em uma época em que globalização e neoliberalismo ainda eram largamente compreendidos como termos obrigatoriamente indissociáveis - como se pode aferir pela leitura de alguns dos principais textos teóricos da primeira metade dos anos 90 -, tal operação se deu, sobretudo, devido a um imperativo ditado pelo receituário do Consenso de Washington, adotado como princípio orientador das políticas de Estado: a necessidade de predispor ideologicamente o público a se convencer,  primeiro, de estarmos condenados a ser uma nação atrasada e subalterna ante a superioridade insuperável do "primeiro mundo". Em segundo lugar, de que a única solução para nossa redenção seria acatar os pressupostos da "nova ordem econômica mundial" ditada pelos EUA e, enxugando ao máximo o tamanho e as funções do Estado brasileiro, em torno de tal país orbitar, abrindo mão de nossa identidade como nação e aceitando passivamente a incapacidade de comandar nosso destino. O objetivo final a coroar tal empreitada seria a adesão à ALCA, o tratado de "livre-comércio" engendrado por Washington e que - como o exemplo mexicano o demonstra de forma cabal - fatalmente levaria o Brasil a um penoso retrocesso econômico e social.


Príncipes e jecas
É dentro dessa lógica que se insere o fato de que o príncipe – digo, o presidente – de turno, no seu chilique mais aloprado, tenha reagido à pressão popular contrária às medidas recessivas que tomara afirmando que “os aposentados são vagabundos e os brasileiros, caipiras”. O adjetivo “caipira”, nesse contexto, é não só utilizado no intuito claro de desqualificar, mas de atingir seus alvos com uma grave acusação de ignorância e desconhecimento do que seja o mundo. O caipira, para FHC, não diz respeito ao ser social, inserido em uma cultura telúrica e historicamente premido por um processo de "persistências" e "alterações", de que nos fala Antonio Candido - mas a um emblema estático da brasilidade como traço negativo. Daí resulta um paradoxo: para o outrora celebrado sociólogo, todos os brasileiros são caipiras, e o problema de ser caipira é justamente ser brasileiro.

Por outro lado (mas em lógica análoga), dizer que algo é “de Primeiro Mundo”, embora fosse uma expressão antiga, tornou-se, nos anos FHC, moeda corrente, a expressão valorativa por excelência. Enquanto a população sofria com os baques que a economia do país sofria à mínima crise internacional (fosse ela russa, mexicana ou dos "tigres asiáticos), o desprezo ao que fosse nacional e o ódio ao que fosse estatal eram incentivados pelo tucanato no poder e pela mídia corporativa (que apoiou o governo FHC com uma subserviência deslumbrada e acrítica indigna de ser chamada de jornalismo). Foi nessa toada - e exibindo o salário do mais abonado magistrado como se fosse a regra entre o funcionalismo - que se convenceu parte da população de que as privatizações modernizariam o país e acabariam com os "barnabés" (a gíria pejorativa com que 9,9 de cada dez colunistas - esses mesmos que aí estão - se referiam aos trabalhadores empregados pelo Estado)


Cenário em mutação
O pós-11 de setembro, com a diminuição do poder norte-americano, a ascensão dos BRICs e a chegada ao poder – na América Latina, sobretudo – de governantes de centro-esquerda, trouxe, aos poucos, uma mudança de cenário, a qual, somada às possibilidades interativas da web 2.0 e ao grande acréscimo na inclusão digital mundial, permitiu vislumbrar que o fenômeno globalizante e a ideologia neoliberal não eram, sempre e necessariamente, indissociáveis. Havia, percebeu-se, aspectos da globalização - como um maior volume de interação transnacional, a ação comunicacional e político-social a partir da internet ou a troca gratuita de arquivos de áudio e vídeo - que permitiam, na verdade, contra-atacar pontualmente e questionar o neoliberalismo. 

