Em uma democracia
incipiente como a brasileira, em que a participação popular
praticamente se restringe ao voto (obrigatório) e cujas campanhas
são antes uma disputa pelo melhor marketing do que um tête-à-tête
com as demandas da população, as manifestações públicas talvez
devessem ser saudadas como fenômenos intrinsecamente positivos.
Isso não tem ocorrido – pelo contrário. Neste momento mesmo, o país está na iminência de duas mobilizações populares nacionais, de objetivos antagônicos entre si e, antes sequer que ocorram, ambas têm sido repetidamente atacadas, em um duplo esforço de desqualificação permeado de intolerância e limitador da própria ação política.
Atos em pauta
Marcados para hoje
(16/08) em 270 cidades, os protestos contra a corrupção e o governo
petista e pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff vêm
sendo articulados há meses, na internet e fora dela, e recentemente
passaram a contar com o apoio oficial do PSDB. Tal apoio, ainda que a
posteriori, conferiu, no meu modo de ver, um caráter de disputa
partidária e de revanchismo que afetou negativamente a mobilização.
Um problema agravado pela a decisão, por parte dos organizadores, de
poupar Eduardo Cunha (PMDB/RJ), deputado e presidente da Câmara,
embora este seja um dos politicos mais em evidência entre os acusados de
corrupção pela Lava-Jato.
Já a reação está
marcada para a próxima quinta-feira (20/06), com manifestações de
apoio à permanência de Dilma no cargo e a denúncia do golpismo
que, segundo os organizadores, permearia os protestos pró-impeachment.
Sindicatos e movimentos sociais que orbitam em torno da administração
petista garantem presença, gerando um duplo receio: que as manobras
de cooptação de tais entidades, por parte do governo, se
intensifiquem ainda mais; e que dinheiro público banque sua
partiticipação no protesto. Tal suspeita foi agravada, na última
semana, por uma série de eventos oficiais que não tiveram outra
função do que manifestar apoio a Dilma, culminando com um
inacreditável desfile em pleno Palácio do Planalto. Tempo, espaço
e, portanto, dinheiro público servindo não à governança do país,
em profunda crise, mas à autopromoção e blindagem pessoal da
presidente.
Preconceitos a granel
Para além desses
receios justificados, as criticas e tentativas de
desqualificação dos protestos têm abusado do recurso a estratégias
do tipo “a parte pelo todo”, ou seja, que identificam
características negativas ou questionáveis de um participante ou
grupo de participantes e as atribui automaticamente à totalidade dos
manifestantes, sem a mínima base de sustentação para tal.
Para os que se utilizam
de tal estratagema, é como se, nos protestos de hoje, uma faixa a
favor da diminuição da maioridade penal, um cartaz esdrúxulo defendendo intervenção militar ou três ou quatro abilolados apregoando a
volta à monarquia transformasse dezenas de milhares de manifestantes
em carrascos de crianças e em monarquistas saudosos da ditadura. Ou,
nas manifestações da próxima quinta, bandeiras vermelhas, o
símbolo da foice e martelo ou uma camiseta de Hugo Chávez significasse
que o governo Dilma é comunista ou bolivariano. Nos dois casos, isso se chama
desonestidade intelectual.
O ponto máximo dessa
estratégia foi, até agora, a divulgação, nas redes sociais, da
foto de um carro, com um cartaz no vidro caseiro convocando para a
manifestação, estacionado em uma vaga para deficiente físico – e
uma legenda no estilo “é esse tipo de gente que vai na
manifestação do dia 16”. Como se as dezenas ou centenas de
milhares de pessoas que irão às manifestações praticassem ou
mesmo concordassem com tal atitude (e como se não houvesse, entre os
que marcharão no dia 20, eventuais violadores da lei e das regras
sociais). É um truque tão barato de propaganda difamatória que
causa espécie constatar que ainda cause efeito em pleno 2015. E, mais grave, que açule generalizações discursivas totalitárias
Extremos que se igualam
Pois, em um
monento de crise extrema no pais, com 100 mil pessoas perdendo seus
empregos a cada mês e o governo batendo recordes de desaprovação,
achar que um público tão grande quanto heterogêno é formado
exclusivamente por “coxinhas e reaças”, como quer o petismo,
oscila entre a ingenuidade extrema e a má-fé evidente.
De forma inversamente
similar, denota as mesmas vicissitudes a associação ao comunismo ou
ao bolivariansimo de um governo cuja política econômica, comandada
por Joaquim Levy, é marcadamente neoliberal.
