O fenômeno das migrações tem se acelerado dramaticamente, em âmbito mundial, como um dos principais efeitos do capitalismo tecnofinanceiro que assomou ao primeiro plano, em conluio com o neoliberalismo, a partir de finais dos anos 80, intensificando-se nas décadas seguintes.
Estima-se que o mundo tenha, atualmente, mais de 200 milhões de imigrantes ilegais. A estes se somam os imigrantes legais, aqueles que repetidamente tentam imigrar ilegalmente e um enorme contingente de pessoas que migram regionalmente. Se na década de 70 havia cerca de 2,5 milhões de refugiados, hoje estima-se que o número supere os 25 milhões.
"A humanidade está em marcha na urgência e no caos. Nas últimas décadas, a pobreza, as guerras e a repressão deslocaram milhões de pessoas no mundo inteiro. Algumas fogem para salvar a pele, outras arriscam a pele para fugir da miséria" – o texto faz parte do catálogo da mostra Migrações, baseado no livro Êxodos e na qual o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado expõe um trabalho de sete anos, abarcando 45 países, na tentativa de retratar em instantâneos tal fenômeno. São imagens reveladoras.
Novas faces do capital
No contexto dos processos de desterritorialização intensificados no bojo da globalização, a miséria deixa de ser exclusividade dos rincões da Ásia, da África e da América Latina e passa a coabitar, ainda que nas franjas periféricas, a democracia social europeia.
Assim, o fenômeno das migrações, entre outros feitos, altera a face dos países europeus desenvolvidos. São frequentes as apreensões de embarcações repletas de norte-africanos tentando desembarcar na Itália ou na Espanha, e chegar a determinadas áreas da Inglaterra ou à estação central de Frankfurt, centro financeiro da Alemanha, é confrontar-se com um ambiente urbano o qual, não fossem detalhes como placas informativas e nomes de rua, poderia ser facilmente confundido com o de um centro urbano da Índia – sendo que e é mais fácil avistar um cartaz do astro do cinema indiano Shahrukh Khan do que de qualquer estrela ocidental.
Etnicidade, arte e política
Essas mudanças geram como contra-efeito o fortalecimento de um discurso conservador de preservação da “identidade nacional”, o qual, somado a uma visão míope das soluções para a crise econômica mundial – adotando o remédio que a envenenou - fortalece a direita europeia. Intensificam, ainda, a violência de cunho étnico/racial - as denúncias contra o aumento dos casos de violência racial e de discriminação em todos os países da UE crescem ano após ano.
Esse novo quadro multiétnico está longe de receber das artes em geral a atenção devida. O cinema, arte industrial, tem sido particularmente incapaz de captar – o que diria com a pujança que o tema propicia - essa diversidade urbano-populacional já não tão nova. No mais das vezes, a Europa que aparece nas telas continua sendo branca e ocidental, com a velha nova pobreza multiétnica sendo relegada a regimes de invisibilidade.
"Pirineus is Biutiful"
O recém-lançado Biutiful, do mexicano Alejandro González Iñárritu (cujo trailer legendado você pode ver acima), é uma das honrosas exceções. Nele, a Barcelona glamorosa e ensolarada dos turistas dá lugar a uma periferia sórdida, uma babel poluída onde senegaleses, chineses e espanhóis em petição de miséria disputam as migalhas do capitalismo avançado [daqui em diante contém spoilers].
Os chineses se dividem entre uma dupla de exploradores e dezenas de trabalhadores sujeitos a um regime de trabalho pré-Revolução Industrial, que inclui confinamento noturno (tal como ocorre com bolivianos na industria têxtil paulista). Trancados num cubículo, sua morte coletiva dos por asfixia de gás (que vaza dos aquecedores vagabundos trazidos pelo protagonista, Uxbal), ao reproduzir o meio pelo qual milhões de judeus foram exterminados por Hitler, atenta metaforicamente para um outro holocausto, diário, cruel, mas quase invisível.
Embora às próprias custas, sem a opressão hierárquica vivenciada pelos chineses no filme, os senegaleses, ao comercializarem os artigos piratas que os orientais fabricam, colocam-se em uma situação duplamente vulnerável: como o menos remunerado elo da cadeia de produção e cotidianamente à mercê da violência da polícia.
Personagem real
Coordenando esses elos, fazendo o meio-de-campo com a polícia e explorando, não sem paternalismo, a força de trabalho de chineses e senegalenses, encontra-se Uxbal, o personagem de Javier Bardem. Baseado em uma figura real - como relata Iñárritu num emocionante e historicamente bem-informado relato sobre a construção do filme [ver a aba “Cómo se rodó"] -, o incomum protagonista, que tem ainda de cuidar de dois filhos pequenos e de administrar os vai-e-vem de sua ex-mulher, gravemente bipolar, é informado, logo no início do filme, que está com câncer na próstata e tem poucos meses de vida.
Sem um milímetro de concessão à pieguice, sua busca por redenção e o questionamento da possibilidade de ela ocorrer em meio a tal existência são as temáticas últimas do filme, secundadas por uma miríade de questões existenciais e sociais que as tramas inter-pólos , em sobreposição, despertam.
O astro espanhol dá mostras, uma vez mais, de ser um grande ator. Seu Uxbal é, a um tempo, tão crível e tão contraditório, tão frágil e tão abjeto - e sobretudo tão humano - que é como se existisse de fato. É evidente que os méritos por tal feito não se devem apenas à impressionante atuação de Bardem, mas a um roteiro que promove uma caracterização extremamente bem construída do personagem, a qual não permite enquadrá-lo nos rótulos fáceis de herói ou mesmo de anti-herói – pois ele os transcende.
"Uma porrada"
No entanto, ao contrário do premiadíssimo Amores Brutos (Amores Perros, 2000), do mesmo Iñárritu, em que a narrativa flui fácil e as influências de Tarantino abrem um flanco de comunicação com o público jovem, Biutiful não é um filme para qualquer platéia: o ritmo narrativo é denso, com uma cadência própria, desapressada, e não há a preocupação em fornecer ao espectador picos catárticos – ao contrário, procura-se explorar ao máximo a profundidade psicológica dos personagens e o potencial dramático das situações de modo a fazer aflorar sentidos epifânicos.
O resultado é um filme portentoso, incomum, que arranca lirismo e humanismo da aridez dos personagens e das situações sem deixar de ter o efeito de um soco no estômago.
Blog sobre cinema, jornalismo, política e música, com críticas, análises e perfis.
domingo, 30 de janeiro de 2011
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
A peculiar democracia paulista
O direito ao protesto pacífico é prerrogativa básica da cidadania, assegurado por todas as democracias avançadas.
Em São Paulo, no entanto, há tempos ele não vale mais. Aqui, se um manifestante levantar uma faixa durante um discurso de prefeito leva uma gravata de seus seguranças; se um bando de estudantes resolver gritar palavras de ordem contra o aumento na passagem de ônibus, toma tiro de bala de borracha da PM.
Uma das grandes conquistas do demotucanato bandeirante – ao lado do transporte público de primeiro mundo, dos altos salários dos professores e delegados, dos rios sempre desassoreados e das ruas que não alagam – é, justamente o que muitos paulistas, orgulhosos, chamam de “vitória da ordem contra a baderna”.
Agindo com pulso firme, o ex-governador Serra conseguiu, acreditem, igualar um feito do bravo coronel Erasmo Dias em plena ditadura, quando este invadiu a PUC. O ex-candidato presidencial fez melhor: mandou às favas os escrúpulos e ordenou que sua mansa polícia invadisse a USP, violando, eis que enfim, o outrora sacrossanto espaço de uma universidade pública, cuja utilização foi deturpada por uma juventude que vive a gazetear, a cheirar maconha e a fumar cocaína.
Como sempre, houve quem chiasse, uns defensores de direitos humanos para bandidos, falando em truculência e abuso policial. Porém, como demonstrou um brilhante jornalista, em esforço de reportagem, o que os manifestantes praticaram na USP foi, na verdade, mais do que agressão: terrorismo. Observem os flagrantes das fotos dos guerrilheiros e o texto imparcial do escriba e confiram vocês mesmos, caros leitores.
Mídia imparcial
Pois o tal pessoal do contra acha que uma das principais funções sociais da mídia seria justamente registrar e difundir o que chamam, afetadamente, de “violações e agressões contra a cidadania perpetradas por forças do estado”. Felizmente, o que temos visto em São Paulo é o oposto disso: quando não simplesmente deixa de publicar essas arruaças inconsequentes, nossa briosa imprensa, sempre ao lado dos mais fracos, exagera na indulgência e noticia a ação das forças da ordem contra os provocadores e desordeiros com palavras “neutras” ou que sugerem reciprocidade, tais como “confusão”, “conflito”, "tumulto", “confronto”.
O modo comedido como a imprensa aborda tais temas, recusando-se a demonizar a esquerda e as manifestações populares, embora não de todo fiel à verdade, tem uma razão de ser. Reflete o seu cuidado para com os jovens leitores que, graças à melhoria constante do jornalismo ético que pratica, conquistou.
Pois o governo tucano, através de seu impoluto secretário Paulo Renato, ciente da preciosa fonte de informação confiável que é a nossa imprensa – e com a certeza de que R$250 milhões jamais alterariam sua criteriosa linha editorial - generosa e desprendidamente contratou milhares de assinaturas de nossos mais destacados periódicos para melhorar ainda mais – se é que isso é possível - o nível de ensino nos colégios estaduais.
Assim, em plena liberdade democrática e com a aliança entre estadistas no poder, imprensa ética e povo esclarecido, construiremos, em São Paulo, a civilização do futuro.
Em São Paulo, no entanto, há tempos ele não vale mais. Aqui, se um manifestante levantar uma faixa durante um discurso de prefeito leva uma gravata de seus seguranças; se um bando de estudantes resolver gritar palavras de ordem contra o aumento na passagem de ônibus, toma tiro de bala de borracha da PM.
Uma das grandes conquistas do demotucanato bandeirante – ao lado do transporte público de primeiro mundo, dos altos salários dos professores e delegados, dos rios sempre desassoreados e das ruas que não alagam – é, justamente o que muitos paulistas, orgulhosos, chamam de “vitória da ordem contra a baderna”.
Agindo com pulso firme, o ex-governador Serra conseguiu, acreditem, igualar um feito do bravo coronel Erasmo Dias em plena ditadura, quando este invadiu a PUC. O ex-candidato presidencial fez melhor: mandou às favas os escrúpulos e ordenou que sua mansa polícia invadisse a USP, violando, eis que enfim, o outrora sacrossanto espaço de uma universidade pública, cuja utilização foi deturpada por uma juventude que vive a gazetear, a cheirar maconha e a fumar cocaína.
Como sempre, houve quem chiasse, uns defensores de direitos humanos para bandidos, falando em truculência e abuso policial. Porém, como demonstrou um brilhante jornalista, em esforço de reportagem, o que os manifestantes praticaram na USP foi, na verdade, mais do que agressão: terrorismo. Observem os flagrantes das fotos dos guerrilheiros e o texto imparcial do escriba e confiram vocês mesmos, caros leitores.
Mídia imparcial
Pois o tal pessoal do contra acha que uma das principais funções sociais da mídia seria justamente registrar e difundir o que chamam, afetadamente, de “violações e agressões contra a cidadania perpetradas por forças do estado”. Felizmente, o que temos visto em São Paulo é o oposto disso: quando não simplesmente deixa de publicar essas arruaças inconsequentes, nossa briosa imprensa, sempre ao lado dos mais fracos, exagera na indulgência e noticia a ação das forças da ordem contra os provocadores e desordeiros com palavras “neutras” ou que sugerem reciprocidade, tais como “confusão”, “conflito”, "tumulto", “confronto”.
O modo comedido como a imprensa aborda tais temas, recusando-se a demonizar a esquerda e as manifestações populares, embora não de todo fiel à verdade, tem uma razão de ser. Reflete o seu cuidado para com os jovens leitores que, graças à melhoria constante do jornalismo ético que pratica, conquistou.
Pois o governo tucano, através de seu impoluto secretário Paulo Renato, ciente da preciosa fonte de informação confiável que é a nossa imprensa – e com a certeza de que R$250 milhões jamais alterariam sua criteriosa linha editorial - generosa e desprendidamente contratou milhares de assinaturas de nossos mais destacados periódicos para melhorar ainda mais – se é que isso é possível - o nível de ensino nos colégios estaduais.
Assim, em plena liberdade democrática e com a aliança entre estadistas no poder, imprensa ética e povo esclarecido, construiremos, em São Paulo, a civilização do futuro.
(Foto retirada daqui)
domingo, 23 de janeiro de 2011
Reações contra a blogosfera
Uma das formas mais efetivas de comprovar o quanto a blogosfera e as redes sociais se tornaram, nos últimos anos, relevantes forças na arena pública é atentar para o modo como são descritas pelos agentes do conservadorismo, na política ou na mídia.
Atestado de eficácia
Nesse sentido, é significativo que a pregnante referência feita pelo candidato derrotado José Serra ao que chamou de “blogs sujos” tenha vindo a público um dia antes do I Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas: ela se tornou o grande tema da noite de abertura do evento, sendo recebida com ironia e júbilo pelos participantes. Júbilo? Sim, pois, como sublinhou Luis Nassif no breve discurso que proferiu após apresentar-se com seu grupo de chorinho, tal declaração, ao invés de desonrar a blogosfera, constitui, na verdade, o atestado incontestável de que sua ação efetivamente incomoda as forças que combate.
