A entrevista com o intelectual marxista Carlos Nelson Coutinho na Globo News torna evidente o quanto o virtual monópólio do canal por representantes do "pensamento único" mercadista tem negligenciado aos espectadores, a um tempo, o contato sistemático com visões alternativas de mundo e com alguns dos mais brilhantes intelectuais em atividade.
Coutinho é um pensador com "P" maiúsculo, capaz de transitar por áreas diversas com notável desenvoltura, destacadamente na Ciência Política, na Filosofia e na Crítica Literária (em que eu destacaria o ensaio clássico "O significado de Lima Barreto na literatura brasileira"); tem sido, desde a juventude, um talentoso comentador cultural, com uma visão abrangente e incisiva das relações entre ideologia, economia e cultura (os exemplos são vários, mas meu favorito continua sendo o artigo mimeografado "Cultura política no Brasil contemporâneo" escrito em plena ditadura, sob o pseudônimo de Guilherme Marques e no qual disseca o pós-tropicalismo); marxista especializado em Gramsci e em Lukács, defende a atualidade do método teórico de Marx, mas não se prende a dogmas e não se furta a criticar aspectos datados ou falhos da obra do filósofo econômico alemão, como fica evidente na entrevista ao programa "Milênio" e em trechos desta conferência sobre cidadania e modernidade.
Sua obra escrita o coloca tranquilamente como um dos nomes mais importantes do pensamento intelectual brasileiro contemporâneo. No entanto, eu jamais o vira falar ao público, e a impressão que tive foi das melhores: extremamente articulado, com uma rapidez de raciocínio que por vezes "atropela" a própria entrevistadora, uma oratória clara e fluente, além de uma boa presença cênica, Coutinho reúne as qualidades necessárias para brilhar no meio televisivo como um comentador de primeira linha, se em méritos se baseasse a escolha de nossos mal chamados "formadores de opinião".
Não se deve, no entanto, alimentar ilusões: a presença, no canal noticioso a cabo das Organizações Globo, de um pensador com o seu perfil e com sua visão crítica das relações entre mídia e sociedade (que você pode ler aqui, em entrevista concedida a meu querido mestre Dênis de Moraes) é uma exceção, uma concessão pontual e controlada de espaço ao contraditório, que a jornalista Elizabeth Carvalho tem usado para entrevistar luminares intelectuais da esquerda que comumente não têm espaço na mídia, como Coutinho e Leandro Konder.
Nos telejornais da emissora, no entanto, segue-se ouvindo quase que exclusivamente as "forças do mercado", não obstante elas terem sido não só incapazes de prever a grave crise da economia mundial que ora atravessamos, mas sua principal causadora.
6 comentários:
Os conglomerados jornalísticos em qualquer lugar do mundo estão sempre comprometidos com o sistema. No Brasil, a coisa chega a dar nojo. Vou lhe dizer, a Globo News até que não é das piores!Eles realmente disperdiçaram a chance de fazer uma grande matéria com um cara que realmente tem muito a dizer, coisa rara nos dias de hoje.
Obrigado pela visita
Ot Páscoa e abração
Olá, Maurício!
Antes de mais nada eu quero agradecer a sua participação no Conversa de Bar. Sua intervenção bastante pertinente. Quero aproveitar também para me desculpar pela demora na resposta. Além de alguns contratempos pessoais ainda tive um problemão com o Speedy.
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Concordo com o Júlio Cesar sobre a Globo News não ser tão ruim _ e não é mesmo, embora pudesse ser muito, muito melhor do que é _, mas acho que esta é uma imposição natural do público que assina o canal, muitos com posições ideológicas diversas da emissora.
Infelizmente todos os canais brasileiros pertencem a grupos e famílias com os mesmos interesses e, parece, com as mesmas ideias e os mesmos pontos de vista. A TV Cultura, que já foi uma opção ao pensamento único das outras emissoras, hoje é apenas uma emissora a serviço dos mesmos grupos que dominam os outros canais, graças aos governos Alckmin e Serra.
