O Tavinho era um menino triste e vesgo. Então seu pai, o Tavão, lhe deu um jornal de presente. Mas, cônscio da importância da educação, o Tavão, um çábio que não saía do edifício do jornal com medo de que os terríveis terroristas lhe explodissem os cornos, exigiu que o menino primeiro estudasse, para depois brincar de dono de jornal: mandou-o pra USP, onde o Tavinho conheceu outros filhinhos de papai como ele, só que ainda mais treinados na arte de afetar princípios democráticos para dissimular objetivos autocráticos. Esse bando de garotos logo cresceria e fundaria, sempre com o apoio de o Tavinho, um partido cujo símbolo é um gavião (ou algo assim).
O Tavinho enfim cresceu e pode usufruir de seu brinquedinho. A marca do jovem administrador se fez sentir em duas características que distinguem a TFP, digo FSP, dos demais jornais: a incrível brancura da pele de seus jornalistas, avessos ao sol e a tudo que os faça lembrar que moram em um país tropical, e a excelência de seus colunistas: Gróvis “Pitbull” Rosi, Heliana “Febre Amarela” Cantanrêde, Fermando “depois de gagá virei tucano” Gameira, Silberto “O Samaritano” Gimenstein, e a notável dupla formada pelo escrivão da corte (e amigo do Rei) Hélio Cáspari e por seu fiel cão, digo escudeiro, o acadêmico interiorano Júlio César Vila. Os dois desenvolvem atualmente um ambicioso projeto de reescrever a história do Brasil adotando a mitologia bíblica, com a ditadura correspondendo ao Paraíso, o período de redemocratização ao Purgatório, e o presente sob Lula ao Inferno. A esse imparcial e destemido escrete do jornalismo – só comparável à redação do JB em sua fase áurea – somam-se colaboradores que formam a nata do pensamento progressista nativo: Jozé “Não Largo o Osso” Zarnei, Luis Carloz "No Limite da Irresponsabilidade" de Marros, e o bisneto do grande dramaturgo alemão e proba figura de intelectual Hermínio o der Brecht. Como evidencia a diversidade ideológica dos nomes acima elencados, o desinteressado Eugênio Bucci está certo ao afirmar, n’Observatório da Imprensa, que a Falha não pode ser considerado um jornal de direita, pois publica textos de todas as tendências políticas.
Cansado de seu brinquedinho, o Tavinho resolveu experimentar novas diversões: assinou colunas políticas muito bem-escritas (se você considera uma sucessão de obviedades liberais alinhadas em um estilo pseudo-proustiano algo bem-escrito, é claro), tornou-se autor teatral prestigiado pela elite paulista (precisa comentar?) e experimentou o sexo antes dos 40 (!), namorando uma beldade global. Homem de idéias sempre à frente de seu tempo, o Tavinho descobriu recentemente, enquanto os mercados mundiais ruíam, o trabalho do guru do neoliberalismo José Guilherme Melquior, morto na década anterior, e o elegeu seu mentor intelectual. Eis porque nosso herói é um formador de opinião inato.
O Tavinho coroou sua carreira de homem de empresa, digo imprensa, cometendo um editorial em que classifica, corretamente, o período militar brasileiro de ditabranda. Afinal, a intensidade de uma ditadura restringe-se a uma questão matemática, não é mesmo? Portanto, basta comparar com as ditamenosbrandas de nuestros hermanitos... O Tavinho, aliás, entende do assunto, pois, segundo Beatriz Kushner, autora do livro "Os Cães de Guarda" (Boitempo Editorial), as kombis do jornal que o dândi da Barão de Limeira dirige eram emprestadas aos militares para transportar os perigosíssimos elementos de esquerda para o Doi-Codi, um dos centros de tortura da ditabranda (estarei enganado ou há uma terrível contradição entre estes dois termos?). Deve ser por essas e por outras que a FSP diz ser “um jornal a serviço do Brasil”.
Revoltado com a reação despropositada ao editorial, levada a cabo por um bando de leitores mal educados, aí incluídos dois intelectuais uspianos – ô, raça! –, o Tavinho, demonstrando equilíbrio, serenidade e espírito democrático, desceu-lhes o sarrafo numa seção apropriadamente intitulada "Painel do Leitor", decretando que, de agora em diante, fica proibido criticar a ditadura brasileira sem condenar a ditadura cubana. Isso é que é liberdade de expressão. Dá-lhe, o Tavinho!
2 comentários:
Mauricio,
hehe É bem por aí mesmo. O horror, o horror.
abraços
Hilário.
Obrigada pelo i1/2, foi legal saber que vc leu e achou legal. Ainda vou pensar mais sobre o que vc me disse.
Quanto ao projeto de mestrado, não tem a ver com mídia, só com cinema, mas achei que o texto da Sontag vinha a cabo.
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