A ênfase em condenar a inaceitável distorção histórica e axiológica representada pelo emprego do termo “ditabranda” em um editorial do jornal Folha de São Paulo, embora plenamente justificada, acabou por relegar a um plano inferior outro aspecto fundamental do caso em questão: a tentativa de restringir o debate público implícita nos termos da resposta de Octávio Frias Filho aos professores Maria Victoria Benevides e Fábio Konder Comparato.
Com efeito, a gravidade do problema não se restringe ao fato de o diretor de redação de um jornal invadir inadvertidamente uma seção intitulada Painel do Leitor para tentar desautorizar a opinião de dois signatários – embora tal ato já viole a ética das relações entre jornal e leitor -, e nem mesmo por fazê-lo de modo agressivo e, portanto, desrespeitoso. Essas são práticas condenáveis, mas o que torna a questão ainda mais espinhosa são os termos da resposta em si: é na afirmação de que os protestos dos dois professores contra o tratamento dispensado à ditadura militar brasileira não seriam válidos por não terem os signatários presumivelmente jamais condenado regimes totalitários de esquerda que reside o aspecto mais grave do caso, pois representa uma tentativa de regulamentar arbitrariamente o debate público, cerceando-o e atentando contra a própria liberdade de expressão.
Manifestada de modo intimidatório, essa tentativa de instituir a obrigatoriedade de se referir a um evento histórico “x” (no caso, o regime cubano) para que se possa tornar procedente a crítica a um episódio “y” que ocupa um lugar simetricamente oposto àquele no espectro político-ideológico (no caso,a ditadura militar brasileira) desrespeita a autonomia da livre manifestação intelectual e significa o estreitamento do debate, restringindo-o a termos que interessam ao jornal, mas não à livre circulação de idéias. Insere-se em tal lógica o fato de, mesmo após o jornal retratar-se (ainda que de forma dúbia) pelo emprego do termo “ditabranda’, Frias Filho continuar insistindo na crítica a Benevides e à Victoria e, mantendo a mesma linha de raciocínio – e o tom truculento –, chamá-los de “democratas de fachada”. Trata-se não apenas de uma acusação despropositada, mas – o que é mais grave, sobretudo para um órgão de imprensa - falsa, como o demonstra a longa folha corrida de serviços prestados pelos missivistas à causa dos direitos humanos e ao aprimoramento da democracia, sobretudo no período ditatorial. A Folha, portanto, não se limita à agressão e à tentativa de restringir, de forma truculenta, o debate (numa espécie de “dirigismo cultural de direita”?), mas o faz repetindo uma mentira (procedimento que, segundo um célebre publicista alemão, faz com que ela em verdade se torne). Por outro lado, não deixa de ser significativo, até mesmo em termos psicanalíticos, que os termos da acusação brandida pelo publishing da Folha contra os que ousaram criticar o jornal sejam essencialmente os mesmos das acusações que se avolumam e multiplicam pela blogosfera contra os Frias e seus produtos midiáticos.
Não é vão tal comportamento: obedece a um estratagema de desqualificação do discurso das esquerdas, assim como a tentativa de relativizar o arbítrio faz parte da dupla estratégia de, por um lado, num momento de crise comercial profunda da imprensa escrita, angariar leitores entre a direita mais abastada e conservadora, leitora de Veja e, por outro lado, tornando “branda” a ditadura, diminuir a importância da militância anti-arbítrio exercida pela candidata à Presidência Dilma Rousef.
Frias Filho, assim como seus colegas da plutocracia midiática, sabe que, somada ao monopólio da comunicação nas mãos de um punhado de grupos conservadores, a conjuminação de desideologização do debate público, queda vertiginosa do nível cultural da população e disseminação do discurso politicamente correto à americana - fenômenos das últimas décadas -, tornou o terreno fértil para simplificações fáceis e falaciosas do embate político, que desprezam a especifidade dos processos políticos nacionais e da interação destes com a ordem econômica mundial (é precisamente o caso da tentativa de igualar a ditadura brasileira e o regime cubano), acabando por beneficiar tremendamente a difusão do discurso hegemônico controlado pelas forças do mercado e difundido pelas grandes corporações de mídia.
A tentativa de desmoralizar e desautorizar Benevides e Victoria não é, portanto, um episódio isolado. Ela traz embutida o germe de uma estratégia de calar a esquerda, submetendo seu discurso – e, portanto, o debate político - aos filtros valorativos forjados pelas forças conservadoras durante o período de hegemonia neoliberal.
