A aprovação do
governo Dilma cai ao seu menor nível, atingindo 13% no Datafolha,
12% no Ibope e, segundo informações confirmadas por fontes
palacianas, menos de um dígito em pesquisa interna do governo -
conforme relata, entre outros, o colunista Gerson Camarotti.
Um índice tão ínfimo
indica que não se trata mais, apenas, de reações gerais ao
desempenho do governo em tópicos como economia, ética ou Educação.
Tamanho recuo vem sendo acompanhado de um processo de desencanto até
de petistas e simpatizantes para com o petismo, perceptível tanto
entre [ex]petistas históricos quanto em eleitores mais recentes, que
deram em 2014 seu voto a Dilma.
Parece que finalmente a
ficha caiu quanto à irreversibilidade da guinada conservadora
empreendida pelo petismo e quanto à consumação do estelionato
eleitoral tornado efetivo na escolha deliberada de Kátia Abreu e de
Levy no ministério e na adoção de um choque anticíclico
tipicamente neoliberal - por meio do qual o povo, com seus empregos e
carestias, arca com ônus da crise, enquanto a elite continua a se
locupletar, sem que sequer as grandes fortunas sejam taxadas.
Mais do que de uma
radiografia do momento, talvez estejamos diante de um fenômeno cada
vez mais recorrente e abrangente: a constatação (tardia mas
generalizada) de que o alegado esquerdismo que o PT um dia simbolizou
acabou por transmutar-se, após mais de doze anos no poder, em uma
hegemonia conservadora inédita em períodos não ditatoriais. E que,
ao contrário do que se poderia supor, a esquerda se encontra hoje
imobilizada, presa a um vácuo de poder.
Não se trata, de forma
alguma, de uma novidade para os que há mais de uma década vêm
acompanhando política brasileira sem a vista distorcida pelo veneno
do fanatismo político-partidário. Porém, para os que se deixaram
inebriar pelo ufanismo mitômano reinante no periodo, açulado noite e dia por
arrobas militantes, pagas ou não, a volta à realidade pode se
mostrar brutal. Mais alto o coqueiro, maior é o tombo, diz o samba.
Com efeito, o que
alguns analistas teimam em nomear como uma guinada súbita à direita
tem sido, clara e tão somente, o agravamento, o ápice de um
processo inerente à história da relação entre o petismo e o
poder.
A bem da verdade, a
“guinada à direita” começou lá atrás, nos pactos entre José
Dirceu e o mercado financeiro e na transformação do Lula agressivo
e desgrenhado no Lulinha Paz e Amor, criatura que o marketing de Duda
Mendonça tornou palatável a setores da classe média.
A esses estratagemas
iniciais – que muitos julgaram tratar-se de meros truques para
tomar o poder para, aí sim, impulsionar uma agenda de esquerda,
seguiram-se muitos outros, que acabaram por sepultar qualquer ímpeto
reformista e solidificar o poder dos setores que o petismo afirmava
querer combater. Entre tais estratagemas, destacam-se:
- A rendição preliminar ao mercado financeiro simbolizada na Carta ao Povo Brasileiro (publicado pela candidatura Lula em 2002);
- O elasticismo aético de sucessivas alianças ditadas por uma realpolitik forte em pragmatismo, mas rasa em compatibilidade ideológico-programática;
- A opção pela inclusão social via aumento do consumo (e, como bem assinalou Frei Betto, de consumo individualista de bens materiais, não no aumento qualitativo do capital social em Saúde e Educação);
- O genocídio dos povos indígenas, vítimas diretas de tal modelo de desenvolvimento;
- A repressão brutal, via Força Nacional - e o endosso à ação violenta, através da concessão de armamentos e know-how militar aos estados - contra cidadãos e cidadãs que ousaram exercer seu direito constitucional ao protesto público. O resutado: presos políticos em (alegada) plena democracia;
- A substituição, no interior do PT, da democracia partidária pelo dedazo e do debate e construção social de um projeto de país pela adesão ao marketing político tão milionário e pragmático quanto falso e inescrupuloso;
- O sacrifíco de qualquer compromisso, de qualquer ideologia, de qualquer escrúpulo, da própria política, em nome do poder a qualquer custo;
- A renúncia sucessiva a bandeiras históricas da esquerda e do próprio PT, tais como reforma agrária, regulamentação da mídia, questionamento da dívida externa, recusa ao neoliberalismo e combate à privatização.
Cabe ressaltar que essa
lista é apenas um apanhado geral, a título de exemplo, de práticas
políticas claramente caracterizadas como retrógradas e
incompatíveis com um ideário de esquerda. Não foi incluída uma
vírgula sobre temas de suma importância eem relação aos quais há
graves problemas, como a corrupção ou a situação do combate à
miséria e à fome, a grande bandeira petista que ora vivencia um
retrocesso, pois a inflação e adiminuição da atividade
econômica têm feito com que milhares de famílias estejam voltando
a ocupar os estratos mais desfavorecidos da pirâmide social
brasileira – um fenômeno que tende a se agravar muito com os
efeitos do corte no Orçamento.
Note-se que também não
foi sequer citada a relação de negligência sistemática entre o PT
no poder e as pautas da biopolítica – relação esta sempre
mediada, nos últimos 12 anos e meio, pelos interesses da bancada
religiosa da aliança governista.
É mister, ainda,
constatar que um olhar mais detalhado em torno de temas como Educação
e Saúde haveria de constatar a prioridade ao lucro privado em
detrimento do bem público, além da eterna supremacia do improviso
sobre o planejamento estratégico, característica marcante da ação
política no Brasil, da qual o PT não conseguiu distinguir-se, muito
pelo contrário.
Tudo somado, a
necessidade de se repensar criticamente o legado petista, sem os
subterfúgios do fanatismo autêntico ou patrocinado, se impõe como necessária tanto para a retomada da
capacidade de ação do poder público enquanto ente de transformação
social quanto para a recosntrução programática das esquerdas.
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