Já a maior parte da mídia corporativa – que tem atuado como oposição ao governo federal, como reconheceram o jornalista Fernando Rodrigues e a sindicalista patronal e executiva da Folha de S. Paulo Judith Brito – prefere empregar uma tática dupla em relação à blogosfera.
Jogo de desqualificações
Por um lado, procura desqualificar a internet porque esta seria, nas palavras reiteradamente usadas por colunistas corporativos, “terra de ninguém”, reino “da ignorância”, “dominada por hordas agressivas”, onde “troca-se o debate civilizado pela mera agressão” .
Reforçando essa tática de desqualificação, tende-se a instituir, na mídia, uma distinção entre jornalistas profissionais “isentos” e “militantes” - como se os blogueiros pensassem todos do mesmo modo e se mostrassem incapazes de argumentar com equilíbrio e racionalidade; e, por sua vez, os jornalistas fossem seres imaculados, livres de inclinações ideológico-partidárias e, acredite se quiser, infensos às pressões ditadas pelos interesses da corporação em que trabalham.
Jornalismo anacrônico
Em termos efetivos, tais lamúrias pouco fazem além de evidenciar o anacronismo e a recusa ao diálogo de gerações de jornalistas desacostumados ao debate e à crítica pública (a não ser minimamente, em editadas seções de cartas). Há agressividade na web? Basta, como tantos blogueiros fazem, ignorar os que agridem e ater-se aos que querem dialogar, mesmo que o façam através de críticas negativas. Utilizar-se da desculpa da agressividade – que não é monopólio dos que tendem a se opor à posição da mídia, muito pelo contrário – para recusar o diálogo não combina com democracia.
Ademais, enfraquece essas táticas desqualificadoras empregadas por colunistas e editorialistas o fato que as próprias corporações de imprensa para as quais trabalham valem-se, rotineiramente, de jornalistas profissionais travestidos de blogueiros – tais como Ricardo Noblat em O Globo, Josias de Souza na Folha Online e um certo tipo na Veja. Ué, aí a internet serve à exposição de ideias e ao debate? Um pouco de coerência, senhores e madames, por favor...
Patrocínio e publicidade
A segunda tática empregada no esforço de desqualificar a blogosfera é acusá-la de ser “chapa-branca” – incluindo aí insinuações melífluas de que seria financiada pelo governo.
Trata-se de duas falácias. Temas e episódios como a questão agrária, a composição de alianças políticas, a hidrelétrica de Belo Monte, a tramitação do PNDH-3 (Programa Nacional de Direitos Humanos) – e, neste exato momento, a polêmica em torno da licença Creative Commons e da questão dos direitos autorais no âmbito do MinC – mostram não apenas a diversidade de opiniões na chamada blogosfera, mas o quanto setores desta tendem a ser críticos das forças a cargo da administração federal nos últimos oito anos, a depender das medidas por estas tomadas.
Resistência à desinformação
O que ocorre é que, ante uma mídia que tem se recusado sistematicamente a cobrir de forma condigna a atuação do governo federal, preferindo ocultar os feitos positivos e superdimensionar, com a lente de aumento do moralismo neoudenista, os erros - enquanto mitiga as mazelas do demotucanato -, a blogosfera vê-se obrigada a contrapor-se.
Pois, se a imprensa se omite e, numa postura elitista e ofensiva ao povo, recusa-se a ao menos tentar descobrir as razões de um presidente deixar o poder após dois mandatos com 87% de aprovação, é não apenas lícito mas necessário que novas forças comunicacionais preencham essa lacuna.
Afinal, com o perdão da ironia, como afirma um dos dísticos pós-iluministas adotados pelo jornalismo para justificar-se socialmente, “o público tem o direito de saber”.
Mídia quer monopólio de verbas
Já a acusação de que os “blogs sujos” seriam financiados pelo lulopetismo, embora falsa e falaciosa, tem sido irresponsavelmente ecoada por colunistas da velha mídia e, nas caixas de comentários dos blogs, por internautas anti-petistas ou que se identificam com o projeto neoliberal da direita brasileira.
E ela é falsa e falaciosa por quê? Em primeiro lugar, porque confunde, propositadamente ou por ignorância, investimento governamental em publicidade e patrocínio de estatais. O primeiro, a cargo da Secretária de Comunicação (Secom) está condicionado à aprovação do orçamento federal pelo parlamento e diz respeito à divulgação institucional da administração federal.
E como demonstrei em outro artigo, o fato de o ex-presidente Lula ter recusado o modelo publicitário que herdou, concentrado nos grandes grupos de mídia, e optado por pulverizar parte de tal verba entre pequenas e médias publicações e emissoras de rádio – fazendo o número de veículos beneficiários de publicidade federal saltar de 499 para 6.835 ao longo de oito anos – é uma das questões centrais para se compreender o ódio que os grandes grupos de mídia alimentam contra ele, seu governo e o de sua sucessora.
Ainda assim, tal verba continua irrigar, embora em menor volume, as grandes revistas e jornais do país – e, em conseguinte, o salário de seus jornalistas travestidos de blogueiros. Seria, portanto, absolutamente normal que também irrigasse os “blogs sujos” mais freqüentados. Mas não há comprovação de que isso tenha ocorrido.
Neoliberalismo tardio
Quanto aos patrocínios estatais, obedecem a outra lógica. Desde que a difusão da ortodoxia neoliberal tornou pecado mortal o investimento direto do Estado na produção de cultura e de bens simbólicos, o modelo forjado no país depende largamente do apoio financeiro de empresas, sejam privadas ou públicas. Como nossos empresários, em sua maioria, não primam pelo mecenato, as estatais acabaram por assumir a maior parte da responsabilidade nesse campo.
Essas autarquias, que têm autonomia para decidir o destino de seus patrocínios e verbas publicitárias, têm primado, há quase duas décadas, por uma distribuição extremamente diversificada de suas verbas, contemplando um amplo espectro ideológico e formal. A Petrobras, notadamente, patrocina desde revistas semi-artesanais até, para indignação de muitos, filmes proto-hollywoodianos de uma megacorporação como a Rede Globo e projetos da Fundação Roberto Marinho.
Decadência e crise ética
Isso não impede que os detratores dos blogueiros não-corporativos adotem uma dupla moral, tão curiosa quanto velhaca: criticam azedamente o patrocínio estatal quando este se volta a blogs, publicações ou filmes que oferecem um conteúdo que, no entender de tais comentaristas, tende ideologicamente à esquerda; mas emudecem quando ele favorece publicações com clara identificação com o ideário neoliberal, blogs corporativos os mais hidrófobos e filmes que tentam reabilitar figuras da ditadura.
Que alguns colunistas reproduzam esse discurso falacioso lamenta-se, mas não chega a surpreender: profissionais que não hesitam em traficar, na bacia das almas, sua pena e suas ideias com o baronato midiático não podem mesmo compreender o desprendimento e a generosidade dos que dedicam, graciosamente, parte de seu tempo para divulgar seus próprios ideais e contribuir para a construção de um universo comunicacional verdadeiramente democrático.
Atestado de eficácia
Nesse sentido, é significativo que a pregnante referência feita pelo candidato derrotado José Serra ao que chamou de “blogs sujos” tenha vindo a público um dia antes do I Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas: ela se tornou o grande tema da noite de abertura do evento, sendo recebida com ironia e júbilo pelos participantes. Júbilo? Sim, pois, como sublinhou Luis Nassif no breve discurso que proferiu após apresentar-se com seu grupo de chorinho, tal declaração, ao invés de desonrar a blogosfera, constitui, na verdade, o atestado incontestável de que sua ação efetivamente incomoda as forças que combate.
Já a maior parte da mídia corporativa – que tem atuado como oposição ao governo federal, como reconheceram o jornalista Fernando Rodrigues e a sindicalista patronal e executiva da Folha de S. Paulo Judith Brito – prefere empregar uma tática dupla em relação à blogosfera.
Jogo de desqualificações
Por um lado, procura desqualificar a internet porque esta seria, nas palavras reiteradamente usadas por colunistas corporativos, “terra de ninguém”, reino “da ignorância”, “dominada por hordas agressivas”, onde “troca-se o debate civilizado pela mera agressão” .
Reforçando essa tática de desqualificação, tende-se a instituir, na mídia, uma distinção entre jornalistas profissionais “isentos” e “militantes” - como se os blogueiros pensassem todos do mesmo modo e se mostrassem incapazes de argumentar com equilíbrio e racionalidade; e, por sua vez, os jornalistas fossem seres imaculados, livres de inclinações ideológico-partidárias e, acredite se quiser, infensos às pressões ditadas pelos interesses da corporação em que trabalham.
Jornalismo anacrônico
Em termos efetivos, tais lamúrias pouco fazem além de evidenciar o anacronismo e a recusa ao diálogo de gerações de jornalistas desacostumados ao debate e à crítica pública (a não ser minimamente, em editadas seções de cartas). Há agressividade na web? Basta, como tantos blogueiros fazem, ignorar os que agridem e ater-se aos que querem dialogar, mesmo que o façam através de críticas negativas. Utilizar-se da desculpa da agressividade – que não é monopólio dos que tendem a se opor à posição da mídia, muito pelo contrário – para recusar o diálogo não combina com democracia.
Ademais, enfraquece essas táticas desqualificadoras empregadas por colunistas e editorialistas o fato que as próprias corporações de imprensa para as quais trabalham valem-se, rotineiramente, de jornalistas profissionais travestidos de blogueiros – tais como Ricardo Noblat em O Globo, Josias de Souza na Folha Online e um certo tipo na Veja. Ué, aí a internet serve à exposição de ideias e ao debate? Um pouco de coerência, senhores e madames, por favor...
Patrocínio e publicidade
A segunda tática empregada no esforço de desqualificar a blogosfera é acusá-la de ser “chapa-branca” – incluindo aí insinuações melífluas de que seria financiada pelo governo.
Trata-se de duas falácias. Temas e episódios como a questão agrária, a composição de alianças políticas, a hidrelétrica de Belo Monte, a tramitação do PNDH-3 (Programa Nacional de Direitos Humanos) – e, neste exato momento, a polêmica em torno da licença Creative Commons e da questão dos direitos autorais no âmbito do MinC – mostram não apenas a diversidade de opiniões na chamada blogosfera, mas o quanto setores desta tendem a ser críticos das forças a cargo da administração federal nos últimos oito anos, a depender das medidas por estas tomadas.
Resistência à desinformação
O que ocorre é que, ante uma mídia que tem se recusado sistematicamente a cobrir de forma condigna a atuação do governo federal, preferindo ocultar os feitos positivos e superdimensionar, com a lente de aumento do moralismo neoudenista, os erros - enquanto mitiga as mazelas do demotucanato -, a blogosfera vê-se obrigada a contrapor-se.
Pois, se a imprensa se omite e, numa postura elitista e ofensiva ao povo, recusa-se a ao menos tentar descobrir as razões de um presidente deixar o poder após dois mandatos com 87% de aprovação, é não apenas lícito mas necessário que novas forças comunicacionais preencham essa lacuna.
Afinal, com o perdão da ironia, como afirma um dos dísticos pós-iluministas adotados pelo jornalismo para justificar-se socialmente, “o público tem o direito de saber”.
Mídia quer monopólio de verbas
Já a acusação de que os “blogs sujos” seriam financiados pelo lulopetismo, embora falsa e falaciosa, tem sido irresponsavelmente ecoada por colunistas da velha mídia e, nas caixas de comentários dos blogs, por internautas anti-petistas ou que se identificam com o projeto neoliberal da direita brasileira.
E ela é falsa e falaciosa por quê? Em primeiro lugar, porque confunde, propositadamente ou por ignorância, investimento governamental em publicidade e patrocínio de estatais. O primeiro, a cargo da Secretária de Comunicação (Secom) está condicionado à aprovação do orçamento federal pelo parlamento e diz respeito à divulgação institucional da administração federal.
E como demonstrei em outro artigo, o fato de o ex-presidente Lula ter recusado o modelo publicitário que herdou, concentrado nos grandes grupos de mídia, e optado por pulverizar parte de tal verba entre pequenas e médias publicações e emissoras de rádio – fazendo o número de veículos beneficiários de publicidade federal saltar de 499 para 6.835 ao longo de oito anos – é uma das questões centrais para se compreender o ódio que os grandes grupos de mídia alimentam contra ele, seu governo e o de sua sucessora.
Ainda assim, tal verba continua irrigar, embora em menor volume, as grandes revistas e jornais do país – e, em conseguinte, o salário de seus jornalistas travestidos de blogueiros. Seria, portanto, absolutamente normal que também irrigasse os “blogs sujos” mais freqüentados. Mas não há comprovação de que isso tenha ocorrido.
Neoliberalismo tardio
Quanto aos patrocínios estatais, obedecem a outra lógica. Desde que a difusão da ortodoxia neoliberal tornou pecado mortal o investimento direto do Estado na produção de cultura e de bens simbólicos, o modelo forjado no país depende largamente do apoio financeiro de empresas, sejam privadas ou públicas. Como nossos empresários, em sua maioria, não primam pelo mecenato, as estatais acabaram por assumir a maior parte da responsabilidade nesse campo.
