A questão da comunicação
não só permanece como um grave problema a afetar a democracia
brasileira, como, ao final de um período de 13 anos em que a dita
esquerda esteve no poder, intensificou-se ainda mais. Tanto o
advento da TV digital quanto a difusão do acesso à internet
tiveram, em relação a democratização e melhoria da qualidade do
debate político, efeitos muito menores, pontuais e contraditórios
do que os esperados. Tal façanha se deve, em grande parte, ao misto
de inação e ação partidarizada nas políticas comunicacionais dos
governos Lula e Dilma.
Legado da ditadura
agravado durante a redemocratização, os problemas estruturais da
mídia, identificados e corroborados por estudos diversos, acadêmicos
ou não, permanecem, na essência, os mesmos do início do milênio:
concentração das concessões televisivas em um punhado de
plutocracias familiares, concessões radiofônicas utilizadas como
moeda de troca política, mecanismos ineficazes para coibir o
jornalismo difamatório e fazer valer, em tempo hábil, o direito de
resposta; ausência de planejamento e de políticas efetivas de
democratização da comunicação em curto, médio e longo prazos.
Conluio com as teles
A "novidade"
mais notável é a extensão de tal perfil concentrador e
antirrepublicano ao universo da telefonia celular e da internet, em
que dois ou três conglomerados empresariais - as chamadas teles -
monopolizam o mercado. Em conluio com interesses empresariais e
eleitorais - e em comum acordo com o governo de turno - patrocinaram
o fracasso do Plano Nacional de Banda Larga, que, anunciado na
primeira eleição de Dilma Rousseff como meio de massificação do
acesso à internet no país, revelou-se (mais) um golpe eleitoral.
No bojo de tal
processo, as teles solidificaram-se como as principais doadoras
eleitorais, agravando o jogo de interesses por trás do
"faz-de-conta" das agências reguladoras, herança dos anos
tucanos mantida incólume pelo petismo. Assegurou-se, assim, a
prática de preços extorsivos em troca de um serviço muito abaixo
dos padrões internacionais, um dos mais altos índices de exclusão
digital entre países em desenvolvimento, e - em flagrante afronta
aos direitos do consumidor - a corrente ameaça de impor limites ao
uso da internet, com cobranças extras e até bloqueio do sinal.
Militância e
jornalismo
Se, no que tange ao
seu funcionamento estrutural, as mídias digitais apresentam problemas
de tal gravidade, a situação, em termos de políticas de conteúdo,
não é menos pior. Em vez de criar meios e mecanismos de incentivo à
produção jornalístico-midiática diversificada e crítica,
preferiu-se injetar recursos públicos em blogs e sites de exacerbada
(embora quase nunca assumida) militância em prol de certas forças
políticas. Como resultado, instaurou-se não só a confusão entre
militância partidária e jornalismo, mas entre defesa de um governo
capitaneado por uma aliança entre PT, PMDB e PSD com esquerdismo - o
que teve como agravante um movimento de reação na forma de
proliferação de sites e blogs situados na extrema-direita do
espectro político-ideológico.
No bojo de tal
processo, a própria crítica de mídia, que desempenhou um papel
desmistificador e de alta relevância republicana nos primeiros,
digamos, 15 anos dede o início da operação comercial da internet
no país, expondo pela primeira vez, de forma crua e clara, o
tendenciosismo e as ligações políticas e corporativas dos meios de
comunicação, acabou por degenerar numa vicissitude, uma prática
diária de agitprop maníaca e maniqueísta. Pois denúncias
ou críticas contra as forças políticas defendidas pelo agentes
virtuais ditos progressistas são tratadas, INVARIÁVEL E
AUTOMATICAMENTE, como comprometidas ou "golpistas". Tal
processo, ao recusar, a priori, o confronto analítico com
qualquer critica, fato ou problema - inclusive os reais -, acaba por corresponder ao fornecimento de salvos-condutos incondicionais e eternos às forças políticas de
devoção de tais agentes, eternizando bodes expiatórios os quais
dificultam ou mesmo impedem que aquelas pratiquem a necessária
autocrítica e a eventual correção de rumos.
Descritério e dissimulação
Para completar, tais
agentes virtuais, levando a hipocrisia ao paroxismo, não se furtam a
divulgar amplamente as notícias e análises produzidas pelos mesmos
meios ditos não confiáveis ou "golpistas" quando estas
são favoráveis às forças políticas que defendem. Dois pesos,
duas medidas.
Como seria de se esperar, em um ambiente comunicacional contaminado por tal grau de maniqueísmo, a relação entre a mídia corporativa e o governo é analisada quase que exclusivamente como oposição e enfrentamento. Tal perspectiva, marcada pelo vitimismo, despreza nuances e negligencia ou finge não se dar conta das muitas ocasiões e tópicos em que as ações governamentais foram corroboradas ou mesmo defendidas pela mídia - caso da tunga, digo, reforma da Previdência dos servidores públicos no governo Lula, das privatizações (" concessões", em novilíngua petista), do leilão do Pré-Sal, da escolha de Joaquim Levy para comandar a economia no segundo governo Dilma, da repressão aos protestos de junho de 2013 e da Copa pela Força Nacional, entre tantos outros.
Linhas auxiliares
Enquanto era uma
alvissareira novidade às manipulações do conluio mídia-mercado,
tal atividade de militância travestida de jornalismo conseguiu, ante
um público considerável, passar-se por avanço. Mas hoje, quando o
caráter de linha auxiliar do petismo é evidente - e corroborado
tanto pela divulgação das provas de destinação de vultosas verbas
públicas quanto pelo anúncio de candidaturas eleitorais de
blogueiros ditos progressistas - tornou-se, sobretudo, um canal para
doutrinação de convertidos, agravando ainda mais o efeito-bolha
propiciado pelas redes sociais.
Uma das consequências
mais nocivas de tal processo é que, em um efeito-cascata
generalizante, não só o próprio termo "blogosfera" como,
em larga medida, a atividade jornalística alternativa na internet
foi estigmatizada como partidarizada e militante, portanto, pouco ou
nada confiável como informação e análise - não raras vezes (como
cada vez mais pessoas se apercebem) tanto ou mais do que aquelas
produzidas pelo establishment jornalístico. Entre a
mídia-mercado e a mídia-partido, um vácuo.
Atraso e descompasso
Não só se perdeu,
assim, uma janela de oportunidade histórica de criação de nichos
jornalísticos alternativos sólidos, críticos e plurais, fora do
tacão dos conglomerados midiáticos ou das forças partidárias; mas,
como reação ao engodo de se traficar militância sob o rótulo de
jornalismo, estigmatizou-se, de forma genérica, a possibilidade de
que tal avanço - comum, hoje, à arena pública da maioria dos
países democráticos - venha a acontecer no curto ou médio prazos.
Ou seja, em termos de
políticas de comunicação, o legado de mais de uma década da dita
esquerda no poder inclui não apenas a manutenção, regiamente
alimentada por generosas verbas públicas, do poder desproporcional
de uma corporação midiática erigida em torno de um canal de TV,
mas um modelo concentrador e abusivo de mídias digitais, além da
preferência por patrocinar - até na TV pública, um avanço
democratizante, se se guiasse por princípio republicanos - a ação
de militantes protopartidários em detrimento do estímulo à
diversificação e à crítica em moldes apartidários. Um retrocesso
imensurável, pelo qual o país seguirá pagando um alto preço.