Uma esperança é a TV Brasil, uma emissora estatal que nasceu exatamente para dar voz e imagem ao que vem sendo excluído pelas redes privadas. Ainda é cedo para dizer, mas se esse objetivo for alcançado talvez a TV deixe de ser reprodutora de um único discurso, que dificilmente darão voz para aqueles que pensam diferente delas.
Eduardo Prado
Vou mais ou menos na mesma toada do Julio e do Eduardo, infelizmente, a Televisão é um meio de comnunicação que fracassou na maior parte do mundo, sucumbindo ao estatismo numa parte do mundo e à ditadura das corporações midiáticas na outra parte - hoje, quase no mundo inteiro.
Pouco lugares no mundo desenvolveram um sistema de televisão verdadeiramente público, talvez o Reino Unido com sua BBC seja verdadeiramente uma exceção.
No que toca o Brasil, tínhamos a TV Cultura querendo ocupar esse espaço de TV pública, ainda que de fato sempre tenha sido estatal - mas a promessa que ela daria certo na Democracia foi por água abaixo a começar pela política de Sarney para as telecomunicações e a política dos tucanos aqui em São Paulo.
Eu faria uma distinção no período tucano/demo aqui em São Paulo: Se Covas, Alckmin e Lembo deixaram a Cultura morrer quietinha, cortanto verbas - e desse modo a obrigando a manter uma grade cheia de reprises -, enfim, fazendo uma política de sufocamento pelo sufocamento. Serra soube dar "uso" para ela; desde o começo, o governador paulista tem feito uma política de limpar para ocupar e isso se materializa com a forma como mandou Heródoto para a geladeira e como demitiu Nassif - isso sem esquecer no que ele transformou o Roda Viva - tudo isso por meio de seu laranja, Paulo Markun.
abraços;
Oi, Edu querido!
Faz tempo que não passo por aqui (é que estive envolta em contratempos familiares)
O que ocorreu com a tv cultura e ocorre desde ha muito com a midia demonstra como a nossa democracia é frágil, e como ela não é um fato estanque e sem história, como ela depende - como disse coutinho no 1o texto - de uma luta contínua de baixo pra cima das estruturas sociais alienadas (ou que se quer alienar da participação e voz do cidadão)
Agora estou me dando uma porção de porradas - poode parecer nada a ver, mas como prof de inglês eu sempre achei que alguns metodólogos que sugeriam que tudo pode entrar em discussão e que as opiniões devem ser respeitadas (um método de aula que surgiu no âmago de um contexto de euforia democrática) não é sempre democrático. Me explico: imagine quevocê como prof coloca em discussão se as pessoas tem ou não direito de ser gay, ou se gays tem ou não direito de adotar uma criança, coisa do tipo. Sempre me senti incomodada em colocar esse tipo de coisa em discussão, pois pra mim não é assunto de opinião, é um direito que deveria ser resguardado: o direito a liberdade, os direitos humanos, que incluem o direito a maternidade/paternidade e os direitos das crianças a ter pais. Mas agora ao ler o texto do coutinho (que não é exatamente sobre isso, nem sobre método de ensino) me deu um tilt de como abordar o tema colocando a questão dos direitos em primeiro lugar e gerando discussão. Putsgrila, 11 anos dando aulas, agora eu nem dou mais aula para grupos grandes e só agora eu tenho uma idéia... bom, o jeito é preparar a aula bonitinha, com material e tudo e tentar distribuir...
Edu, as suas opções de postagem não me deixam colocar a url do blog novo que é algodao.algumlugar.net (é isso mesmo, tá certo. está no meu site www.algumlugar.net e eu uso wordpress, mas tentei as opções open id, wordpress e live journal só pra testar e não deu)
Edu, como você é sabidão em cinema e outras artes, gostaria de convidá-lo a ajudar na discussão sobre a nova lei rouanet, que está aberta à comentários, sugestões, etc até 8 de maio)
bjos
Obrigado ao Julio, ao Eduardo, ao Hugo e à Flávia pelo alto nível dos comentários postados. Esse post despretensioso acabou rendendo um ótimo debate. Valeu!
Um abraço a todos,
Maurício.
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