Essas autarquias, que têm autonomia para decidir o destino de seus patrocínios e verbas publicitárias, têm primado, há quase duas décadas, por uma distribuição extremamente diversificada de suas verbas, contemplando um amplo espectro ideológico e formal. A Petrobras, notadamente, patrocina desde revistas semi-artesanais até, para indignação de muitos, filmes proto-hollywoodianos de uma megacorporação como a Rede Globo e projetos da Fundação Roberto Marinho.
Decadência e crise ética
Isso não impede que os detratores dos blogueiros não-corporativos adotem uma dupla moral, tão curiosa quanto velhaca: criticam azedamente o patrocínio estatal quando este se volta a blogs, publicações ou filmes que oferecem um conteúdo que, no entender de tais comentaristas, tende ideologicamente à esquerda; mas emudecem quando ele favorece publicações com clara identificação com o ideário neoliberal, blogs corporativos os mais hidrófobos e filmes que tentam reabilitar figuras da ditadura.
Que alguns colunistas reproduzam esse discurso falacioso lamenta-se, mas não chega a surpreender: profissionais que não hesitam em traficar, na bacia das almas, sua pena e suas ideias com o baronato midiático não podem mesmo compreender o desprendimento e a generosidade dos que dedicam, graciosamente, parte de seu tempo para divulgar seus próprios ideais e contribuir para a construção de um universo comunicacional verdadeiramente democrático.
(Ilustração retirada daqui)
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
O galã Lázaro Ramos e o debate sobre racismo
A elevação de Lázaro Ramos ao posto de galã da principal telenovela global tem gerado controvérsias. Pulula nos blogs e redes sociais um burburinho: alguns questionam a beleza física do ator (que não satisfaria os padrões vigentes), outros apontam inverosimilhança; muitos simplesmente dão vazão a seu abjeto ódio racial.
Graças a estes últimos, não restam dúvidas de que há um forte componente racista em muitos dos questionamentos feitos ao galã negro. Isso é inegável. Mas seria essa a única ou mesmo a principal razão para a polêmica?
Sem que permita qualquer relativização do racismo de muitas das manifestações – e do quanto este é abominável -, a possibilidade de que a má recepção inicial ao conquistador personificado por Lázaro se deva a razões objetivas, não concernentes à cor da pele, traz à tona e evidencia ambivalências e paradoxos recorrentes e aparentemente insolúveis que perpassam muitas das discussões sobre temáticas raciais.
Protagonismo
Lázaro Ramos é um grande ator. Ao lado do conterrâneo e companheiro de geração Wagner Moura – com o qual contracenou em alto estilo no shakesperiano Cidade Baixa – tem se mostrado, muito provavelmente, o maior talento dramático masculino surgido nos últimos 15 anos.
Mas seria realmente um homem muito bonito, que chama a atenção, como se espera que um galã de novela o faça? Trata-se de uma pergunta desagradável e fútil, mas inescapável.
Mais: no formato estafante de gravações imposto pelas telenovelas atuais e numa trama tão rocambolesca que, logo no início, um casal flerta enquanto um avião cai (!), conseguiria Lázaro manter um alto padrão de atuação ou resvalaria para a canastrice?
Conflito de imagem
Outra questão, talvez mais importante, diz respeito à imagem que o ator projetou de si mesmo na televisão. Embora tenha participado, em papéis dramáticos, de filmes nacionais altamente elaborados - com destaque para Madame Satã, de Karim Ainouz (foto acima) - na telinha sua figura está muito associada a tipos cômicos, graças a novelas e à série Ó, Pai, Ó.
Uma amiga do blog resume os efeitos dos fatores acima na má recepção do galã de Insensato Coração:
É apenas uma opinião pessoal, mas com fundamentação argumentativa. Pode-se concordar ou não com ela, mas não simplesmente descartá-la como racista, sob o risco de incorrer em injustiça e truculência, tal como fazem os que atacam Lázaro movidos pelo ódio racial.
Perfil discreto
Uma terceira questão diz respeito ao modo como Lázaro administra sua figura pública. Ao contrário do protagonista de Tropa de Elite, falastrão e de uma ingenuidade política a toda prova, Lázaro faz questão de manter um certo low profile.
E talvez até aí seu modo franco de ser trabalhe contra seu personagem Don Juan. Sobre este, que vive cercado de ao menos duas loiras, ele afirmou recentemente, com modéstia peculiar: “Uma mulher já dá muito trabalho. Imagine duas?”. Convenhamos, na era das façanhas sexuais publicizadas, não é o que se costuma ouvir da boca de um galã global...
Racismo impregnado
Como já dito, não restam dúvidas de que há muito de racismo nas reações – algumas extremamente agressivas – contra o conquistador personificado por Lázaro. Mas são manifestações que certamente aconteceriam se o personagem estivesse na pele de outro ator negro, pois o objeto de sua ira é a possibilidade de um galã com tal perfil étnico-racial.
Muito provavelmente há, nessas reações, um forte componente reativo contra a ameaça suscitada pelo mito do homem negro sexualmente insaciável e bem-dotado - não obstante o fato que, como o demonstram os estudos raciais, essa própria caracterização acaba por constituir-se em mais um fator de racismo, ao circunscrever os negros a um determinado estereótipo sexual fetichizado.
É possível, por outro lado, que muitos dos que rejeitam, com argumentação coerente, a performance de Lázaro Ramos como galã estejam sob influência inconsciente de um racismo pervasivo.
Ainda assim, a hipótese de que Lázaro não esteja mesmo bem no papel não pode ser descartada – até porque recusar, devido exclusivamente à cor de sua pele, a possibilidade de que um ator esteja atuando mal seria incorrer no mais contumaz racismo.
Graças a estes últimos, não restam dúvidas de que há um forte componente racista em muitos dos questionamentos feitos ao galã negro. Isso é inegável. Mas seria essa a única ou mesmo a principal razão para a polêmica?
Sem que permita qualquer relativização do racismo de muitas das manifestações – e do quanto este é abominável -, a possibilidade de que a má recepção inicial ao conquistador personificado por Lázaro se deva a razões objetivas, não concernentes à cor da pele, traz à tona e evidencia ambivalências e paradoxos recorrentes e aparentemente insolúveis que perpassam muitas das discussões sobre temáticas raciais.
Protagonismo
Lázaro Ramos é um grande ator. Ao lado do conterrâneo e companheiro de geração Wagner Moura – com o qual contracenou em alto estilo no shakesperiano Cidade Baixa – tem se mostrado, muito provavelmente, o maior talento dramático masculino surgido nos últimos 15 anos.
Mas seria realmente um homem muito bonito, que chama a atenção, como se espera que um galã de novela o faça? Trata-se de uma pergunta desagradável e fútil, mas inescapável.
Mais: no formato estafante de gravações imposto pelas telenovelas atuais e numa trama tão rocambolesca que, logo no início, um casal flerta enquanto um avião cai (!), conseguiria Lázaro manter um alto padrão de atuação ou resvalaria para a canastrice?
Conflito de imagem
Outra questão, talvez mais importante, diz respeito à imagem que o ator projetou de si mesmo na televisão. Embora tenha participado, em papéis dramáticos, de filmes nacionais altamente elaborados - com destaque para Madame Satã, de Karim Ainouz (foto acima) - na telinha sua figura está muito associada a tipos cômicos, graças a novelas e à série Ó, Pai, Ó.
Uma amiga do blog resume os efeitos dos fatores acima na má recepção do galã de Insensato Coração:
“O biotipo dele cola como galã engraçado, entende? Não para galã lindo tipo Denzel Washington... falta pegada”... "E me parece que ele ainda não achou o tom do personagem”.
É apenas uma opinião pessoal, mas com fundamentação argumentativa. Pode-se concordar ou não com ela, mas não simplesmente descartá-la como racista, sob o risco de incorrer em injustiça e truculência, tal como fazem os que atacam Lázaro movidos pelo ódio racial.
Perfil discreto
Uma terceira questão diz respeito ao modo como Lázaro administra sua figura pública. Ao contrário do protagonista de Tropa de Elite, falastrão e de uma ingenuidade política a toda prova, Lázaro faz questão de manter um certo low profile.
E talvez até aí seu modo franco de ser trabalhe contra seu personagem Don Juan. Sobre este, que vive cercado de ao menos duas loiras, ele afirmou recentemente, com modéstia peculiar: “Uma mulher já dá muito trabalho. Imagine duas?”. Convenhamos, na era das façanhas sexuais publicizadas, não é o que se costuma ouvir da boca de um galã global...
Racismo impregnado
Como já dito, não restam dúvidas de que há muito de racismo nas reações – algumas extremamente agressivas – contra o conquistador personificado por Lázaro. Mas são manifestações que certamente aconteceriam se o personagem estivesse na pele de outro ator negro, pois o objeto de sua ira é a possibilidade de um galã com tal perfil étnico-racial.
Muito provavelmente há, nessas reações, um forte componente reativo contra a ameaça suscitada pelo mito do homem negro sexualmente insaciável e bem-dotado - não obstante o fato que, como o demonstram os estudos raciais, essa própria caracterização acaba por constituir-se em mais um fator de racismo, ao circunscrever os negros a um determinado estereótipo sexual fetichizado.
É possível, por outro lado, que muitos dos que rejeitam, com argumentação coerente, a performance de Lázaro Ramos como galã estejam sob influência inconsciente de um racismo pervasivo.
Ainda assim, a hipótese de que Lázaro não esteja mesmo bem no papel não pode ser descartada – até porque recusar, devido exclusivamente à cor de sua pele, a possibilidade de que um ator esteja atuando mal seria incorrer no mais contumaz racismo.
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terça-feira, 18 de janeiro de 2011
O Clone e os vícios da Globo
Graças ao jornalismo cada vez mais deplorável e partidarizado que pratica, à estréia de mais uma "novela das oito" e a uma nova edição do acéfalo Big Brother Brasil, assiste-se atualmente, na internet, a uma inflamada discussão sobre os malefícios que a Rede Globo exerceria em vastas parcelas da população brasileira.
Tendo a considerar que, em linhas gerais, os críticos estão certíssimos em sua ojeriza ao vício televisivo que essa emissora que cresceu à sombra da ditadura representa para milhões de brasileiros. No entanto, receio ser pura ilusão achar que a desqualificação agressiva dos espectadores os fará deixar de sintonizar, noite após noite, a programação da Globo - na verdade, temo que possa vir a produzir o efeito inverso, estimulando-os a reafirmarem suas escolhas.
Mais inteligente e efetiva do que essa tática agressiva, que, embora bem-intencionada, carrega algo de autoritário em seu bojo, me parece a desconstrução argumentativa das implicações político-ideológicas dos produtos audiovisuais que a Globo oferece.
O texto abaixo insere-se nesse contexto. Parte reeditada de um artigo escrito em 2002 - e publicado na revista da área de criminologia Discursos Sediciosos -, examina criticamente aspectos centrais da novela O Clone, atualmente sendo reexibida no horário vespertino da programação global. Convido o(a) leitor(a) a ler e opinar.
O Clone - O marketing social como discurso totalitário
O sucesso da novela da Rede Globo O Clone, evidenciado por índices médios de audiência de 60 pontos no Ibope, resenhas elogiosas mesmo em publicações avessas a tramas novelescas e premiações por parte de órgãos estatais e associações médicas, veio a ressignificar, em um novo patamar, o aval público ao avanço dos projetos de marketing social da emissora, os quais, através de iniciativas como o Criança Esperança – repercutidas através do grande poder de penetração da rede -, vêm se tornando um dos principais meios de fixação de um ideário de assistência social do tipo terceiro setor, calcado no voluntariado e na filantropia de varejo e na defesa da virtual ausência do Estado como gestor de políticas públicas – o que equivale a apostar na privatização e decorrente eternização da pobreza.
A novela, escrita por Glória Perez, atraiu inicialmente a atenção (e a preocupação) de setores intelectualizados pelo fato de, estreando apenas alguns dias após os atentados de 11 de setembro de 2001, buscar, através de numeroso pólo de personagens, tecer um retrato do modus vivendi de muçulmanos de origem marroquina. A representação tida como condigna de tais caracteres, em um momento de ódios e temores exacerbados e no principal produto de massas da indústria do entretenimento do país – a “novela das oito” –, ao mesmo tempo em que abrandou temores, cativando setores do público usualmente indiferentes a tramas novelescas, constituiu-se no amálgama que “deu credibilidade” e “reforçou o realismo”, da abordagem, por um telefolhetim, de temas como a clonagem humana e o uso de drogas. Este retratado através da trajetória da personagem Mel (Débora Falabella) e seu grupo de amigos e do alcoolismo do advogado Lobato (Osmar Prado).
Além de outros artifícios e truques de marketing da emissora, reforçou sobremaneira tais impressões a utilização de dois recursos narrativos, um inédito (a inserção de depoimentos alegadamente reais de ex-drogados, de grande apelo dramático) e outro utilizado com inédita sem-cerimônia (a visita de personalidades ao bar da personagem Dona Jura (Solange Couto)).
Forma versus conteúdo
Se, do ponto de vista dos chamados “estudos de recepção”, a assimilação de tais práticas narrativas por um público de dezenas de milhões de espectadores, socioeconomicamente heterogêneo, sugere um certo nível de evolução cognitiva do espectador brasileiro, análises detalhadas do conteúdo discursivo subjacente às respectivas abordagens revelam, no entanto, um grau de distorção e manipulação do objeto que, a julgar pelas respostas de crítica e de público, foge da apreensão “naturalizada” das imagens processada pelo espectador médio.
