A
entrevista de Celso Antônio Bandeira de Mello ao repórter Felipe
Amorim, do site Última
Instância, vem
agregar ao rol de críticas negativas ao comportamento do STF durante
o julgamento do "mensalão" a opinião
de um jurista internacionalmente reconhecido e de um professor
reverenciado, a quem as legiões de alunos que educou referem-se com
adjetivos como "magnânimo" e "inesquecível".
Considerado
uma das maiores autoridades em Direito Administrativo no país,
Bandeira de Mello traz uma opinião abalizada, infesa a paixões
políticas, sobre um julgamento que vem açulando o crime belicoso no
país - seja por servir à oposição para propagar a falácia de que
o governo petista seria mais corrupto que seus antecessores, seja por
levar o petismo a denunciar o tratamento assimétrico que mídia e
Justiça têm dado ao partido, em comparação com o que a oposição
recebe.
O
BBB do STF
Entre
uma e outra posição, o STF viu-se instrumentalizado pela luta
política, com o maniqueísmo e jogo de interesses que tal ocorrência
acarreta. Com todas as sessões transmitidas ao vivo pela TV e pela
internet – prática provavelmente inédita no mundo -, os limites
entre justiça e reality
show
viram-se diluídos e, à semelhança do que ocorre com os mocinhos e
vilões, os juízes e juízas, com sua ira punitiva estimulada pela
luz dos holofotes, se tornaram depositários da idolatria de uns –
a um ponto tal que o apelido Batman, recebido por Joaquim Barbosa,
passou a ser utilizado de modo laudatório nas redes sociais – e da
repulsa de outros.
Para
além de todos os aspectos questionáveis que marcaram as decisões
do tribunal no caso, não deixa de soar como um desperdício de
oportunidade histórica que, tendo o país o "mensalão"
petista e o "mensalão" mineiro – leia-se peessedebista -
na pauta de sua alta corte, nem o petismo, por um lado, tenha sido
levado a reconhecer que o partido, no poder, não primou pelo grau de
excelência ética que sempre cobrou dos adversários; nem, por outro
lado, tenham sido minimamente expostas as falcatruas praticadas pelo
tucanato, que estão na origem dos dois mensalões e desaguam na
privataria da era FHC, sempre em conluio com a mídia corporativa.
Princípios
violados
Em
relação ao julgamento do "mensalão", Bandeira de Mello
critica a "flexibilização de provas" e afirma tratar-se de "um
soluço na história do Supremo Tribunal Federal", pois, depois
dele, "não se condenará mais ninguém por pressuposição".
Tão sereno quanto incisivo, vai além: "Entendo que foram
desrespeitados alguns princípios básicos do Direito, como a
necessidade de prova para condenação, e não apenas a suspeita, a
presunção de culpa. Além disso, foi violado o princípio do duplo
grau de jurisdição".
Não
obstante um certo comedimento elegante e o visível esforço para
evitar críticas pessoais – sobretudo ao amigo próximo e ex-aluno
Carlos Ayres Britto, por cuja nomeação Bandeira de Mello, ao lado
de outro grande jurista de sua geração, Fábio Konder Comparato,
trabalhou -, não se furta a indiretas e a opiniões polêmicas : "Eu
acho que o juiz devia ser proibido de dar entrevistas. E não só os
ministros do Supremo — mas eles é que parecem que gostam".
Declara não ter gostado do comportamento de Joaquim Barbosa durante
o julgamento (" Achei uma postura muito agressiva. Nele não
se lia a serenidade que se espera de um juiz."). Após
exaltar a "educação e a finura" de Levandowski ("é
um príncipe") afirma ser "quase que inacreditável que
Barbosa tenha conseguido fazer um homem como Lewandowski perder a
paciência".
O
Supremo e a mídia
Na
entrevista, Bandeira de Mello disserta ainda sobre o que seria um
Supremo ideal. Defende a limitação dos mandatos dos ministros a
oito anos (bandeira que soergue há tempos), a predominância de
juízes entre os escolhidos ("eu
colocaria pelo menos dois terços de juízes de carreira"), e,
embora não feche questão, sugere a eleição entre pares como uma
das possíveis maneiras de aperfeiçoar o processo de escolha dos
membros do STF.
Em
uma época em que ministros da corte máxima do país se confundem -
e se comportam como - astros da mídia, as opiniões francas e
lúcidas de Bandeira de Mello em relação à imprensa formam um
elucidante contraste. Como se depreende das declarações que fez em
entrevista
ao repórter Elton Bezerra, do site Consultor
Jurídico,
realizada em agosto, às vésperas do início do julgamento da AP 470:
"A grande imprensa é o porta-voz do pensamento das classes
conservadoras. E o domesticador do pensamento das classes dominadas.
As pessoas costumam encarar os meios de comunicação como entidades
e empresas cujo objetivo é informar as pessoas. Mas esquecem que são
empresas, que elas estão aí para ganhar dinheiro. Graças a Deus
vivemos numa época em que a internet nos proporciona a possibilidade
de abeberarmos nos meios mais variados".
Controle
ético da imprensa
Provocado
pelo entrevistador se não estaria a defender a censura, Bandeira de
Mello, após observar que tal termo ficou "amaldiçoado"
após o regime militar, a despeito de sua correta vigência, por
exemplo, em relação a pedofilia ou a racismo, observa: "Não é
um problema de censura, é um problema de não entregar o controle a
uma meia dúzia de famílias. Abrir para a sociedade, abrir para os
que trabalham no jornal, ou na rádio ou na televisão, para que eles
possam expressar sua opinião. E haver, sim, um controle ético de
moralidade e impedir certas indignidades".
Ainda
no capítulo de suas relações com a imprensa, o jurista
protagonizou recentemente uma polêmica com a revista Veja
– que o acusara de estar redigindo um manifesto crítico ao STF e
favorável a José Dirceu -, a qual encerrou, num lance denotador de
grande inteligência, com a publicação de uma declaração
que é um primor de como sublinhar críticas ao mesmo tempo em que
renega tecê-las.
Parcerias
Público-Privadas = privatizações
As
suas observações em relação ao julgamento do "mensalão"
são particularmente importantes por virem de uma figura pública a
qual, além de abalizada em termos de conhecimento jurídico, não se
pode acusar de governista ou de tendenciosa. Pois, crítico contumaz
dos Regimes Diferenciados de Contratação (RDDs) empregados por
Dilma na licitação das obras para a Copa do Mundo, Bandeira de
Mello, com a autoridade de grande expert em Direito Administrativo,
na entrevista ao Consultor Jurídico não tem papas na língua
para apontar o que considera errado no atual governo:
"É duro eu dizer isso porque a eleição da Dilma foi algo muito importante. Estou satisfeito com ela. Mas no governo dela foram feitas coisas muito... Por exemplo, as tais Parcerias Público Privadas. Isso no governo Lula é uma catástrofe. É um aprofundamento das privatizações. E essas medidas da Dilma são aprofundamentos de desmandos típicos do governo Fernando Henrique. É necessário dinheiro para coisas mais importantes: saúde e educação acima de tudo. "
(Caricatura
retirada daqui)