
Os dois filmes que lideraram a lista – e que, de certo modo, foram a razão de ser da mostra – são o cultuado (mas pouco visto no Brasil) Detour (Curva do D

Buscando a essência do subgênero
Em um primoroso texto sobre road movies, Walter Salles – que logo acrescentará mais um título à lista, c

Ele observa, por exemplo, que “road movies são raramente guiados por conflitos externos” e que os “mais interessantes são justamente aqueles em que a crise de identidade do protagonista da história reflete a crise de identidade de uma cultura, de um país”. Penso que Gosto de Cereja, dirigido pelo mestre iraniano Abbas Kiarostami em 1997, poderia ser apontado, em relação ao chamado “cinema de arte” internacional, como a quintessência modelar de tal linhagem de filmes.
Mas em termos de cinema americano - epicentro do subgênero - o western seria, segundo tal definição, o habitat primário do road movie - Walter, canônico, cita Rastros de Ódio, de John Ford –, a partir de onde se diversificaria em novas versões.

Exemplares disso – e do processo de dupla significação personagem-nação aludido por Salles – são os retratos e questionamentos da sociedade norte-americana perpetuados por filmes que, citados em sequência cronológica, acabam por formar um painel crítico evolutivo do tema nas últimas quatro décadas: Acorrentados (Stanley Kramer, 1958, um dos melhores filmes sobre o racismo produzidos em Hollywood), o emblemático Easy Rider (Dennis Hopper, 1969), Espantalho (Jerry Schatzberg, 1973, com Gene Hackman e Al Pacino amargando o refluxo pós-1968), Estranhos no Paraíso (Jim Jarmusch, 1984), Rain Main (Barry Levinson, 1988, contrapondo, no momento de afirmação do neoliberalismo, o yuppie Tom Cruise e o autista mas milionário Dustin Hoffman), A História Real (David Lynch, 1999, flagrando a morte de uma geração), Confissões de Schmidt (2002) e Sideways (2004), ambos dirigidos por Alexander Payne e tematizando, respectivamente, a velhice e a meia-idade; além do hit Pequena Miss Sunshine (2006), que prefigura – ou ao menos parece querer prefigurar, um novo país.
A questão da motivação
Eu tenderia a relativizar a generalização de Walter sobre a não-preponderância dos conflitos externos nos road movies e a distinguir, no subgênero, a modalidade acima citada daquela em que a crise de identidade de um país também aparece como tema central, mas não deriva, necessariamente, de uma crise individual. É o caso, notadamente, de dois grandes filmes latino-americanos, Bye Bye Brasil (Cacá Diegues, 1979, com seu instantâneo da controversa modernidade do país como nova "aldeia global") e Guantanamera (Tomás Gutiérrez Alea e Juan Tabío, 1995, com seu retrato mordaz das mazelas e da burocracia cubanas). Incluiria nessa lista, ainda, Coração Selvagem (1990), que faz uma crítica explícita – na medida do possível em se tratando de David Lynch – ao moralismo norte-americano e o surpreendente retrato da globalização de Quase uma história de amor, produção de Hong Kong de 1996 dirigida por Peter Chan e estrelada pela deusa do cinema chinês Maggie Cheung.

Estradas do Oriente
Do normalmente negligenciado cinema asiático fiz uma seleção, creio, atípica. Talvez o leitor não concorde comi


Filmes como Mâe Índia (Mehboob Khan , 1957) e Engraxates (Prakash Arora, 1954) seriam opções óbvias em se tratando do cinema indiano – no Brasil, na minha opinião, de longe a mais maltratada das cinematografias nacionais. Pois nem em cultuadas revistas nacionais de cinema nem da pena de especialistas a quem admiro costumam sair textos que reflitam minimamente a riqueza do cinema indiano. Por alguma razão que me escapa parece haver, para além do mero desconhecimento – ou, quem sabe, prevenção -, uma forte incompatibilidade entre os parâmetros críticos brasileiros e o cinema indiano. Pior: para minha profunda irritação, predomina o deboche, até mesmo na academia. Mas tenho convicção de que uma platéia minimamente familiarizada com as peculiaridades do cinema indiano se emocionaria com a história do cientista de ponta que, morando confortavelmente nos EUA e trabalhando na Nasa, faz uma visita à terra natal que modificará sua vida para sempre – tema de Uma Luz do Passado (Ashutosh

À seleção asiática incluí, ainda, o ótimo filme sul-coreano Bombom Hortelã-Pimenta (Lee Chang-dong) - o qual, a exemplo de Detour, tem narrativa em flashback (com a trajetória do protagonista sendo recontada a partir de seu aparente suicídio) - e o cult A Última Vida no Universo, do diretor malaio Pen-ek Ratanuruang, protagonizado pelo astro japonês Asano Tadanobu e com a participação especial de Takashi Miike como vilão-mór.
Narratividade e gênero
Além do contundente tratamento que recebe de Agnès Varda no citado Sans toi ni loi, a questão de gêneros tem sido tematizada, se não de forma tão recorrente, com enfoques privilegiados na seara dos road movies. O exemplo icônico é, claro, Thelma & Louise (Riddley Scott, 1991), mas entre os imprescindíveis eu incluiria o esquecido Sexy e Marginal, primeiro longa de Scorsese, o mexicano E a sua mãe também (2001), de Alfonso Cuarón, e Bonneville/A força da amizade (Christopher Rowley, 2006, uma espécie de Sideways feminino), além

Voltemos ao texto de Walter Salles. Ele sustenta que:
“Pelo fato de que road movies procuram registrar a transformação interna dos seus personagens, a maioria dos filmes que pertence a esse gênero não é sobre aquilo que pode ser verbalizado, mas sobre aquilo que deve ser sentido - sobre o invisível que complementa o visível. Nesse sentido, road movies contrastam drasticamente com os filmes comerciais contemporâneos - aqueles em que ações são criadas a cada três minutos para segurar a atenção do espectador. Em filmes de estrada, um momento de silêncio é geralmente muito mais importante do que a ação mais elaborada”.Ao contrário do que tais assertivas podem sugerir, isso não se traduz, necessariamente, em filmes “arrastados”, de narrativa contemplativa. Pensemos, por exemplo, em Na Natureza Selvagem, um dos mais belos filmes produzidos nos EUA nos últimos anos, ao qual a direção de Sean Penn impõe um andamento que, sem afugentar o tal espectador contemporâneo, consegue transmitir com intensidade o universo interior do personagem principal, que abandonou tudo pela vida livre nas geleiras do Alasca.


Grande arte na estrada
Por fim – e sem querer fornecer uma lista exaustiva das tipificações do road movie -, há aqueles em que a uma viagem na forma de deslocamento físico no tem

Entre o seleto time de road movies que investem tanto no cinema como grande arte quanto em perscrutar questões profundas da existência eu incluiria, ainda, Passageiro, Profissão Repórter (1975), de Antonion