Essa naturalização tende a dissimular o caráter unicamente negativista reservado à abordagem dos usuários de drogas. Os depoimentos dos supostos ex-drogados constroem uma oralidade que inventaria a experiência com drogas como uma via de sentido único e invariavelmente trágica – filhos que pouco a pouco roubam tudo da casa paterna para comprar drogas, mães que abandonam os filhos à própria sorte e se entregam ao vício, seres que se degradam até coabitarem com ratos e baratas, na fissura pela próxima dose. Nesse misto de reality show do mundo-cão e melodrama mexicano é, significativamente, a maconha (e não o álcool, legalizado, comprável em cada esquina, quimicamente viciante e de efeitos comprovadamente devastadores, se comparados aos daquela) o primeiro degrau de uma inescapável escalada rumo a drogas pesadas e à degradação física, psicológica e espiritual. Ou seja, um quarto de século depois, a Globo reedita - como a maconha ocupando o primeiro degrau, no lugar do alcool - a "teoria da escadinha", descartada pela psicoterapia séria em finais dos anos 70.
A essa abordagem unilateral, maniqueísta, “o todo tomado pela parte” da questão corresponde um padrão imagético de decupagem pelo qual os usuários de drogas (ou os “drogados” e “viciados”, únicos vocábulos nesse caso cabíveis, já que “usuários”, ao implicar em um reconhecimento do sujeito e de sua capacidade decisória, é uma designação que a própria abordagem levada a cabo em O Clone desautoriza) não adquirem jamais a inteireza fisionômica, a expressão facial formada por olhos, narizes e bocas, dos seres humanos “normais”: são pedaços de corpos, recortes de braços e de costas, planos-detalhe de nucas, rostos fora de foco; seres que, ao enveredarem pelo “caminho de perdição” das drogas, deixaram de ser sujeitos, perderam, segundo a teledramaturgia da Rede Globo, o direito de ser gente.
Cadê o Estado?
Característica comum à maioria – se não à totalidade – das peças do marketing social da emissora, um terceiro ponto merece atenção na abordagem do mundo das drogas pela "novela das oito": não há menção ao Estado e às suas políticas ou a qualquer forma de estrutura socioconômica sobre a qual se funda e opera a cadeia do tráfico de drogas. A razão última para tal omissão é óbvia: ao apresentar o tráfico e a rede criminal a tal atividade ligada como algo autóctone, o mal em geração espontânea, a narrativa desautoriza – ou mesmo impede - o desenvolvimento de qualquer reflexão sobre a relação entre estruturas sociais e econômicas vis-à-vis germinação e desenvolvimento da criminalidade.
Assim, O Clone, ao invés de estimular em bases efetivas o debate sobre as drogas – como alardeiam, eufóricos, seus (muitos) entusiastas -, pluralizando o enfoque e abarcando, ainda que nos limites da dramaturgia televisiva, a complexidade da questão, restringiu-o à esfera do consumidor – estereotipado como o viciado sobre o qual se erige a cadeia do tráfico, e premido entre a repressão legal e a “salvação” clínico/religiosa -, cristalizando, assim, a marginalização social dos usuários. Trata-se de uma perspectiva que não deixa de trazer em seu bojo alguma lógica (simplista e descontextualizada, mas efetiva) – afinal, se ninguém comprasse drogas o tráfico não existiria. Porém, para avalizar esse discurso – como o faz parcela considerável da classe média brasileira – é preciso desconsiderar uma constatação inegável e deixar de responder a uma questão fundamental.
Sem respostas fáceis
O fato a se negligenciar para assegurar a manutenção da culpabilização do usuário é a constatação de que há mais de uma dezena de países desenvolvidos – incluindo EUA, Alemanha e Inglaterra – nos quais o consumo de drogas é substancialmente maior do que no Brasil, mas em nenhum deles se verifica algo remotamente similar à constituição de um poder criminal paralelo que subjuga comunidades inteiras como se verifica nos morros do Rio de Janeiro.
Ora, se italianos, franceses e holandeses compram, proporcionalmente, muito mais drogas do que brasileiros e lá não há favelas coagidas por poderes paralelos armados, a conclusão óbvia e inescapável é que a culpa pela existência destes não pode ser atribuída ao usuário, mas às peculiares estruturas socioeconômicas da sociedade brasileira, a de maior assimetria entre ricos e pobres no mundo.
A questão fundamental que os estratos que preferem, numa manobra auto-expiatória de tonalidades psicanalíticas, culpabilizar os usuários (a se olhar, como sociedade, no espelho) é: o que os bandos armados que dominam os morros fluminenses fariam se, hipoteticamente, o tráfico de drogas acabasse? Parece-me pouco provável que prefeririam vender maçãs-do-amor e algodão doce nas praças e praias da Cidade Maravilhosa: com o portentoso armamento de que dispõem, muito provavelmente passariam a, com freqüência inaudita,assaltar, seqüestrar e barbarizar os cidadãos. O que provaria - aliás, uma vez mais - que o problema não é a droga, mas uma estrutura social sediciosa e violenta.
O estratagema levado a cabo na telenovela - buscar transferir ao usuário as culpas pela omissão e inabilidade do Estado no trato da questão das drogas no país – é o mesmo que há meses vem sendo praticado pela própria campanha publicitária do Ministério da Saúde, em comerciais dirigidos aos usuários (`aqueles que ainda não trocaram sua TV pela droga, bem entendido), baseados na seguinte linha de raciocínio: “quem sustenta o crime organizado é o tráfico de drogas; quem sustenta o tráfico de drogas é você. Antes de comprar a próxima dose, pense nisso.”
Usuário: vitima ou algoz
Essa simplificação fácil, falaciosa e isenta de causas e conseqüências socioeconômicas das ligações entre crime, consumo e tráfico de drogas (e na qual o mesmo usuário que em outros programas do referido ministério, tal como nas democracias avançadas, é considerado uma vítima enferma do vício - portanto com capacidade de decisão afetada – se metamorfoseia, subitamente, no indutor consciente de todo o processo, aquele que decide, como se arbítrio para tal ato tivesse, abrir ou não a caixa de Pandora da questão das drogas no país), torna-se ainda mais explícita (e perversa) no mais recente comercial do gênero, no qual a associação dá-se de forma direta, através da história de um rapaz que, ao sair de uma “boca de fumo”, vê a mãe ser morta pelos mesmos marginais dos quais acabara de comprar drogas. A seguir nessa linha, a cada flagrante por porte de drogas deveria somar-se, automaticamente, uma autuação por homicídio...
Nesse cenário, granjeia a mistificação. “Maconha mata seus neurônios”, alardeia um dentre tantos anúncios financiados pelo Governo Federal – ou seja, por dinheiro público – que visam estabelecer uma caricata dicotomia entre “drogados semi-retardados e apáticos” e “jovens dinâmicos e saudáveis”. Nenhuma das principais pesquisas de longa duração, realizadas segundo critérios consagrados pela comunidade científica – incluindo o exaustivo estudo de 14 anos patrocinado pela FDA (EUA) -constata “morte” de neurônios em decorrência do uso de maconha. Tais danos estão na esfera de ação das drogas lisérgicas, como os derivados do LSD, “ácidos” sintetizados e cogumelos.
Argumentos falaciosos
Campanhas baseadas em inverdades e na mistificação tendem ao fracasso. Além das pessoas bem-sucedidas e produtivas que pertencem ao círculo de amizades dos jovens, a própria mídia é habitada por personalidades as mais cultuadas notoriamente ligadas ao uso de drogas – e às vezes por longos períodos, como no caso de tantos astros pop. Quem convive com a juventude urbana se apercebe de que o destino de tais estratagemas publicitários é somar-se ao vasto anedotário das campanhas anti-droga, que, ao recorrerem a discursos que os usuários acabam descobrindo, por experiência própria, inverídicos e caricaturais, reforçam a eles a impressão de que o governo os quer ludibriar com tais campanhas – que acabam, assim, se revertendo em contra-propaganda.
Campanhas de prevenção e de combate às drogas, questão de saúde pública, são legítimas e necessárias, sobretudo no âmbito de drogas pesadas e da disseminação de drogas facilmente acessíveis e devastadoras, como o crack e o ecstasy. Porém, goste-se ou não, sua eficácia está diretamente ligada à capacidade de criar empatia e confiança com o público jovem. Mistificação e artifícios enganosos, embalados na narrativa ficcional de uma novela ou em comerciais “criativos”, não ajudam em nada, significam retrocesso e até, eventualmente, pelas razões parágrafos acima explicitadas, podem reverter-se em estímulo ao consumo.
Tendo a considerar que, em linhas gerais, os críticos estão certíssimos em sua ojeriza ao vício televisivo que essa emissora que cresceu à sombra da ditadura representa para milhões de brasileiros. No entanto, receio ser pura ilusão achar que a desqualificação agressiva dos espectadores os fará deixar de sintonizar, noite após noite, a programação da Globo - na verdade, temo que possa vir a produzir o efeito inverso, estimulando-os a reafirmarem suas escolhas.
Mais inteligente e efetiva do que essa tática agressiva, que, embora bem-intencionada, carrega algo de autoritário em seu bojo, me parece a desconstrução argumentativa das implicações político-ideológicas dos produtos audiovisuais que a Globo oferece.
O texto abaixo insere-se nesse contexto. Parte reeditada de um artigo escrito em 2002 - e publicado na revista da área de criminologia Discursos Sediciosos -, examina criticamente aspectos centrais da novela O Clone, atualmente sendo reexibida no horário vespertino da programação global. Convido o(a) leitor(a) a ler e opinar.
O Clone - O marketing social como discurso totalitário
O sucesso da novela da Rede Globo O Clone, evidenciado por índices médios de audiência de 60 pontos no Ibope, resenhas elogiosas mesmo em publicações avessas a tramas novelescas e premiações por parte de órgãos estatais e associações médicas, veio a ressignificar, em um novo patamar, o aval público ao avanço dos projetos de marketing social da emissora, os quais, através de iniciativas como o Criança Esperança – repercutidas através do grande poder de penetração da rede -, vêm se tornando um dos principais meios de fixação de um ideário de assistência social do tipo terceiro setor, calcado no voluntariado e na filantropia de varejo e na defesa da virtual ausência do Estado como gestor de políticas públicas – o que equivale a apostar na privatização e decorrente eternização da pobreza.
A novela, escrita por Glória Perez, atraiu inicialmente a atenção (e a preocupação) de setores intelectualizados pelo fato de, estreando apenas alguns dias após os atentados de 11 de setembro de 2001, buscar, através de numeroso pólo de personagens, tecer um retrato do modus vivendi de muçulmanos de origem marroquina. A representação tida como condigna de tais caracteres, em um momento de ódios e temores exacerbados e no principal produto de massas da indústria do entretenimento do país – a “novela das oito” –, ao mesmo tempo em que abrandou temores, cativando setores do público usualmente indiferentes a tramas novelescas, constituiu-se no amálgama que “deu credibilidade” e “reforçou o realismo”, da abordagem, por um telefolhetim, de temas como a clonagem humana e o uso de drogas. Este retratado através da trajetória da personagem Mel (Débora Falabella) e seu grupo de amigos e do alcoolismo do advogado Lobato (Osmar Prado).
Além de outros artifícios e truques de marketing da emissora, reforçou sobremaneira tais impressões a utilização de dois recursos narrativos, um inédito (a inserção de depoimentos alegadamente reais de ex-drogados, de grande apelo dramático) e outro utilizado com inédita sem-cerimônia (a visita de personalidades ao bar da personagem Dona Jura (Solange Couto)).
Forma versus conteúdo
Se, do ponto de vista dos chamados “estudos de recepção”, a assimilação de tais práticas narrativas por um público de dezenas de milhões de espectadores, socioeconomicamente heterogêneo, sugere um certo nível de evolução cognitiva do espectador brasileiro, análises detalhadas do conteúdo discursivo subjacente às respectivas abordagens revelam, no entanto, um grau de distorção e manipulação do objeto que, a julgar pelas respostas de crítica e de público, foge da apreensão “naturalizada” das imagens processada pelo espectador médio.
Essa naturalização tende a dissimular o caráter unicamente negativista reservado à abordagem dos usuários de drogas. Os depoimentos dos supostos ex-drogados constroem uma oralidade que inventaria a experiência com drogas como uma via de sentido único e invariavelmente trágica – filhos que pouco a pouco roubam tudo da casa paterna para comprar drogas, mães que abandonam os filhos à própria sorte e se entregam ao vício, seres que se degradam até coabitarem com ratos e baratas, na fissura pela próxima dose. Nesse misto de reality show do mundo-cão e melodrama mexicano é, significativamente, a maconha (e não o álcool, legalizado, comprável em cada esquina, quimicamente viciante e de efeitos comprovadamente devastadores, se comparados aos daquela) o primeiro degrau de uma inescapável escalada rumo a drogas pesadas e à degradação física, psicológica e espiritual. Ou seja, um quarto de século depois, a Globo reedita - como a maconha ocupando o primeiro degrau, no lugar do alcool - a "teoria da escadinha", descartada pela psicoterapia séria em finais dos anos 70.