Com efeito, a gravidade do problema não se restringe ao fato de o diretor de redação de um jornal invadir inadvertidamente uma seção intitulada Painel do Leitor para tentar desautorizar a opinião de dois signatários – embora tal ato já viole a ética das relações entre jornal e leitor -, e nem mesmo por fazê-lo de modo agressivo e, portanto, desrespeitoso. Essas são práticas condenáveis, mas o que torna a questão ainda mais espinhosa são os termos da resposta em si: é na afirmação de que os protestos dos dois professores contra o tratamento dispensado à ditadura militar brasileira não seriam válidos por não terem os signatários presumivelmente jamais condenado regimes totalitários de esquerda que reside o aspecto mais grave do caso, pois representa uma tentativa de regulamentar arbitrariamente o debate público, cerceando-o e atentando contra a própria liberdade de expressão.
Manifestada de modo intimidatório, essa tentativa de instituir a obrigatoriedade de se referir a um evento histórico “x” (no caso, o regime cubano) para que se possa tornar procedente a crítica a um episódio “y” que ocupa um lugar simetricamente oposto àquele no espectro político-ideológico (no caso,a ditadura militar brasileira) desrespeita a autonomia da livre manifestação intelectual e significa o estreitamento do debate, restringindo-o a termos que interessam ao jornal, mas não à livre circulação de idéias. Insere-se em tal lógica o fato de, mesmo após o jornal retratar-se (ainda que de forma dúbia) pelo emprego do termo “ditabranda’, Frias Filho continuar insistindo na crítica a Benevides e à Victoria e, mantendo a mesma linha de raciocínio – e o tom truculento –, chamá-los de “democratas de fachada”. Trata-se não apenas de uma acusação despropositada, mas – o que é mais grave, sobretudo para um órgão de imprensa - falsa, como o demonstra a longa folha corrida de serviços prestados pelos missivistas à causa dos direitos humanos e ao aprimoramento da democracia, sobretudo no período ditatorial. A Folha, portanto, não se limita à agressão e à tentativa de restringir, de forma truculenta, o debate (numa espécie de “dirigismo cultural de direita”?), mas o faz repetindo uma mentira (procedimento que, segundo um célebre publicista alemão, faz com que ela em verdade se torne). Por outro lado, não deixa de ser significativo, até mesmo em termos psicanalíticos, que os termos da acusação brandida pelo publishing da Folha contra os que ousaram criticar o jornal sejam essencialmente os mesmos das acusações que se avolumam e multiplicam pela blogosfera contra os Frias e seus produtos midiáticos.
Não é vão tal comportamento: obedece a um estratagema de desqualificação do discurso das esquerdas, assim como a tentativa de relativizar o arbítrio faz parte da dupla estratégia de, por um lado, num momento de crise comercial profunda da imprensa escrita, angariar leitores entre a direita mais abastada e conservadora, leitora de Veja e, por outro lado, tornando “branda” a ditadura, diminuir a importância da militância anti-arbítrio exercida pela candidata à Presidência Dilma Rousef.
Frias Filho, assim como seus colegas da plutocracia midiática, sabe que, somada ao monopólio da comunicação nas mãos de um punhado de grupos conservadores, a conjuminação de desideologização do debate público, queda vertiginosa do nível cultural da população e disseminação do discurso politicamente correto à americana - fenômenos das últimas décadas -, tornou o terreno fértil para simplificações fáceis e falaciosas do embate político, que desprezam a especifidade dos processos políticos nacionais e da interação destes com a ordem econômica mundial (é precisamente o caso da tentativa de igualar a ditadura brasileira e o regime cubano), acabando por beneficiar tremendamente a difusão do discurso hegemônico controlado pelas forças do mercado e difundido pelas grandes corporações de mídia.
A tentativa de desmoralizar e desautorizar Benevides e Victoria não é, portanto, um episódio isolado. Ela traz embutida o germe de uma estratégia de calar a esquerda, submetendo seu discurso – e, portanto, o debate político - aos filtros valorativos forjados pelas forças conservadoras durante o período de hegemonia neoliberal.
2 comentários:
Concordo em parte: não se trata só de silenciar a esquerda, penso, mas de re-escrever a história para que a Falha de São Paulo possa posar como "progressista".
Ademais, apesar da situação histórica e ideológica do nosso país fazer parecer que direita=defensor da ditadura, não estou certa de que esta equação se feche assim, ou que se feche assim sem o uso de outros elementos históricos pra fazer passagens (não estou dizendo que existe direita limpinha)
De qualquer modo, acho importante gente como você fazendo um esforço de reflexão, em meio à ditadura do engole qualquer discurso.
Obrigado, Flávia. A propósito, no momento nem a direita nem a esquerda andam muito limpinhas (com as exceções de praxe...)
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