É no âmbito desse novo cenário que o governo Lula, a partir de sua política externa - caracterizada por prioridade às relações Sul-Sul e aos BRICs, parcerias e auxílio aos países mais pobres da América do Sul, África e Oriente Médio e ímpeto de representar países em desenvolvimento em fóruns internacionais, recusa à Alca e tentativa de diminuição do poder de influência dos EUA no país - e de sua atuação cultural interna - em que se destacam a valorização da cultura nacional, a pulverização das verbas para além do eixo Rio-SP, e a inclusão sócio-cultural via Pontos de Cultura -, paulatinamente insere uma nova dinâmica no imaginário acerca do locus do Brasil e do brasileiro no contexto de um mundo globalizado. 

Um aspecto muito importante a ressaltar em relação a esse processo é constatar que a redenção de um complexo de inferioridade secular, ainda que se dê, atualmente, de modo parcial e para parcelas da população, não foi substituída, via de regra, por um nacionalismo tacanho nem por um patriotismo fanático. 


Provincianismo em crise
Há de se considerar, como pontos polêmicos a discutir, a presença do exército brasileiro no Haiti e o temor crescente, entre alguns de nossos vizinhos sul-americanos, de que o Brasil esteja se tornando imperialista (acusação que não é nova: trabalhando como jornalista na Bolívia, em 2001, fui fisicamente agredido por skinheads que demonstravam ódio ao “imperialismo brasileiro”). 

Mas é preciso ser obtuso ou desonesto para negar que a melhora da economia real verificada na última década, com decréscimo substancial das taxas de desemprego e aumento do poder de compra, a ascensão de uma nova e volumosa classe média, bem como o acesso - ou o incremento do acesso - a bens de consumo durável, lazer, acesso digital e viagens aéreas acabaram por modificar para melhor a auto-imagem de parcela revelante da população - um fenômeno que tende a se tornar ainda mais evidente ante a contraposição da atual situação brasileira à grave crise econômica que ora aflige, infelizmente, a população dos EUA e de vários países europeus a amargar uma penosa débâcle social. 

Além disso, não obstante os muitos desafios postos ao Brasil em termos de redução da desigualdade, saúde, educação e demais itens da pauta dos direitos humanos avançados, tanto o grau quanto o perfil axiológico da visibilidade do país no exterior são hoje maiores e mais positivos do que nunca. "A crítica permanente ao Brasil está fundada em excesso de provincianismo", observou o sociólogo Alberto Carlos Almeida, em artigo no Valor Econômico. E com um número cada vez maior de brasileiros viajando ao exterior, cada vez mais gente descobre que a oposição simplista entre um país incompetente e fadado ao fracasso e um "primeiro-mundo" perfeito e irretocável não passa de uma falácia. -  o que, evidentemente, também reverte em acréscimo da auto-estima nacional.


A volta do atraso
Tudo isso faz com que o discurso negativista sobre o país, só enxergando suas mazelas, além de alimentar provincianos convictos, tenha se tornado uma das principais bandeiras dos setores conservadores, mais um componente a se juntar ao discurso moralista que se tornou praticamente a única estratégia discursiva de uma oposição que não tem projeto para o país e que há mais de uma década combate o governo de turno valendo-se tão-somente de ataques neoudenistas.
 
Ora, é a essa mesma oposição a que José Serra pertence. E não é preciso nenhum esforço para enxergar no ora pré-candidato a prefeito de São Paulo a mesma empáfia, a mesma arrogância, o mesmo desprezo pelo Brasil e pelo povo brasileiro que o presidente a que serviu como ministro da Saúde e do Planejamento ostentou por oito anos - os quais só foram dourados na boca e na pena dos colunistas a serviço do mercado, pois para a maioria da população foram de penúria, desemprego e carestia. 

Mais do que um lapso eventual, a menção aos "Estados Unidos ao Brasil", feita por Serra, é a expressão do desejo de regresso a um estado de coisas em que as elites brasileiras traficavam a riqueza do país em troca das migalhas que se lhes atirava o grande capital internacional, enquanto o povo chafurdava no subemprego e na miséria.


(Imagens retiradas, respectivamente, daqui, daqui e daqui)