A essa abordagem unilateral, maniqueísta, “o todo tomado pela parte” da questão corresponde um padrão imagético de decupagem pelo qual os usuários de drogas (ou os “drogados” e “viciados”, únicos vocábulos nesse caso cabíveis, já que “usuários”, ao implicar em um reconhecimento do sujeito e de sua capacidade decisória, é uma designação que a própria abordagem levada a cabo em O Clone desautoriza) não adquirem jamais a inteireza fisionômica, a expressão facial formada por olhos, narizes e bocas, dos seres humanos “normais”: são pedaços de corpos, recortes de braços e de costas, planos-detalhe de nucas, rostos fora de foco; seres que, ao enveredarem pelo “caminho de perdição” das drogas, deixaram de ser sujeitos, perderam, segundo a teledramaturgia da Rede Globo, o direito de ser gente.
Cadê o Estado?
Característica comum à maioria – se não à totalidade – das peças do marketing social da emissora, um terceiro ponto merece atenção na abordagem do mundo das drogas pela "novela das oito": não há menção ao Estado e às suas políticas ou a qualquer forma de estrutura socioconômica sobre a qual se funda e opera a cadeia do tráfico de drogas. A razão última para tal omissão é óbvia: ao apresentar o tráfico e a rede criminal a tal atividade ligada como algo autóctone, o mal em geração espontânea, a narrativa desautoriza – ou mesmo impede - o desenvolvimento de qualquer reflexão sobre a relação entre estruturas sociais e econômicas vis-à-vis germinação e desenvolvimento da criminalidade.
Assim, O Clone, ao invés de estimular em bases efetivas o debate sobre as drogas – como alardeiam, eufóricos, seus (muitos) entusiastas -, pluralizando o enfoque e abarcando, ainda que nos limites da dramaturgia televisiva, a complexidade da questão, restringiu-o à esfera do consumidor – estereotipado como o viciado sobre o qual se erige a cadeia do tráfico, e premido entre a repressão legal e a “salvação” clínico/religiosa -, cristalizando, assim, a marginalização social dos usuários. Trata-se de uma perspectiva que não deixa de trazer em seu bojo alguma lógica (simplista e descontextualizada, mas efetiva) – afinal, se ninguém comprasse drogas o tráfico não existiria. Porém, para avalizar esse discurso – como o faz parcela considerável da classe média brasileira – é preciso desconsiderar uma constatação inegável e deixar de responder a uma questão fundamental.
Sem respostas fáceis
O fato a se negligenciar para assegurar a manutenção da culpabilização do usuário é a constatação de que há mais de uma dezena de países desenvolvidos – incluindo EUA, Alemanha e Inglaterra – nos quais o consumo de drogas é substancialmente maior do que no Brasil, mas em nenhum deles se verifica algo remotamente similar à constituição de um poder criminal paralelo que subjuga comunidades inteiras como se verifica nos morros do Rio de Janeiro.
Ora, se italianos, franceses e holandeses compram, proporcionalmente, muito mais drogas do que brasileiros e lá não há favelas coagidas por poderes paralelos armados, a conclusão óbvia e inescapável é que a culpa pela existência destes não pode ser atribuída ao usuário, mas às peculiares estruturas socioeconômicas da sociedade brasileira, a de maior assimetria entre ricos e pobres no mundo.
A questão fundamental que os estratos que preferem, numa manobra auto-expiatória de tonalidades psicanalíticas, culpabilizar os usuários (a se olhar, como sociedade, no espelho) é: o que os bandos armados que dominam os morros fluminenses fariam se, hipoteticamente, o tráfico de drogas acabasse? Parece-me pouco provável que prefeririam vender maçãs-do-amor e algodão doce nas praças e praias da Cidade Maravilhosa: com o portentoso armamento de que dispõem, muito provavelmente passariam a, com freqüência inaudita,assaltar, seqüestrar e barbarizar os cidadãos. O que provaria - aliás, uma vez mais - que o problema não é a droga, mas uma estrutura social sediciosa e violenta.
O estratagema levado a cabo na telenovela - buscar transferir ao usuário as culpas pela omissão e inabilidade do Estado no trato da questão das drogas no país – é o mesmo que há meses vem sendo praticado pela própria campanha publicitária do Ministério da Saúde, em comerciais dirigidos aos usuários (`aqueles que ainda não trocaram sua TV pela droga, bem entendido), baseados na seguinte linha de raciocínio: “quem sustenta o crime organizado é o tráfico de drogas; quem sustenta o tráfico de drogas é você. Antes de comprar a próxima dose, pense nisso.”
Usuário: vitima ou algoz
Essa simplificação fácil, falaciosa e isenta de causas e conseqüências socioeconômicas das ligações entre crime, consumo e tráfico de drogas (e na qual o mesmo usuário que em outros programas do referido ministério, tal como nas democracias avançadas, é considerado uma vítima enferma do vício - portanto com capacidade de decisão afetada – se metamorfoseia, subitamente, no indutor consciente de todo o processo, aquele que decide, como se arbítrio para tal ato tivesse, abrir ou não a caixa de Pandora da questão das drogas no país), torna-se ainda mais explícita (e perversa) no mais recente comercial do gênero, no qual a associação dá-se de forma direta, através da história de um rapaz que, ao sair de uma “boca de fumo”, vê a mãe ser morta pelos mesmos marginais dos quais acabara de comprar drogas. A seguir nessa linha, a cada flagrante por porte de drogas deveria somar-se, automaticamente, uma autuação por homicídio...
Nesse cenário, granjeia a mistificação. “Maconha mata seus neurônios”, alardeia um dentre tantos anúncios financiados pelo Governo Federal – ou seja, por dinheiro público – que visam estabelecer uma caricata dicotomia entre “drogados semi-retardados e apáticos” e “jovens dinâmicos e saudáveis”. Nenhuma das principais pesquisas de longa duração, realizadas segundo critérios consagrados pela comunidade científica – incluindo o exaustivo estudo de 14 anos patrocinado pela FDA (EUA) -constata “morte” de neurônios em decorrência do uso de maconha. Tais danos estão na esfera de ação das drogas lisérgicas, como os derivados do LSD, “ácidos” sintetizados e cogumelos.
Argumentos falaciosos
Campanhas baseadas em inverdades e na mistificação tendem ao fracasso. Além das pessoas bem-sucedidas e produtivas que pertencem ao círculo de amizades dos jovens, a própria mídia é habitada por personalidades as mais cultuadas notoriamente ligadas ao uso de drogas – e às vezes por longos períodos, como no caso de tantos astros pop. Quem convive com a juventude urbana se apercebe de que o destino de tais estratagemas publicitários é somar-se ao vasto anedotário das campanhas anti-droga, que, ao recorrerem a discursos que os usuários acabam descobrindo, por experiência própria, inverídicos e caricaturais, reforçam a eles a impressão de que o governo os quer ludibriar com tais campanhas – que acabam, assim, se revertendo em contra-propaganda.
Campanhas de prevenção e de combate às drogas, questão de saúde pública, são legítimas e necessárias, sobretudo no âmbito de drogas pesadas e da disseminação de drogas facilmente acessíveis e devastadoras, como o crack e o ecstasy. Porém, goste-se ou não, sua eficácia está diretamente ligada à capacidade de criar empatia e confiança com o público jovem. Mistificação e artifícios enganosos, embalados na narrativa ficcional de uma novela ou em comerciais “criativos”, não ajudam em nada, significam retrocesso e até, eventualmente, pelas razões parágrafos acima explicitadas, podem reverter-se em estímulo ao consumo.
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domingo, 16 de janeiro de 2011
A Globo e o El País: jornalismo em xeque
Em termos de comunicação, a estratégia que garantiu ao ex-presidente Lula se reeleger e terminar seu segundo mandato com 87% de aprovação popular - a despeito de oito anos de oposição cerrada da mídia, incluindo espasmos golpistas - concentrou-se no seguinte tripé:
Mídia internacional
Além desses fatores, a cobertura que grandes veículos da imprensa internacional fizeram da personalidade política de Lula e de seu governo, contraposta à má-vontade e às distorções preconceituosas da mídia nativa, não só tornou evidente o quanto esta oferecia uma visão falsa dos fatos, como forneceu – à história, ao público internacional e a estratos mais antenados no próprio Brasil - um atestado da eficiência da gestão presidencial.
Tal atestado, por sua vez, contradiz as acusações de populismo que, através de ilações entre altas taxas de aprovação e programas de inclusão social como o Bolsa-Família, a mídia corporativa esforçava-se por pespegar em Lula, adotando-as como a explicação virtualmente exclusiva para o sucesso de sua gestão.
Rancor dos derrotados
A vitória eleitoral de Dilma Rousseff representou a derrota do projeto político abraçado pela mídia corporativa nativa. Pois, como escrevi no início da campanha eleitoral, em artigo no Observatório da Imprensa, as eleições de 2010, de caráter eminentemente plebiscitário, não oporiam apenas o projeto de inclusão social em bases pós-keynesianas encarnado pelo lulopetismo e o retorno à ortodoxia neoliberal tucana, mas a efetividade da influência eleitoral da mídia corporativa versus a diversificação desconcentrada e contra-discursiva da internet e dos pequenos media.
Derrotada uma vez mais, resta à velha mídia procurar minar qualquer estratégia comunicacional que contrarie seu projeto político. Na internet, a briga é por uma regularização draconiana, representada pelo projeto do senador Eduardo Azeredo (acusado de ser o principal nome do mensalão tucano e réu em denúncia criminal aceita pelo STF). Já em relação à desconcentração das verbas publicitárias federais, pouco pode fazer, no curto prazo, para revertê-la novamente ao modelo concentrador de que sempre se beneficiou.
Fontes não confiáveis
No entanto, credenciar-se novamente como fonte da imprensa anglo-européia poderia significar a chance tanto de impedir que Dilma, por seus próprios méritos, se beneficie da cobertura jornalística desta (como ocorreu com Lula) quanto de, assim, criar um fator de chantagem, digo, de pressão para demandar maiores verbas federais para suas publicações.
Por tais razões é importante a reação sistemática dos brasileiros contra matéria publicada hoje pelo usualmente sóbrio El País, da Espanha, ecoando uma edição de imagens claramente mal intencionada e JORNALISTICAMENTE CRIMINOSA da Rede Globo – na qual altera flagrantes de momentos de descontração durante a primeira reunião ministerial, em Brasília, com imagens da tragédia das enchentes. Ou seja, que conecta artificialmente dois eventos espacialmente apartados e de diferentes naturezas de modo a, por interesses políticos, manipular emocionalmente os espectadores, num ato de incrível baixeza e falta de profissionalismo.
No texto, o correspondente de longa data Juan Arias – um especialista em Vaticano e escritor de livros com temática espiritual, incluindo um sobre Paulo Coelho – se diz impressionado e indignado pelas imagens. Um jornal do prestígio internacional do El País não pode manter em um país com a atual importância estratégica do Brasil um correspondente que não só se mostra incapaz de identificar o viés fortemente tendencioso da imprensa, mas compra como legítima – e se deixa impressionar por – uma montagem descontextualizada e artificial de imagens que a ética jornalística condena.
É preciso protestar
Ainda antes antes de saber que Eduardo Guimarães publicara um post conclamando seus leitores a escreverem ao jornal espanhol protestando, enviei ao El País um comentário (que foi publicado). Eis a tradução:
- Diversificação do investimento da verba publicitária federal, espraiada em pequenas e médias publicações e emissoras de rádio;
- Internet (notadamente blogosfera e redes sociais);
- Marketing político de primeiro nível, não restrito a campanhas eleitorais.
Mídia internacional
Além desses fatores, a cobertura que grandes veículos da imprensa internacional fizeram da personalidade política de Lula e de seu governo, contraposta à má-vontade e às distorções preconceituosas da mídia nativa, não só tornou evidente o quanto esta oferecia uma visão falsa dos fatos, como forneceu – à história, ao público internacional e a estratos mais antenados no próprio Brasil - um atestado da eficiência da gestão presidencial.
Tal atestado, por sua vez, contradiz as acusações de populismo que, através de ilações entre altas taxas de aprovação e programas de inclusão social como o Bolsa-Família, a mídia corporativa esforçava-se por pespegar em Lula, adotando-as como a explicação virtualmente exclusiva para o sucesso de sua gestão.
Rancor dos derrotados
A vitória eleitoral de Dilma Rousseff representou a derrota do projeto político abraçado pela mídia corporativa nativa. Pois, como escrevi no início da campanha eleitoral, em artigo no Observatório da Imprensa, as eleições de 2010, de caráter eminentemente plebiscitário, não oporiam apenas o projeto de inclusão social em bases pós-keynesianas encarnado pelo lulopetismo e o retorno à ortodoxia neoliberal tucana, mas a efetividade da influência eleitoral da mídia corporativa versus a diversificação desconcentrada e contra-discursiva da internet e dos pequenos media.
Derrotada uma vez mais, resta à velha mídia procurar minar qualquer estratégia comunicacional que contrarie seu projeto político. Na internet, a briga é por uma regularização draconiana, representada pelo projeto do senador Eduardo Azeredo (acusado de ser o principal nome do mensalão tucano e réu em denúncia criminal aceita pelo STF). Já em relação à desconcentração das verbas publicitárias federais, pouco pode fazer, no curto prazo, para revertê-la novamente ao modelo concentrador de que sempre se beneficiou.
Fontes não confiáveis
No entanto, credenciar-se novamente como fonte da imprensa anglo-européia poderia significar a chance tanto de impedir que Dilma, por seus próprios méritos, se beneficie da cobertura jornalística desta (como ocorreu com Lula) quanto de, assim, criar um fator de chantagem, digo, de pressão para demandar maiores verbas federais para suas publicações.
