A
aprovação, pela Câmara dos Deputados, do fim da gratuidade
obrigatória nos cursos de pos-graduação das instituições
estatais representa a mais grave ameaça, até hoje, à
universidade pública gratuita, autônoma e republicana.
Constitui,
assim, mais um exemplo cabal do grau de ameaça a conquistas sociais
de longa data que a crise do petismo no poder ora suscita, com uma
presidente enfraquecida e acuada, disposta a tudo ceder para não ser
destituída.
As
pós-graduações federais já haviam sofrido um duro golpe com o
corte de 75% das bolsas de estudo, que se seguiu ao anúncio das
medidas fiscalistas da política econômica de Dilma, a cargo do
tesoureiro Levy. Corte que, em efeito cascata, serve agora de
pretexto para Alckmin suprimir R$13 milhões das pós-graduações
paulistas (USP, Unesp e Unicamp), no que será certamente seguido por
outros governadores.
Exclusão
educacional
A
diminuição no volume de bolsas, agora agravada pela possibilidade
de cobrança dos cursos, tem efeito social nocivo, pois impede que
estudantes oriundos das classes baixa e média se mantenham
financeiramente durante os seis ou sete anos necessários para
obtenção do mestrado e doutorado (titulos que hoje são imprescindíveis, por
exemplo, para o ingresso no magistério público superior).
Trata-se
de uma ameaça concreta a um sistema que vinha funcionando bem há
décadas, e que tinha a vantagem adicional de fornecer um meio de
subsistência – mesmo precário –, o qual permitia a um
contingente expressivo de recém-formados trocar as fileiras dos
desempregados pela oportunidade de se qualificar enquanto faziam –
ou se preparavam para fazer - a transição do âmbito da
universidade para o do mercado do trabalho
Nem
Fernando Henrique Cardoso foi tão longe a ponto de instaurar tal
dispositivo elitista e de exclusão social, que na prática bloqueia
o acesso dos não-ricos às pós-graduações. Apesar de todas as
dificuldades impostas na era tucana, as bolsas foram mantidas e, ao
contrário do que hoje acontece, havia verbas para viagens e
congressos.
Ameaça
concreta
Além
da ameaça per se à pesquisa inerente aos cortes de verbas, ao
elitismo e exclusão social que traz à pós-graduação, e ao
agravamento do já alto desemprego de recém-formados, a aprovação
do fim da gratuidade constitui um passo concreto em direção à
privatização da universidade pública, velho sonho do
conservadorismo brasileiro.
A
intensificação do sucateamento das graduações, a extensão do fim
da gratuidade para tal faixa de ensino e a flexibilização de
contratos de trabalho de professores são os próximos passos. Até
que desapareça a divisão entre universidades públicas e privadas,
o nível de ensino se nivele por baixo – como hoje ocorre no setor
privado - e aos professores sejam oferecidos salários (ainda mais)
humilhantes (como os R$500 mensais que as corporações de ensino
superior hoje pagam a iniciantes).
Jogo
duplo
O
petismo e seus porta-vozes irão, como de praxe, tentar colocar a
culpa por mais esse retrocesso no conservadorismo do atual Congresso
– como se tal tendência fosse a antítese do partido e não, em
larga medida, um fruto da realpolitik lulista e da busca deliberada
de hegemonia à direita empreendida por Dilma em seu primeiro
mandato, com suas alianças aprogramáticas, ditadas únicamente por
interesses e sua subserviência ao conservadorismo religioso, que
hoje cobra um preço tão alto.
Mas
os fatos estão documentados: enquanto PSOL, Rede e PCdoB votaram
contra o projeto, o PT liberou bancada, mantendo a estratégia de não
contrariar as demandas dos partidos conservadores, pois precisará de
seus votos na votação do impeachment. Depois com a desfaçatez
costumeira,vem posar de defensor da universidade pública - e tem
gente que ainda cai nessa.
Prioridade
à Educação?
Pior:
um governo que se vale do slogan “Pátria Educadora” e cuja
mandatária foi eleita jurando priorizar a Educação não mexeu uma
palha para se contrapor ao projeto do deputado Alex Canzani (PTB/PR),
cuja “justificação” para o fim da gratuidade na pós-graduação
chega a ser ofensiva de tão mal informada:
"Embora sejam, em última instância, atividades de ensino, geralmente se dirigem a públicos restritos, quase sempre profissionais e empregados de grandes empresas, constituindo importante fonte de receita própria das instituições oficiais". [aqui, a íntegra da PEC 395.]
