A posse de Thomas
Traumann como ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom),
ocupando o lugar que fora de Helena Chagas desde o início do governo
Dilma Rousseff, acena para uma reformulação na política de
distribuição de verbas publicitárias federais, com a chance de uma
incorporação mais substancial de sites independentes e blogs
políticos em detrimento do benefício virtualmente exclusivo à
mídia corporativa até então vigente.
Trata-se de uma
possibilidade altamente salutar e de uma medida há tempos acalentada
pela blogosfera não corporativa. No entanto, por razões que serão
elencadas ao longo do artigo, o sucesso de sua implementação
depende da capacidade de levar em conta a trajetória e a atual
conformação do campo político na web, as quais examinaremos a
seguir.
A mídia na mira
A consolidação de uma
arena política na internet brasileira está diretamente ligada ao
exercício da crítica à mídia, que se dissemina de forma
expressiva nos blogs a partir do início do terceiro milênio, no
bojo do advento da web 2.0, mais interativa e veloz, e da
consolidação, nas redes sociais, de uma militância engajada na
primeira eleição presidencial vencida por Luiz Inácio Lula da
Silva.
Antes disso já era
exercida amiúde por um punhado de atores virtuais e, desde 1996, a
razão de ser do Observatório da Imprensa, capitaneado pelo decano
Alberto Dines e o modelo para uma série de iniciativas semelhantes,
na academia e fora dela. Se em tais projetos o exercício do media
criticism, pluralista, primava pela busca (nem sempre bem-sucedida)
por equilíbrio analítico e equidistância político-partidária,
nos blogs e redes sociais viria, ao contrário, a assumir a piori
suas inclinações: tratava-se, sobretudo, de combater e denunciar as
falsidades da mídia corporativa como estratégia de contrainformação
que desmontasse eventuais factoides a favor da oposição ao petismo
– notadamente, os tucanos - e de dar visibilidade a políticas
lulistas que alegadamente a mídia boicotava.
Conquistas e limitações
Tal reação virtual
contra a mídia, em um primeiro momento caracteristicamente
voluntária, amadora e sem uma coordenação central, obteve
conquistas importantes. No atacado, acabou por chamar a atenção de
um número significativo e crescente de pessoas para as manipulações,
a teia de interesses implícitos com o grande capital e o baixo grau
de confiabilidade da mídia corporativa em nosso país. No varejo,
destacou-se em uma série de episódios políticos relevantes: provou
tratar-se de uma mera bolinha de papel um alegado bólido de aço
atirado contra o cocuruto do candidato José Serra; reagiu em peso
contra a tentativa da Folha de S. Paulo de abrandar o período
militar, solidarizando-se ainda com os professores Fabio Konder
Comparato e Maria Victoria Benevides contra as grosserias do
publisher Octávio Frias; por diversas vezes desconstruiu, em questão
de horas, manchetes da Veja intentadas para repercutir durante a
semana toda; não raro contrapôs dados e conhecimentos técnicos à
mera verborragia ideológica, entre tantos outros eventos cuja
atuação desmistificadora contra a mídia foi digna de nota. Talvez
não seja exagero afirmar que outros teriam sidos os rumos das três
últimas eleições presidenciais sem a ação da blogosfera e da
atividade política nas redes sociais – o que dá uma medida de sua
importância e de sua atualidade.
Não obstante a
efetividade de tais conquistas e o fato de constituírem um
indiscutível avanço no âmbito de uma esfera comunicacional que há
décadas mantém-se altamente concentrada e controlada, uma análise
criteriosa do fenômeno exige que se tenham claros seus limites de
alcance e reais dimensões. Pois se, por um lado, tais novos atores
políticos/comunicacionais abriram os olhos de parcelas da população
com acesso à internet - para as quais constituíram-se, a um tempo,
alternativa à mídia corporativa e polo de contrainformação -, por
outro seu raio de alcance, em relação ao conjunto da população
brasileira, segue sendo bem inferior ao que o "efeito bolha"
dos que convivem diuturnamente nas redes sociais e blogs quer fazer
crer. Quem convive em ambientes não virtuais diversificados em
termos etários, educacionais e socioeconômicos constata com
facilidade que um número enorme de pessoas não leva em conta, mal
ouviu falar ou sequer teve algum contato com a blogosfera e os
debates políticos nas redes sociais, os quais estão longe de
constituírem suas fontes recorrentes de informação ou de exercer
alguma influência direta na formação de seu raciocínio político
ou decisões eleitorais.