Por tais razões é importante a reação sistemática dos brasileiros contra matéria publicada hoje pelo usualmente sóbrio El País, da Espanha, ecoando uma edição de imagens claramente mal intencionada e JORNALISTICAMENTE CRIMINOSA da Rede Globo – na qual altera flagrantes de momentos de descontração durante a primeira reunião ministerial, em Brasília, com imagens da tragédia das enchentes. Ou seja, que conecta artificialmente dois eventos espacialmente apartados e de diferentes naturezas de modo a, por interesses políticos, manipular emocionalmente os espectadores, num ato de incrível baixeza e falta de profissionalismo.
No texto, o correspondente de longa data Juan Arias – um especialista em Vaticano e escritor de livros com temática espiritual, incluindo um sobre Paulo Coelho – se diz impressionado e indignado pelas imagens. Um jornal do prestígio internacional do El País não pode manter em um país com a atual importância estratégica do Brasil um correspondente que não só se mostra incapaz de identificar o viés fortemente tendencioso da imprensa, mas compra como legítima – e se deixa impressionar por – uma montagem descontextualizada e artificial de imagens que a ética jornalística condena.
É preciso protestar
Ainda antes antes de saber que Eduardo Guimarães publicara um post conclamando seus leitores a escreverem ao jornal espanhol protestando, enviei ao El País um comentário (que foi publicado). Eis a tradução:
“Não é necessário ser um gênio para perceber que não é honesto confundir a atmosfera particular de uma reunião ministerial com a reação de um presidente ante o sofrimento humano causado pelas enchentes. Além disso, o fato é que a reação efetiva de Dilma Rousseff para amenizar os efeitos da tragédia foi rápida e objetiva, visitando as zonas afetadas e autorizando a liberação do equivalente a U$450 milhões. A imprensa brasileira, desde a eleição de Lula da Silva em 2002, atua como um partido político e não pode ser levada a sério. Sinto muito que um jornal supostamente sério como o El País “compre” a campanha infame que os meios corporativos brasileiros movem contra Rousseff. Reproduzir suas mentiras significa enganar os leitores do jornal – como o correspondente Juan Arias, se realmente tem consciência do que ora acontece no Brasil, deveria saber”.Gostaria de reforçar o apelo de Eduardo e convidar mais pessoas a protestarem. Ressalvo, no entanto, a importância de ser educado e argumentativo, ao invés de se utilizar da agressividade xenófoba que se lê em alguns comentários. Agredir os espanhóis pelo erro do jornal não é inteligente nem adequado (pense: você acharia justo ser ofendido pelo que a mídia brasileira publica?). Não dominando o idioma, talvez seja conveniente valer-se de um tradutor na internet (não são perfeitos mas ajudam), de maneira a fazer com que os leitores espanhóis entendam nossas razões e eventualmente apóiem nosso protesto. O importante é fazer, através do volume de cartas e da sensatez das argumentações, o editor do El País convencer-se de que erraram - e feio.
("Relatividade" (M. C. Escher, 1953) retirado daqui)
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
Mídia e enchentes
A sucessão de enchentes, em São Paulo e na serra fluminense, somada a interesses político-corporativos, tem levado a distorções graves na cobertura das tragédias.
As forças conservadoras, com o auxílio voluntarioso da mídia, têm utilizado o excesso de chuvas como pretexto para relativizar a responsabilidade dos governantes demotucanos pelas enchentes em São Paulo, com o argumento falacioso - e algo cínico - de que a tragédia no Rio comprovaria que “a culpa é da chuva”. O maior exemplo (sic) disso é o Jornal Nacional
Avisos não faltaram
Chove demais, não há dúvidas. Mas é realmente uma surpresa que isso ocorra? Creio que não, pois, a despeito do ceticismo de alguns, os três principais efeitos apontados pelos que alertam para o aquecimento global – verões cada vez mais chuvosos nos trópicos, invernos cada vez mais rigorosos no hemisfério norte e aceleração do degelo dos pólos – vêm se confirmando ano após ano.
E, com o perdão da redundância, uma das funções primordiais de um governante é precisamente inteirar-se dos possíveis problemas a curto e médio prazos e assegurar-se da adoção de medidas para evitá-los – seja em São Paulo, no Rio ou na Austrália. Portanto, a adoção de medidas para evitar as conseqüências de chuvas que – como sabíamos de antemão – tendiam a ser cada vez mais volumosas deveria ser, há muito, item obrigatório na pauta de autoridades a cargo de áreas mais suscetíveis aos efeitos de intempéries.
Assim, ao contrário do que a mídia sugere, o fato de chover muito e de autoridades fluminenses não terem feito a lição de casa de forma alguma isenta seus pares paulistas. Mesmo porque as causas das enchentes em São Paulo – e da omissão governamental que agravou seus efeitos – claramente diferem, em vários aspectos, das do estado vizinho. Aqui, só no último ano, a prefeitura deixou de investir R$370 milhões do orçamento originalmente destinado a obras contra enchentes, enquanto o estado, além de contingenciar cerca de R$135 milhões em investimentos, negligenciou o desassoreamento do Rio Tietê, o qual deveria ocorrer ao menos quatro vezes ao ano e é tido por especialistas como medida imprescindível para evitar enchentes.
Topologia peculiar
Já no caso fluminense há dois dados concretos que fazem com que, efetivamente, a responsabilidade pela tragédia serrana deva ser atribuída a um número consideravelmente maior de entes: o primeiro é que, ao contrário do que ocorre em São Paulo, não houve, nas últimas duas décadas, excessiva concentração do poder nas mãos de determinadas forças políticas: das prefeituras dos municípios atingidos ao governo do estado, diversas autoridades e partidos – incluindo os “de esquerda” - revezaram-se no poder.
A segunda é a própria topografia da serra fluminense, vis-à-vis ocupação irregular do solo, resultando em uma configuração urbana extremamente suscetível à ação das águas.
Arredondar pra baixo
A mídia brasileira, no entanto, prefere fingir não notar tais nuances, adotando uma tripla estratégia: o primeiro item da pauta é, como já apontado, salvaguardar as forças políticas amigas.
O segundo é, como tem feito obsessivamente, procurar desgastar o ex-presidente Lula, atribuindo-lhe culpas que a princípio não têm, já que se trata de questões a priori de âmbito municipal e estadual. Cita negativamente o ex-mandatário a cada cinco minutos, mas omite o fato que a reação de seu governo às enchentes de então foi muito mais rápida e efetiva em termos materiais do que a de FHC, que preferiu voar para o exterior e dar ouvidos moucos aos pedidos de ajuda.
Além disso, enquanto o jornal argentino Página 12 reconhecia a celeridade com que Dilma Rousseff reagiu, liberando R$780 milhões e sobrevoando hoje a região, a Globo News cometia a indecência jornalística de arredondar pra baixo a quantia, falando em R$700 milhões. O ponto em que chegamos...
O terceiro item na pauta da mídia é dotar o noticiário de um tom narrativo extremamente emocional, uma exploração sadomasoquista do sofrimento alheio que toma o lugar que deveria ser da reportagem investigativa abrangente, com contextualização histórica e política, apuração condizente de responsabilidades e retratos pungentes mas respeitosos da tragédia e da dor humana.
As forças conservadoras, com o auxílio voluntarioso da mídia, têm utilizado o excesso de chuvas como pretexto para relativizar a responsabilidade dos governantes demotucanos pelas enchentes em São Paulo, com o argumento falacioso - e algo cínico - de que a tragédia no Rio comprovaria que “a culpa é da chuva”. O maior exemplo (sic) disso é o Jornal Nacional
Avisos não faltaram
Chove demais, não há dúvidas. Mas é realmente uma surpresa que isso ocorra? Creio que não, pois, a despeito do ceticismo de alguns, os três principais efeitos apontados pelos que alertam para o aquecimento global – verões cada vez mais chuvosos nos trópicos, invernos cada vez mais rigorosos no hemisfério norte e aceleração do degelo dos pólos – vêm se confirmando ano após ano.
E, com o perdão da redundância, uma das funções primordiais de um governante é precisamente inteirar-se dos possíveis problemas a curto e médio prazos e assegurar-se da adoção de medidas para evitá-los – seja em São Paulo, no Rio ou na Austrália. Portanto, a adoção de medidas para evitar as conseqüências de chuvas que – como sabíamos de antemão – tendiam a ser cada vez mais volumosas deveria ser, há muito, item obrigatório na pauta de autoridades a cargo de áreas mais suscetíveis aos efeitos de intempéries.
Assim, ao contrário do que a mídia sugere, o fato de chover muito e de autoridades fluminenses não terem feito a lição de casa de forma alguma isenta seus pares paulistas. Mesmo porque as causas das enchentes em São Paulo – e da omissão governamental que agravou seus efeitos – claramente diferem, em vários aspectos, das do estado vizinho. Aqui, só no último ano, a prefeitura deixou de investir R$370 milhões do orçamento originalmente destinado a obras contra enchentes, enquanto o estado, além de contingenciar cerca de R$135 milhões em investimentos, negligenciou o desassoreamento do Rio Tietê, o qual deveria ocorrer ao menos quatro vezes ao ano e é tido por especialistas como medida imprescindível para evitar enchentes.
Topologia peculiar
Já no caso fluminense há dois dados concretos que fazem com que, efetivamente, a responsabilidade pela tragédia serrana deva ser atribuída a um número consideravelmente maior de entes: o primeiro é que, ao contrário do que ocorre em São Paulo, não houve, nas últimas duas décadas, excessiva concentração do poder nas mãos de determinadas forças políticas: das prefeituras dos municípios atingidos ao governo do estado, diversas autoridades e partidos – incluindo os “de esquerda” - revezaram-se no poder.
A segunda é a própria topografia da serra fluminense, vis-à-vis ocupação irregular do solo, resultando em uma configuração urbana extremamente suscetível à ação das águas.
Arredondar pra baixo
A mídia brasileira, no entanto, prefere fingir não notar tais nuances, adotando uma tripla estratégia: o primeiro item da pauta é, como já apontado, salvaguardar as forças políticas amigas.
O segundo é, como tem feito obsessivamente, procurar desgastar o ex-presidente Lula, atribuindo-lhe culpas que a princípio não têm, já que se trata de questões a priori de âmbito municipal e estadual. Cita negativamente o ex-mandatário a cada cinco minutos, mas omite o fato que a reação de seu governo às enchentes de então foi muito mais rápida e efetiva em termos materiais do que a de FHC, que preferiu voar para o exterior e dar ouvidos moucos aos pedidos de ajuda.
Além disso, enquanto o jornal argentino Página 12 reconhecia a celeridade com que Dilma Rousseff reagiu, liberando R$780 milhões e sobrevoando hoje a região, a Globo News cometia a indecência jornalística de arredondar pra baixo a quantia, falando em R$700 milhões. O ponto em que chegamos...
O terceiro item na pauta da mídia é dotar o noticiário de um tom narrativo extremamente emocional, uma exploração sadomasoquista do sofrimento alheio que toma o lugar que deveria ser da reportagem investigativa abrangente, com contextualização histórica e política, apuração condizente de responsabilidades e retratos pungentes mas respeitosos da tragédia e da dor humana.
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
Férias, enchentes e reflexões sobre a mídia
O que é mais importante: a morte de 14 pessoas devido a enchentes no maior estado do país ou as férias de um ex-presidente da República, como convidado, em uma base do exército?
Que denúncia é mais séria: a de que a escolha da roupa da primeira mulher a assumir o poder em um país pode prejudicar a indústria nativa da moda ou a de que a prefeitura e o governo de um determinado estado deixaram de investir mais de R$500 milhões originalmente destinados a medidas anti-enchentes, resultando em mortes e pessoas desaparecidas e um cenário de caos e destruição que afeta milhões de cidadãos?
Crise ética
A resposta a tais questões, contraposta às manchetes dos periódicos, nos leva a uma reflexão sobre os critérios – ou à falta deles – que orientam o jornalismo que os grandes grupos brasileiros de comunicação vêm, há tempos, praticando.
É público e notório que tais problemas se agravaram nos últimos oito anos e meio (desde a campanha eleitoral de 2002, que acabou por eleger Lula), devido sobretudo ao fato – reconhecido por jornalistas como Fernando Rodrigues e pela própria presidenta da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Judith Brito – que a grande imprensa tem atuado, no que concerne ao âmbito federal, como oposição.
Realidade paralela
O custo dessa postura de grande parte da imprensa tem sido alto, em níveis que superam os efeitos globais da crise do jornalismo impresso provocados pela internet: publicações outrora respeitáveis como Veja, Folha de S. Paulo e O Globo vivenciam não só um processo acelerado de perda de assinantes, mas de prestígio: nos círculos informados do país tornaram-se motivo de chacota e é cada vez mais raro encontrar gente séria que as apóie ou defenda.
Pois esses veículos passaram a viver em um país paralelo, criado por suas próprias pautas, motivadas, por sua vez, não apenas por razões político-ideológicas, mas, como o post anterior procurou demonstrar, por interesses comerciais concretos. A oposição persecutória ao governo federal e o grau de menosprezo pelas escolhas eleitorais do povo foram (são) de tal ordem que acabaram por minar de forma grave sua credibilidade, impedindo até que as eventuais críticas procedentes fossem distinguidas como tal, levadas a sério e debatidas. Ou seja: ao mirar nos atores políticos acabaram por vitimar o jornalismo.