Há toda uma gradação
de posições, à esquerda, à direita e pra fora desta divisão
binária, que escapa a tais esquemas simplistas e é propositadamente ignorada.
De minha parte, por
exemplo, apesar das muitas e graves críticas que tenho em relação
ao governo Dilma, não concordo com as demandas da manifestação de
hoje, sendo neste momento contra o impeachment, por razões que já explicitei em
outra ocasião. Não obstante tal discordância, parafraseando
Voltaire, defendo “até a morte” o direito constitucional de meus
concidadãos de se manifestarem, contra ou a favor.
Tocando o terror
Mas, infelizmente para
a democracia, o petismo no poder, para deter a voz das ruas, parece
disposto a mandar às favas qualquer escrúpulo. A aprovação, na
semana passada, da “Lei Antiterrorismo”, enviada pela própria
presidente Dilma ao Congresso, é altamente reveladora do medo do
governo e do grau de violência insittucional, policial e jurídica
que está disposto a usar contra as manifestações públicas.
Além disso, a medida
constitui grave e evidente casuísmo, em um momento em que a
mandatária conta com 71% de desaprovação e só 7% de aprovação e
que, segundo a grande maioria dos analistas, os efeitos da crise e do
ajuste fiscal apenas começaram a golpear os estratos menos
favorecidos da população, apontando para a possibilidade de mais e
maiores manifestações nos próximos meses.
Intolerância a
manifestações
Confirma-se, assim,
como um dos traços distintivos do neopetismo, o horror a
manifestações públicas - um tremendo retrocesso em um partido que
nasceu das multitudinárias greves operárias do ABC paulista. Em
2013, as Jornadas de junho foram inicialmente recebidas com
desconfiança, que logo se transformou em aversão e incitação à
violência oficial contra os manifestantes (seja pelo governo,
através do envio da Força Nacional, seja por parte de governistas,
incluindo lamentáveis casos de delação de manifestantes à PM).
E tal intolerância
segue em fogo alto, como o demonstra a reação do petismo ante as
manifestações de hoje e o silêncio obsequioso de seus blogueiros e
ativistas virtuais ante a violência contra manifestantes pacíficos
exercida pela PM/MG na semana passada, sob o comando -e o posterior
endosso proptocolar - do governador Fernando Pimentel (PT/MG).
Trata-se de algo a se
lamentar profundamente. Pois respeitar e ouvir atentamente as vozes
das ruas a exercitarem o direito constucional de se manifestar -em
vez de descartá-las a priori - é atitude essencial à democracia e
transcende os indivíduos e os partidos políticos. Sem isso não há
diálogo efetivo e as eventuais críticas se tornam a expressão
estéril e egoista de uma posição pré-determinada.
(Imagem retirada daqui)
2 comentários:
Prezado Maurício,
Creio que esta afirmação, "Mas, infelizmente para a democracia, o petismo no poder, para deter a voz das ruas, parece disposto a mandar às favas qualquer escrúpulo. A aprovação, na semana passada, da “Lei Antiterrorismo”, enviada pela própria presidente Dilma ao Congresso" não é compatível com as seguintes fontes: "Leis antiterrorismo preocupam movimentos sociais" - http://apublica.org/2014/03/leis-antiterrorismo-preocupam-movimentos-sociais/ ,e http://www.folhapolitica.org/2015/03/dilma-engavetou-lei-antiterrorismo-para.html. Petismo contra a democracia??? Petismo querendo deter a voz das ruas??? A Lei saiu do Senado e mesmo que tenha um senador petista entre os autores não quer dizer que o "petismo" (a Dilma, o Lula ou o PT, seus militantes e simpatizantes, concordem com isso). Aliás, o tal senador baiano que participou da elaboração da lei já está costeando o alambrado da direita. O petismo nasceu com a crítica e a contestação do chamado socialismo real. Terrorismo é o que faz um juizinho autoritário e falso moralista que prende cidadãos e os tortura psicologicamente para que delatem o que for conveniente aos patrões e capangas do togado. Terrorismo é o que o desgoverno paranaense fez com professores que se manifestavam nas ruas.
Caro `Zejustino,
A lei foi submetida ao Congresso pela presidente Dilma e nada menos do que 50 parlamentares petistas votaram a favor.
Quanto às tais "fontes" que cita, estão longe de constituírem parte respeitável da imprensa. Pelo contrário: só existem como resultadodos esforços governamentais para, através da Secom, manipular a percepção de realidade do cidadão/eleitor.
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