Duplo paradoxo
Além desse problema –
que, reflexo da própria relação de parcelas da população com a
política, é de cunho socioeducativo, transcendendo o âmbito da
comunicação política na internet -, uma análise mais detida
evidencia que esta não tem sido uma atividade desprovida de
percalços. No I Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, em
2010 - quando ainda havia um sentimento de união entre diversos
desses atores virtuais, hoje inexistente -, Luiz Carlos Azenha, do
site Vi o Mundo, apontou para os limites da crítica diária à mídia
tal como exercida nos blogs e redes sociais, e para a necessidade de
que, como forma de se firmarem como alternativa real à mídia
corporativa, fosse produzido, de forma regular, material jornalístico
original.
Com raríssimas e
fugazes exceções, muito pouco se avançou, em tal sentido, nos
quatro anos que separam a observação de Azenha do presente, o que
torna a blogosfera política presa de um paradoxo: o fato, por um
lado, de a critica à mídia continuar sendo sua atividade precípua
e mais frequente e, por outro, de ainda depender em larga escala da
reprodução de material pela mídia publicado para assegurar uma
postagem diária substanciosa, faz com que a blogosfera se mantenha
presa a uma situação de dupla dependência em relação à mídia.
Basta consultar as postagens dos principais blogs do país ou atentar
para a origem dos tópicos que alimentam as principais discussões de
cunho político correntes nas redes sociais para se certificar de tal
impasse, que fere a autonomia dos blogs e suscita questões
relativas a copyrights. Há a esperança de que tal questão tenda a
ser melhor equacionada à medida que se obtenham formas de financiar
a atividade em bases profissionais.
Desqualificações e
descritérios
Uma segunda e grave
distorção característica desse meio tem sido a forma inapelável e
genericamente pejorativa como a mídia passou a ser tratada. A sigla
PIG [Partido da Imprensa Golpista] difundiu-se e se tornou de uso
corrente nos ambientes virtuais, generalizando a priori uma grave
acusação sem uma respectiva e necessária análise caso a caso que
a corroborasse – e sem claros critérios metodológicos que a
embasassem.
O maniqueísmo e a
falta de critérios que marcam a relação com a mídia apontam para
contradições essenciais da blogosfera política brasileira, hoje.
Um exemplo pedagógico desse processo é que os principais jornais,
como O Globo e Folha de S. Paulo, considerados "PIG" por
definição, se tornam automaticamente fonte de informação
confiável – ou mesmo inquestionável - quando dão notícias a
favor do governo, republicadas com fervor pela blogosfera governista.
Tal incongruência tem
alcance internacional: quando a The Economist colocou o Brasil na
capa como uma economia fulgurante (simbolizada pela estilização da
imagem do Cristo Redentor como um foguete), grande parte da
blogosfera exultou. Porém, alguns meses depois, quando a mesma
publicação aludiu ao baixo desempenho de nossa economia (com o
Redentor/foguete caindo, após um "voo de galinha"), muitos
dos mesmos blogueiros falaram em "PIG" internacional e na
imaginosa influência de um ex-ministro de FHC sobre o periódico.
Partidarismo
Numa blogosfera
amplamente dominada pelo petismo – sobretudo no que tange aos blogs
de grande audiência -, tais contradições e maniqueísmo dão a
medida do caráter tendencioso de um amplo conjunto de atores
políticos virtuais. São capitaneados pelos "blogs
progressistas" e por uma brigada de agentes de mídia social –
multiplicada neste período pré-eleitoral -, pouquíssimos com
explicitada filiação profissional/partidária, mas tão
benevolentes para com medidas governamentais quanto implacáveis
contra seus diletos inimigos, dos quais Joaquim Barbosa e a mídia ora se
destacam.
