Mas Entre os Muros... me decepcionou. Não vou me alongar, pois a intenção não é escrever uma crítica do filme, que se não apresenta o mais grave defeito de boa parte do cinema francês atual – querer ser americano – tampouco oferece sequer espasmos do espetáculo estético, formal ou reflexivo caro à linhagem dos “filmes de autor” da França.
A intenção do diretor parece ser, através de uma abordagem hiperrealista das relações professor-aluno em uma escola da periferia, provocar no espectador a exasperante sensação causada por uma situação tensa e aparentemente sem saída que se repete não apenas todos os dias da semana, mas ano após ano. Pena que o filme limite-se a tal mecanismo de repetição e exaustão, sem jamais provocar a epifania que o supere, o que faz com que exasperante torne-se a experiência de assisti-lo.
O efeito que Entre os Muros... teve em mim foi me fazer lembrar dos bons filmes de um subgênero cinematográfico que eu simplesmente venero: o dos “filmes de professor”. Essencialmente norteamericano, no mais das vezes restrito às produções de baixo orçamento, esse subgênero é exemplar de um dos maiores méritos históricos – hoje em dia rarefeito e reduzido a fórmulas repetitivas - do cinema hollywoodiano: a capacidade de contar histórias que prendem a atenção, entretêm e emocionam o espectador.
A intenção do diretor parece ser, através de uma abordagem hiperrealista das relações professor-aluno em uma escola da periferia, provocar no espectador a exasperante sensação causada por uma situação tensa e aparentemente sem saída que se repete não apenas todos os dias da semana, mas ano após ano. Pena que o filme limite-se a tal mecanismo de repetição e exaustão, sem jamais provocar a epifania que o supere, o que faz com que exasperante torne-se a experiência de assisti-lo.
O efeito que Entre os Muros... teve em mim foi me fazer lembrar dos bons filmes de um subgênero cinematográfico que eu simplesmente venero: o dos “filmes de professor”. Essencialmente norteamericano, no mais das vezes restrito às produções de baixo orçamento, esse subgênero é exemplar de um dos maiores méritos históricos – hoje em dia rarefeito e reduzido a fórmulas repetitivas - do cinema hollywoodiano: a capacidade de contar histórias que prendem a atenção, entretêm e emocionam o espectador.
O primeiro clássico no gênero, que estabeleceria alguns dos procedimentos básicos mencionados acima é Sementes de Violência (Blackboard Jungle, Richard Brooks, 1955), estrelado pelo ator canadense Glenn Ford e por Sidney Poitier, o primeiro grande astro negro do cinema norteamericano a superar – como ator versátil e não valendo-se apenas de tipos cômicos - a barreira racial. Ele dá um show de interpretação como Gregory Miller, o rebelde que, acusado, decide confrontar o professor. Doze anos anos depois, Poitier estrelaria – desta vez como o professor - outro clássico, talvez o mais reverenciado do gênero, Ao Mestre com Carinho (To Sir, with Love, James Clavell, Inglaterra, 1967). O filme teria uma boa mas incomparavelmente inferior sequência 35 anos depois (Ao mestre com Carinho 2/To Sir with Love II), dirigida para a TV pelo prestigiado Peter Bogdanovich, pesquisador de cinema e realizador de A Última Sessão de Cinema (The Last Picture Show, 1971).
O original foi refilmado diversas vezes, com algumas variações na trama e quase sempre de forma não oficial. Uma das melhores (e menos conhecidas) versões se chama O Preço do Desafio (Stand and Deliver, Ramón Menéndez, 1988) e é estrelada por Edward James Olmos, que dirigiria, 18 anos depois, o bom telefilme Walkout, que inicialmente segue estrutura similar à dos "filmes de professor" mas desenvolve-se contando a história (real) da revolta dos chicanos nas escolas de segundo grau dos EUA (passa no canal a cabo TNT de quando em quando).
Há algumas outras versões um tanto bizarras mas palatáveis como entretenimento, como Um Diretor Contra Todos (The Pincipal, Christopher Cain, 1987), estrelada por James Belushi – sempre ótimo no papel de loser -, e Mentes Perigosas (Dangerous Minds, John N. Smith, 1995), com a bela Michelle Pfeiffer vivendo a professora idealista lançada às feras.
Outras adaptações do tema, com pretensões alegadamente mais sérias, são, ao meu ver, menos eficazes e não tão divertidas. São o caso de O Clube do Imperador (The Emperor’s Club, Michael Hoffman, 2002), protagonizado pelo limitado Kevin Kline, e de O Sorriso de Mona Lisa (Mona Lisa Smile, Mike Newell, 2003), que tem como estrela o colírio Julia Roberts, além de contar com um bom e belo elenco de coadjuvantes - mas não passa daqueles filmes que, embora bem-feitos, não acrescentam muito. Também o superestimado Sociedade dos Poetas Mortos (Dead Poets Society, Peter Weir, 1989), estrelado por um excessivamente histriônico Robin Willians, embora possua méritos evidentes, é por demais encharcado de pieguice. Várias colheres de acúcar a menos lhe fariam bem.