Outras fontes
Assim, ante essa já longa crise de credibilidade da imprensa, um público cada vez maior tem buscado em blogs não corporativos sua fonte de informação e de visões opinativas. Quem há anos atua na blogosfera sabe que é falsa a ideia, explícita ou subliminarmente difundida pelos grandes meios de comunicação, de que se trata de um grupo mínimo (“que cabe numa Kombi”), jovem e radical. A realidade é bem outra, marcada pela diversidade etária, educacional, profissional.
É, é claro, auspiciosa a constatação de que a emergência e ampliação da blogosfera política tem sido capaz de se contrapor, como ente crítico-informativo ( ainda que em bases materiais muito mais precárias), a uma mídia que abriu mão de ao menos buscar a isenção, a imparcialidade e o equilíbrio.
Questões urgentes
Mas será suficiente? O fato de as poucas famílias que comandam a mídia corporativa no Brasil terem levado o jornalismo ao estado de descrédito e penúria moral em que ora se encontra justifica, necessariamente, que abramos mão de ter uma imprensa em bases empresariais de qualidade, nos limitando à guerra de guerrilhas dos blogs?
A possibilidade de um jornalismo equilibrado, apartidário, estará mesmo sepultada, substituída por esse “jornalismo do contrário”, reativo, feito no mais das vezes em oposição a algo que deve ser desmentido ou desmascarado, que a necessidade de desconstruir uma mídia que atua de forma partidária tem imposto?
A ascensão da blogosfera – e das demais múltiplas possibilidades de intercâmbio de informações da web 2.0 – significa, necessária e inescapavelmente, na seara política, a transformação da Comunicação - e de sua nobre missão de informar e difundir - em mero campo de batalha entre forças ideológicas que se opõem entre si?
A demanda por informação
Neste exato momento, há dezenas de milhares de jovens matriculados em cursos superiores de Jornalismo país afora – e muitos efetivamente interessados em estudar e em se tornarem bons profissionais. E uma nova leva adentrará as universidades assim que o semestre letivo começar.
Por outro lado, e de forma complementar, há, no Brasil, um enorme contingente de jovens ávidos por informação qualificada, muitos recém-alfabetizados; outros tantos tendo o primeiro contato com o maravilhoso mundo novo da comunicação digital.
Há portanto, uma série de questões de cunho estrutural - econômico, trabalhista, educacional, tecnológico - que perpassam esse tema e o projetam para além do embate político-ideológico entre tendências que se digladiam pelo poder.
Para além da blogosfera
Se um dos trunfos das forças políticas que governam o país nos últimos oito anos tem sido justamente conciliar justiça social e desenvolvimento capitalista, não seria possível conceber, de curto a médio prazo, uma imprensa em base empresarial, mas que mantivesse o compromisso com a pluralidade e com uma visão crítica porém equilibrada da política?
Ou estaremos limitados a denunciar, no espaço atomizado de nossos blogs, manchetes sobre roupas e férias, enquanto campeiam a morte e o caos?
Que denúncia é mais séria: a de que a escolha da roupa da primeira mulher a assumir o poder em um país pode prejudicar a indústria nativa da moda ou a de que a prefeitura e o governo de um determinado estado deixaram de investir mais de R$500 milhões originalmente destinados a medidas anti-enchentes, resultando em mortes e pessoas desaparecidas e um cenário de caos e destruição que afeta milhões de cidadãos?
Crise ética
A resposta a tais questões, contraposta às manchetes dos periódicos, nos leva a uma reflexão sobre os critérios – ou à falta deles – que orientam o jornalismo que os grandes grupos brasileiros de comunicação vêm, há tempos, praticando.
É público e notório que tais problemas se agravaram nos últimos oito anos e meio (desde a campanha eleitoral de 2002, que acabou por eleger Lula), devido sobretudo ao fato – reconhecido por jornalistas como Fernando Rodrigues e pela própria presidenta da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Judith Brito – que a grande imprensa tem atuado, no que concerne ao âmbito federal, como oposição.
Realidade paralela
O custo dessa postura de grande parte da imprensa tem sido alto, em níveis que superam os efeitos globais da crise do jornalismo impresso provocados pela internet: publicações outrora respeitáveis como Veja, Folha de S. Paulo e O Globo vivenciam não só um processo acelerado de perda de assinantes, mas de prestígio: nos círculos informados do país tornaram-se motivo de chacota e é cada vez mais raro encontrar gente séria que as apóie ou defenda.
Pois esses veículos passaram a viver em um país paralelo, criado por suas próprias pautas, motivadas, por sua vez, não apenas por razões político-ideológicas, mas, como o post anterior procurou demonstrar, por interesses comerciais concretos. A oposição persecutória ao governo federal e o grau de menosprezo pelas escolhas eleitorais do povo foram (são) de tal ordem que acabaram por minar de forma grave sua credibilidade, impedindo até que as eventuais críticas procedentes fossem distinguidas como tal, levadas a sério e debatidas. Ou seja: ao mirar nos atores políticos acabaram por vitimar o jornalismo.
Outras fontes
Assim, ante essa já longa crise de credibilidade da imprensa, um público cada vez maior tem buscado em blogs não corporativos sua fonte de informação e de visões opinativas. Quem há anos atua na blogosfera sabe que é falsa a ideia, explícita ou subliminarmente difundida pelos grandes meios de comunicação, de que se trata de um grupo mínimo (“que cabe numa Kombi”), jovem e radical. A realidade é bem outra, marcada pela diversidade etária, educacional, profissional.
É, é claro, auspiciosa a constatação de que a emergência e ampliação da blogosfera política tem sido capaz de se contrapor, como ente crítico-informativo ( ainda que em bases materiais muito mais precárias), a uma mídia que abriu mão de ao menos buscar a isenção, a imparcialidade e o equilíbrio.
Questões urgentes
Mas será suficiente? O fato de as poucas famílias que comandam a mídia corporativa no Brasil terem levado o jornalismo ao estado de descrédito e penúria moral em que ora se encontra justifica, necessariamente, que abramos mão de ter uma imprensa em bases empresariais de qualidade, nos limitando à guerra de guerrilhas dos blogs?
A possibilidade de um jornalismo equilibrado, apartidário, estará mesmo sepultada, substituída por esse “jornalismo do contrário”, reativo, feito no mais das vezes em oposição a algo que deve ser desmentido ou desmascarado, que a necessidade de desconstruir uma mídia que atua de forma partidária tem imposto?
A ascensão da blogosfera – e das demais múltiplas possibilidades de intercâmbio de informações da web 2.0 – significa, necessária e inescapavelmente, na seara política, a transformação da Comunicação - e de sua nobre missão de informar e difundir - em mero campo de batalha entre forças ideológicas que se opõem entre si?
A demanda por informação
Neste exato momento, há dezenas de milhares de jovens matriculados em cursos superiores de Jornalismo país afora – e muitos efetivamente interessados em estudar e em se tornarem bons profissionais. E uma nova leva adentrará as universidades assim que o semestre letivo começar.
Por outro lado, e de forma complementar, há, no Brasil, um enorme contingente de jovens ávidos por informação qualificada, muitos recém-alfabetizados; outros tantos tendo o primeiro contato com o maravilhoso mundo novo da comunicação digital.
Há portanto, uma série de questões de cunho estrutural - econômico, trabalhista, educacional, tecnológico - que perpassam esse tema e o projetam para além do embate político-ideológico entre tendências que se digladiam pelo poder.
Para além da blogosfera
Se um dos trunfos das forças políticas que governam o país nos últimos oito anos tem sido justamente conciliar justiça social e desenvolvimento capitalista, não seria possível conceber, de curto a médio prazo, uma imprensa em base empresarial, mas que mantivesse o compromisso com a pluralidade e com uma visão crítica porém equilibrada da política?
Ou estaremos limitados a denunciar, no espaço atomizado de nossos blogs, manchetes sobre roupas e férias, enquanto campeiam a morte e o caos?
(Foto retirada daqui)
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domingo, 9 de janeiro de 2011
Por que a mídia odeia Lula
Uma revolução no modelo de comunicação oficial teve lugar durante os últimos oito anos, no âmbito federal. De profundas conseqüências tanto para a manutenção, capilarizada, das pontes de comunicação do governo com a sociedade quanto para a resistência contra os ataques incessantes da imprensa corporativa, tais mudanças foram propositadamente ocultadas do grande público por parte da mídia. Pois conhecê-las significa se dar conta de razões objetivas para o ódio que esta alimenta pelo lulopetismo.
Radiografia da desconcentração
Entre janeiro de 2003 e dezembro de 2010, o número de veículos beneficiários de publicidade federal passou, segundo dados oficiais da Secom, de um total de 499 para 6.835 – um aumento de mais de 1.200%.
No início do governo Lula, as verbas publicitárias federais espraiavam-se por 270 rádios, a maioria pertencente a políticos aliados e/ou localizada em capitais e cidades médias. Hoje são 2.301 emissoras, a maioria de cidades pequenas, muitas de grotões remotos.
No que concerne aos jornais, apenas 179 eram irrigados por tais verbas quando o governo FHC chegou ao fim; agora elas beneficiam 1.888 veículos – ou seja, um número mais de dez vezes maior.
Pulverização e pluralismo
Não é preciso ser especialista em comunicação para perceber que essa diversificação é intrinsecamente positiva, pois inclusiva e desconcentradora, deixando de priorizar quase exclusivamente os grandes grupos – como a publicidade oficial historicamente sempre fez - para também beneficiar jornais e rádios de médio e pequeno porte.
Mas os grandes grupos de comunicação, naturalmente, perdem muito em conseqüência dessa nova política de marketing – tanto em termos materiais quanto no que se refere a seu poder de influência e coação. A Rede Globo, por exemplo, detinha quase 90% da verba publicitária federal até 2002, porcentagem que hoje caiu para menos da metade.
A reação
Os grandes grupos de mídia não assistiram calados à perda de capital e poder. Sua reação foi, em primeiro lugar, mobilizar seus assim chamados jornalistas para que fabricassem factóide atrás de factóide – alguns dos quais forjados em conluio com figuras da oposição -, os quais seriam reverberados em cadeia, nas colunas de seus jornais e de suas emissoras de rádio e de TV. Cansamos de ver esse filme se repetir entre 2003 e o presente.
Em segundo lugar, construíram ou intensificaram alianças entre si, de modo a se fortalecerem. Decorre daí o alinhamento entre a encarnação neocon da Veja e a outrora soi disant independente Folha de S. Paulo e a criação do Instituto Millenium – que ora intensifica sua publicidade na internet -, reunindo “personalidades”, jornalistas e o baronato midiático em torno de uma oposição de viés golpista a Lula (e agora a Dilma).
Se o Brasil tivesse uma imprensa de verdade, tais fatos seriam do conhecimento de todos e, dada a importância do setor de comunicações numa democracia, estariam no centro das discussões públicas, no lugar de factóides que constrangem pela irrelevância.
Provas materiais
É fundamental que as informações elencadas acima sejam divulgadas, que circulem entre diferentes setores da sociedade. Enquanto a mera crítica à mídia, mesmo se embasada, tende a eventualmente parecer aos leigos carregada de partidarismo ideológico - fazendo com que parentes e amigos nos olhem com descrédito quando questionamos um jornalista da Folha ou da Globo -, a letra fria dos números constitui uma prova irrefutável da existência, para além das divergências ideológicas e do preconceito de classes, de razões objetivas para o ódio figadal com que combatem o lulopetismo.
Os grandes grupos de mídia foram muito afetados em seus rendimentos pelos efeitos da desconcentração das comunicações produzida nos últimos oito anos - e qualquer leigo, por menos informado que seja, compreende o que é "sentir no bolso" e a reação imediata e desmedida que os apertos financeiros suscitam, ainda mais entre mega-empresários que sempre estiveram acostumados a muito lucrar.
Fosse o mau jornalismo uma modalidade de crime, o motivo estaria, portanto, estabelecido. A arma seria a leviandade, a distorção dos fatos e a má-fé persecutória; e a vítima, embora seus perpetradores desejassem que fosse Lula ou Dilma, é a verdade dos fatos, tal como repassados ao público.
Radiografia da desconcentração
Entre janeiro de 2003 e dezembro de 2010, o número de veículos beneficiários de publicidade federal passou, segundo dados oficiais da Secom, de um total de 499 para 6.835 – um aumento de mais de 1.200%.
No início do governo Lula, as verbas publicitárias federais espraiavam-se por 270 rádios, a maioria pertencente a políticos aliados e/ou localizada em capitais e cidades médias. Hoje são 2.301 emissoras, a maioria de cidades pequenas, muitas de grotões remotos.
No que concerne aos jornais, apenas 179 eram irrigados por tais verbas quando o governo FHC chegou ao fim; agora elas beneficiam 1.888 veículos – ou seja, um número mais de dez vezes maior.
Pulverização e pluralismo
Não é preciso ser especialista em comunicação para perceber que essa diversificação é intrinsecamente positiva, pois inclusiva e desconcentradora, deixando de priorizar quase exclusivamente os grandes grupos – como a publicidade oficial historicamente sempre fez - para também beneficiar jornais e rádios de médio e pequeno porte.
Mas os grandes grupos de comunicação, naturalmente, perdem muito em conseqüência dessa nova política de marketing – tanto em termos materiais quanto no que se refere a seu poder de influência e coação. A Rede Globo, por exemplo, detinha quase 90% da verba publicitária federal até 2002, porcentagem que hoje caiu para menos da metade.