Como um projeto com uma visão tão tacanha do que seja a pós-graduação pôde transitar e ser aprovado na Câmara? Cadê os quadros qualificados do MEC para explicarem a esses senhores o papel da pós-graduação nas sociedades contemporâneas, e a exclusão social e educacional que tal medida significa em um país em desenvolvimento como o Brasil? A última – e ínfima - esperança reside agora na reação dos senadores ao projeto.
O
coletivo pelo pessoal
O
absoluto desinteresse do governo tem, como já apontado, uma razão
de ser, ainda que esta diga respeito exclusivamente à manutenção
do poder presidencial, não importa a que custo em termos de ameaça
às conquistas sociais. Em nome de tal meta pessoal-partidária,
Dilma sacrifica direitos trabalhistas, boicota desempregados,
desterritoraliza os indios, patrocina o retrocesso na pauta
biopolítica – e agora tira a pós-graduação do alcance dos
estratos baixos e medianos. E o resultado de tanto conservadorismo
tem sido nulo.
Restam
a Dilma três alternativas: uma guinada à esquerda, renegando a
insensibilidade social neoliberal e comprometendo-se, de fato, com as
demandas populares, o impeachment ou a renúncia.
Sinuca
de bico
A
primeira alternativa é uma impossibilidade, por conta do grau de
comprometimento do petismo com alianças espúrias e com um modelo de
desenvolvimento tão arcaico quanto perverso, ora em plena crise (a
não ser para o Bradesco e o Itaú, que continuam batendo recordes de
lucro).
A
segunda parece cada vez mais distante, não só como resultado do
comércio de balcão do governo com seus algozes, mas por
efetivamente não haver, até o momento, prova de crime de
responsabilidade cometido no presente mandato (como já tive
oportunidade de assinalar em outra ocasião, incompetência e mesmo
estelionato eleitoral depõem contra Dilma, mas não justificam
legalmente o seu impeachment).
Por
fim, a terceira não passa de uma quimera, pois demanda uma
estadista, que se interesse mais pelo futuro do povo e do país do
que pela manutenção apenas nominal, cosmética, do próprio poder.
O
país aguentará?
Assim
sendo, restará ao país continuar a sangrando por mais três anos,
dois meses e nove dias, com Dilma dando seus dedos aos conservadores
- muitos dos quais, como o hoje vilão Eduardo Cunha, cresceram à
sombra das alianças aéticas do petismo -, desde que lhe deixem os
aneis.
Enquanto
isso a crise se adensa, o número de desempregados se multiplica, os
estabelecimentos fechados se proliferam ao longo dos quarteirões, os
salários compram cada vez menos, os relatos sobre o sucateamento da
saúde e da Educação se avolumam, e mais índios são mortos ou se
suicidam enquanto suas terras são invadidas por ruralistas, sob o
olhar complacente da primeira-amiga Kátia Abreu.
E
a ansiedade e a estupefação ante a deteriorização do país do
futuro assombram cada vez mais cidadãos e cidadãs, que se
perguntam: “- Até quando?”.
(Imagem retirada daqui)
2 comentários:
Excelente texto como muitos neste blog. Acrescento que infelizmente, a medida de acabar com a gratuidade obrigatória de pós graduação vai ajudar a piorar a qualidade dos profissionais que saírem com títulos com os de mestrado e doutorado, pois o critério não será mais a vocação, o talento e o esforço dos profissionais a serem formados, mas o dinheiro que puderem pagar para aproveitarem os cursos e se formarem.
Convém lembrar da grande possibilidade de haver excelentes profissionais nas classes menos abastadas, mentes privilegiadas de ideias inovadoras que serão desperdiçadas por não terem condições sequer de matricular em algum desses cursos. Enquanto isso medíocres que puderem pagar, certamente conseguirão o doutorado com relativa facilidade.
Com certeza, Marc, por conta da cobrança de mensalidades, há o risco concreto tanto de queda da qualidade de ensino quanto de desperdício de talentos advindos das classes economicamente menos favorrecidas.
Obrigado pelo seu comentário.
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