Uma variação do tema é a do treinador esportivo que chega à uma escola secundária ou a uma universidade de terceira linha para treinar um time de esportistas rebeldes - e, invariavelmente, péssimos alunos. Ao final, é claro, faz com que seus pupilos atinjam resultados superlativos, na quadra (embora nem sempre conquistem o torneio de turno) e nas salas de aula. Momentos Decisivos (Hoosiers, David Aunspaugh, 1986), estrelado pelo carismático Gene Hackman é um dos melhores exemplos dessa linhagem, à qual também pertence Coach Carter, Treino para a Vida (Thomas Carter, 2005), em que Samuel L. Jackson tem, só pra variar, uma tremenda atuação no papel-título. Até o figuraça Nick Nolte andou protagonizando fitas do tipo, como o transgressor técnico de basquete de Blue Chips (Willliam Friedkin, 1994).
Uma terceira linhagem do subgênero é a dos filmes sobre professores de música. Nela se incluem Música do Coração (Music of the Heart), dirigido por Wes “Freddy Kruger” Craver e estrelado pelo fenômeno Meryl Streep como a professora que luta para ensinar garotos do Harlem a tocar violino, e o veículo para Jack Black, Escola de Rock (The School of Rock), dirigido por Richard Linklater em 2003. Mas meu favorito nessa estirpe é Adorável Professor (Mr. Holland’s Opus, Stephen Herek, 1995), protagonizado por Richard Dreyfuss, que seis anos depois encarnaria novamente - e de forma magistral - um professor, dessa feita em uma universidade para moças, contracenando com a ótima Marcia Gay Harden como o cáustico personagem-título de The Education of Max Bickford - que, assim como My So-Called Life, tem a mística das séries que, embora desenvolvam uma abordagem aguda do tema e do estrato social retratados (ou por isso mesmo), duram apenas uma temporada.
O recente Escritores da Liberdade (Freedom Writers, Richard LaGravanese, 2007), baseado em uma história real e protagonizado pela excelente atriz Hillary Swank, inova ao perfazer uma curiosa ponte entre o universo dos adolescentes dos guetos de Los Angeles e o dos judeus antes e durante a Segunda Guerra Mundial. Prova de que o subgênero promete sobreviver por várias reencarnações.
5 comentários:
Maurício,
Não sou especialista em cinema, mas a impressão que eu tenho como espectador é que Hollywood faliu o cinema ocidental nos anos 80 e, de certa maneira, faliu a si mesmo nos anos 90. Os EUA de hoje produzem muito e ao mesmo tempo não produzem nada, enquanto a França e, principalmente os demais países europeus, produzem pouco e mal. Se pararmos para pensar no cinema mundial nos anos 60 havia coisa boa da União Soviética até os EUA, passando pela Europa Ocidental - principalmente Itália e França - incluindo até mesmo Japão e, em alguns sentidos, o Brasil. Peguemos, por exemplo, "os filmes de arte", eles conseguem ser mais pretensiosos e chatos do que efetivamente inteligentes. Enfim, é o vazio da nossa época.
É, Hugo, a crise é mesmo brava, tanto em Hollywood quanto no resto do mundo. O cineasta Carlos Reichenbach, em seu blog, comenta da incrível dificuldade de se eleger os melhores filmes da década - por absoluta falta de títulos de qualidade. Ele também pergunta, cheio de saudosismo, após rever a obra-prima "La Luna", de Bertolucci, por que não se fazem mais filmes assim. Eu, humildemente, subescrevo tudo o que ele disse. Mas há um fato perturbador: o cinema continua sendo uma das indústrias mais rentáveis dos EUA, a despeito de sua suposta perda de qualidade. Pessoalmente, penso três vezes antes de gastar meus minguados caraminguás nas cada vez mais repetitivas fórmulas hollywoodianas.
Maurício,
Teu texto, do qual gostei muito, me provocou uma reflexão e uma ziquezeira e, como o comentário ia ser muito grande, fiz um "post" no meu blog. Dá uma olhada lá.
Maurício,
Também não sou especialista em cinema e, na verdade, tenho muito pouco a falar sobre a qualidade do cinema atual. Pra mim filme bom é o filme que eu gosto, aquele que me toca de alguma maneira.
Uma amiga diz que não tem graça ir ao cinema comigo porque não dá pra discutir o filme depois, e não dá mesmo. Admito que sou uma péssima companhia para esse tipo de programa.
Eu gostei de "Entre os Muros". Devo dizer que sou professor, por isso o filme deve ter tido um significado diferente pra mim que convivo diariamente com adolescentes em sala de aula.
Para quem é professor a pergunta que se faz depois que as luzes se apagam é: Por que sou professor? Ou: Vale a pena? É como se olhar no espelho.
O único porém é que os alunos do filme são mais comportados que aqueles que conheço e a escola infinitamente mais equipada. Também achei o professor do filme um tanto "arrogante".
Dos filmes que você citou eu assisti alguns, como "Ao Mestre Com Carinho" e "O Sorriso da Mona Lisa". Tem um outro filme na mesma linha que é "Vem Dançar", com Antônio Bandeiras. São bons filmes, mas "Entre os Muros da Escola" é muito mais próximo da realidade, talvez próximo demais para estar na tela de cinema.
Eduardo,
Você, como professor, tem uma autoridade para falar do tema que a mim, mero espectador, falta.
Intuitivamente, eu tinha reparado no quanto nossas condições materiais eram piores e, sobretudo, na rebeldia-quase-violência de "nossos" alunos comparados com os "deles"... e (essa é uma longa conversa) isso é sempre um problema comparativo em filmes europeus que denunciam uma situação presumivelmente limite...
Quanto à arrogância do professor, várias fontes me dizem que, no segundo grau, é de fato um problema gaulês...
Mas, só cá entre nós (não espalhe), eu exagerei um pouco na crítica porque queria mesmo era falar dos "filmes de professor" americanos (rs!).
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