Esse cerrado
partidarismo que marca as ações de tais atores, os ataques
desqualificadores a dissidentes ou críticos nas redes sociais e a
recusa dos blogs "progressistas" de grande audiência em,
malgrado a alegação de pluralistas, publicarem textos que critiquem
frontalmente o petismo (ainda que à esquerda) sugerem que hoje
repetem amiúde, em sentido inverso, o tendenciosismo, as distorções
e omissões que sempre atribuíram exclusivamente a mídia. Tais
vicissitudes fizeram com que lhes fosse atribuído o duplamente
mordaz apelido de "PIG do B", numa indicação de que não
apenas emulam procedimentos e lassidez ética da mídia, mas o fazem
a favor de uma determinada força política, muitas vezes sem admiti-lo de forma explícita, repetido um procedimento que sempre
criticaram nos meios de comunicação corporativos.
Piora ainda mais esse
quadro a indistinção entre a participação espontânea e
voluntária de indivíduos nas redes sociais e a ação de agentes de
mídia remunerados pelos partidos, indistinção diretamente
relacionada à recusa antidemocrática destes em admitir e tornar
pública a própria condição profissional, numa conduta que,
paradoxalmente, aposta no obscurantismo e no falseamento como
estratégia de ganhar respeitabilidade e conquistar apoio político e
votos. Para complementar a farsa, tornaram o tema um tabu e reagem
agressivamente contra quem quer que ouse questionar tal omissão e
questionar seu caráter farisaico, que fere a ética pública e
acrescenta mais um elemento de falseamento ao jogo político.
Dilemas éticos
A combinação, por um
tempo considerável, de falta de critérios objetivos, paixões
partidárias exacerbadas e baixa porcentagem de produção de
material original não analítico (lacuna esta que tende a levar à
repetição e ao agravamento tanto do efeito de manada açulado pelas
redes sociais quanto da dependência em relação ao jornalismo
corporativo enquanto fonte primária) tem feito com que a blogosfera
– notadamente a mal chamada "blogosfera progressista",
cujo comprometimento com o projeto de poder petista é atávico - se
defronte atualmente com sérios dilemas de validação da veracidade
de suas publicações e de capacidade de comunicar-se e interagir com
audiências que não comunguem de suas paixões político-partidárias.
Mais grave: episódios
recentes, como a delação de manifestantes à PMERJ via redes
sociais ou a difusão, por um dos principais "blogueiros
progressistas", de uma foto digitalmente alterada de um protesto
popular, em que, por artes do Photoshop, uma suástica nazista
substituiu o que era na verdade o símbolo do anarquismo, agravam
ainda mais a situação e demonstram que, além de nem sempre a
blogosfera aplicar a si mesma o rigor ético que cobra da mídia
corporativa, eventualmente incorre ela própria em graves deslizes
deontológicos – e sem reconhecê-los publicamente ou por eles se
desculpar.
Mudanças à vista
A questão da mídia no
Brasil, desnecessário dizer, continua sendo um assunto de máxima
urgência. Oligopolizada, classista, concentrada na mão de poucas
famílias com interesses políticos em comum, usada como moeda
política. Nesse ambiente, a relação da blogosfera e de muitos dos
atores políticos virtuais com a mídia, eivada das contradições e
do maniqueísmo acima apontados, se deu, até agora, sob a égide de
uma contradição essencial: quem, em larga medida, vem sustentando
financeiramente as corporações midiáticas – muitas em situação
pré-falimentar - é o próprio governo Dilma, através da
insistência de Helena Chagas em seguir à risca o tal "critério
técnico" na divisão de verbas oficiais.
A possibilidade de que
o novo ministro da Secom diversifique as verbas publicitárias
governamentais para além das corporações midiáticas até agora
beneficiadas é, como já dito, alvissareira e tem potencial de
colaborar para o avanço do debate democrático no país. É natural
que a blogosfera política receba parte desses insumos, mas isso deve
ser feito com critérios claros, transparência e pluralidade e em
troca da obediência a pressupostos éticos republicanos. Do
contrário, corre-se o risco de que o dinheiro público venha a
servir tão somente para alimentar a correia de transmissão do
partido governista de turno – o que, à revelia de quem estiver no
poder, seria um desserviço à democracia.
(Imagem retirada daqui)
Segunda versão de artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa.
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