A reação
Os grandes grupos de mídia não assistiram calados à perda de capital e poder. Sua reação foi, em primeiro lugar, mobilizar seus assim chamados jornalistas para que fabricassem factóide atrás de factóide – alguns dos quais forjados em conluio com figuras da oposição -, os quais seriam reverberados em cadeia, nas colunas de seus jornais e de suas emissoras de rádio e de TV. Cansamos de ver esse filme se repetir entre 2003 e o presente.
Em segundo lugar, construíram ou intensificaram alianças entre si, de modo a se fortalecerem. Decorre daí o alinhamento entre a encarnação neocon da Veja e a outrora soi disant independente Folha de S. Paulo e a criação do Instituto Millenium – que ora intensifica sua publicidade na internet -, reunindo “personalidades”, jornalistas e o baronato midiático em torno de uma oposição de viés golpista a Lula (e agora a Dilma).
Se o Brasil tivesse uma imprensa de verdade, tais fatos seriam do conhecimento de todos e, dada a importância do setor de comunicações numa democracia, estariam no centro das discussões públicas, no lugar de factóides que constrangem pela irrelevância.
Provas materiais
É fundamental que as informações elencadas acima sejam divulgadas, que circulem entre diferentes setores da sociedade. Enquanto a mera crítica à mídia, mesmo se embasada, tende a eventualmente parecer aos leigos carregada de partidarismo ideológico - fazendo com que parentes e amigos nos olhem com descrédito quando questionamos um jornalista da Folha ou da Globo -, a letra fria dos números constitui uma prova irrefutável da existência, para além das divergências ideológicas e do preconceito de classes, de razões objetivas para o ódio figadal com que combatem o lulopetismo.
Os grandes grupos de mídia foram muito afetados em seus rendimentos pelos efeitos da desconcentração das comunicações produzida nos últimos oito anos - e qualquer leigo, por menos informado que seja, compreende o que é "sentir no bolso" e a reação imediata e desmedida que os apertos financeiros suscitam, ainda mais entre mega-empresários que sempre estiveram acostumados a muito lucrar.
Fosse o mau jornalismo uma modalidade de crime, o motivo estaria, portanto, estabelecido. A arma seria a leviandade, a distorção dos fatos e a má-fé persecutória; e a vítima, embora seus perpetradores desejassem que fosse Lula ou Dilma, é a verdade dos fatos, tal como repassados ao público.
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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
O velho jornaleiro
Um dia desses, ao voltar a São Paulo para visitar meus pais, descendo a principal rua do bairro onde morei dos três anos ao final da adolescência – um enclave português no subúrbio –, tomei um susto ao notar que a banca de jornais de “seu” Ari transformara-se em um ponto comercial vulgar, de venda de acessórios para motos.
“Seu” Ari era um nissei muito franzino, de uma educação e de uma dignidade evidentes por trás dos óculos de aros finos e dos cabelos precocemente grisalhos. As primeiras vezes que fui à sua banca – na verdade, uma portinha de um metro de largura, dando em um fundo corredor ladeado por dezenas de revistas - ele devia ter uns 40 e poucos anos e já tinha essa aparência, enquanto eu começava a sair da infância rumo à puberdade.
Foi quando comecei a ler com regularidade jornais e revistas. O Jornal do Brasil já deixara de ser o mítico JB, a grande referência na imprensa brasileira dos anos 60/70, e a Veja era ainda uma revista bem-escrita e com atraente projeto gráfico, e, embora ligeira, às vezes leviana e sempre de má vontade com a cultura nacional, a anos-luz do panfleto obscurantista que ora se tornou.
Aparências mantidas
O grande jornal brasileiro era a Folha de S. Paulo, ainda beneficiário das reformas promovidas por Claudio Abramo e de uma alardeada obsessão pelo profissionalismo que ao menos mantinha as aparências. Nessa época meu interesse por política era superficial, eu tendia a pular os cadernos iniciais e devorar a Ilustrada, que, a cargo de jovens jornalistas – com o reforço de pesos-pesados como Sergio Augusto e, para o bem ou para o mal, Paulo Francis -, modernizava a crítica cultural e, abrindo-se ao universo pop-rock mais atual, ajudava a tornar respirável a lentíssima abertura política que marcou os estertores da ditadura.
Logo, a Folha ganharia ainda mais cacife, ao se transformar no principal porta-voz das Diretas-Já na imprensa.
Tempos idos
Lembro claramente de chegar algumas vezes da balada e, resistindo ao sono e à tentação de afanar um exemplar da pilha que ficava em plena calçada, ao relento, ficar esperando “seu” Ari abrir a banca. Ele aparecia pontualmente às 05h (e ia embora às 19h), e na eventualidade de eu, "durango", ter gastado todo o meu dinheiro na noite, deixava que eu “pendurasse” – e ainda trocava algumas palavras gentis com o pirralho impertinente. Um gentleman.
Eram outros tempos. Hoje sabemos que o outrora promissor jornal tornou-se uma publicação mesquinha, apequenada por um diretor de redação aloprado, que não hesita em publicar fichas policiais falsas na capa, em atacar grosseiramente respeitados professores universitários, em valer-se de um militante desequilibrado para difamar com leviandade o mais popular presidente do país - cujos méritos se recusa a reconhecer - , em criar factóide atrás de factóide no afã de fazer valer seus interesses político-econômicos, dando uma banana para o leitor, cujas opiniões menospreza.
Ou seja, a partir de um certo momento, instaura-se uma incompatibilidade evidente entre uma publicação tão negligente para com a ética profissional e a dignidade civilizada de alguém como “seu” Ari.
Cai o pano
A última vez que o vi, em uma visita anterior a São Paulo, fiquei impressionado ao constatar o quanto envelhecera: os cabelos, agora ralos, tornaram-se todos brancos; estava encurvado, alquebrado pelo peso dos anos, e, por trás dos óculos agora mais grossos, sua fronte se tornara um feixe flácido de rugas. Só restava, no fundo dos olhos, um brilho agudo de sabedoria - e, intacta, sua dignidade.
Não obstante tal constatação, já nessa ocasião a metáfora contrapondo a débâcle física do jornaleiro e a decadência dos jornais e revistas que comercializava impôs-se, epifânica.
A transformação, em um ponto comercial vulgar, da banca de jornais da qual “seu” Ari retirou, por uma vida, seu sustento, forma, assim, uma alegoria - e um presságio – para o destino da grande imprensa brasileira. A qual, ao renunciar ao jornalismo em prol da defesa de interesses corporativos,atentando contra sua função institucional, republicana, e desrespeitando o leitor, só restará cumprir sua sina. E o fará sem um pingo da dignidade do velho jornaleiro.
“Seu” Ari era um nissei muito franzino, de uma educação e de uma dignidade evidentes por trás dos óculos de aros finos e dos cabelos precocemente grisalhos. As primeiras vezes que fui à sua banca – na verdade, uma portinha de um metro de largura, dando em um fundo corredor ladeado por dezenas de revistas - ele devia ter uns 40 e poucos anos e já tinha essa aparência, enquanto eu começava a sair da infância rumo à puberdade.
Foi quando comecei a ler com regularidade jornais e revistas. O Jornal do Brasil já deixara de ser o mítico JB, a grande referência na imprensa brasileira dos anos 60/70, e a Veja era ainda uma revista bem-escrita e com atraente projeto gráfico, e, embora ligeira, às vezes leviana e sempre de má vontade com a cultura nacional, a anos-luz do panfleto obscurantista que ora se tornou.
Aparências mantidas
O grande jornal brasileiro era a Folha de S. Paulo, ainda beneficiário das reformas promovidas por Claudio Abramo e de uma alardeada obsessão pelo profissionalismo que ao menos mantinha as aparências. Nessa época meu interesse por política era superficial, eu tendia a pular os cadernos iniciais e devorar a Ilustrada, que, a cargo de jovens jornalistas – com o reforço de pesos-pesados como Sergio Augusto e, para o bem ou para o mal, Paulo Francis -, modernizava a crítica cultural e, abrindo-se ao universo pop-rock mais atual, ajudava a tornar respirável a lentíssima abertura política que marcou os estertores da ditadura.
Logo, a Folha ganharia ainda mais cacife, ao se transformar no principal porta-voz das Diretas-Já na imprensa.
Tempos idos
Lembro claramente de chegar algumas vezes da balada e, resistindo ao sono e à tentação de afanar um exemplar da pilha que ficava em plena calçada, ao relento, ficar esperando “seu” Ari abrir a banca. Ele aparecia pontualmente às 05h (e ia embora às 19h), e na eventualidade de eu, "durango", ter gastado todo o meu dinheiro na noite, deixava que eu “pendurasse” – e ainda trocava algumas palavras gentis com o pirralho impertinente. Um gentleman.
Eram outros tempos. Hoje sabemos que o outrora promissor jornal tornou-se uma publicação mesquinha, apequenada por um diretor de redação aloprado, que não hesita em publicar fichas policiais falsas na capa, em atacar grosseiramente respeitados professores universitários, em valer-se de um militante desequilibrado para difamar com leviandade o mais popular presidente do país - cujos méritos se recusa a reconhecer - , em criar factóide atrás de factóide no afã de fazer valer seus interesses político-econômicos, dando uma banana para o leitor, cujas opiniões menospreza.
Ou seja, a partir de um certo momento, instaura-se uma incompatibilidade evidente entre uma publicação tão negligente para com a ética profissional e a dignidade civilizada de alguém como “seu” Ari.
Cai o pano
A última vez que o vi, em uma visita anterior a São Paulo, fiquei impressionado ao constatar o quanto envelhecera: os cabelos, agora ralos, tornaram-se todos brancos; estava encurvado, alquebrado pelo peso dos anos, e, por trás dos óculos agora mais grossos, sua fronte se tornara um feixe flácido de rugas. Só restava, no fundo dos olhos, um brilho agudo de sabedoria - e, intacta, sua dignidade.
Não obstante tal constatação, já nessa ocasião a metáfora contrapondo a débâcle física do jornaleiro e a decadência dos jornais e revistas que comercializava impôs-se, epifânica.
A transformação, em um ponto comercial vulgar, da banca de jornais da qual “seu” Ari retirou, por uma vida, seu sustento, forma, assim, uma alegoria - e um presságio – para o destino da grande imprensa brasileira. A qual, ao renunciar ao jornalismo em prol da defesa de interesses corporativos,atentando contra sua função institucional, republicana, e desrespeitando o leitor, só restará cumprir sua sina. E o fará sem um pingo da dignidade do velho jornaleiro.
(Foto retirada daqui)
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terça-feira, 4 de janeiro de 2011
O jornalismo neocon e a militância virtual
Muito já foi dito sobre as razões que levaram as grandes corporações jornalísticas à aderência ao chamado jornalismo neocon, denominação do estilo agressivo e marcadamente conservador que se difundiu inicialmente nos EUA - de radialistas populares para a Fox News - e que, no Brasil, ganhou abrigo nas páginas da outrora prestigiada revista Veja.
Resumidamente, mudanças e pressões econômicas, tecnológicas, políticas e ideológicas fizeram com que elas passassem a abrigar em suas redações e estúdios adeptos desse jornalismo malcriado e raso em informação histórica. Ainda que seu alvo principal sejam certos estratos sócio-econômicos, setores do público jovem têm sido muito receptivos a tal "estilo".
A consciência no tempo
A brilhante jornalista que é Maria Inês Nassif teceu as seguintes considerações, em artigo recente, do qual vale a pena ler também os emocionados comentários:
Essa amnésia histórica ajuda a explicar o porquê de um número relativamente expressivo de jovens se deixar seduzir pelo canto de sereia neocon.
Insegurança e catarse
Em primeiro lugar, porque, para essa geração, o governo Lula - e agora Dilma - constitui o poder, e é da natureza da juventude contestar o poder vigente, com razão ou não, seja ele qual for.
Em segundo, porque o jornalismo neocon brasileiro, de criaturas como Reinaldo Azevedo, Mainardi e Augusto Nunes, ao abrir mão da argumentação criteriosa, balanceada, em prol da agressividade e do ataque desqualificador, oferece uma experiência catártica que tende a seduzir particularmente a ainda revoltados e inseguros pós-adolescentes, os quais tendem a mimetizá-la. Há, muitas vezes, algo de afirmação pessoal e de recalque exorcisado nessa identificação.
Neoudenismo
Convém considerar, ainda, a questão da penetrabilidade do discurso moralista, uma arma histórica do conservadorismo brasileiro, popularizada pela UDN nos anos 40/50 e retomada pelo demotucanato com o auxílio da mídia amiga.
O alcance de tal discurso extrapola, evidentemente, o público jovem, já que a corrupção é – sempre foi - um problema grave e real no Brasil. Daí a afirmar que o governo Lula tenha sido o mais corrupto da história – como fazem os neocons – trata-se de uma generalização que, como debateremos em breve em outro post, não se sustenta minimamente e sublinha, uma vez mais, a falta de compromisso com a verdade e de conhecimento histórico por parte de tais jornalistas.
Por fim, é necessário reconhecer que o jornalismo neocon, com sua leviandade cafajeste e irresponsável, encontrou nas redes sociais um terreno prolífico, como o demonstra de forma cabal o caso dos jovens que clamaram (e ainda clamam), em tom de brincadeira ou não, pelo assassinato da presidenta eleita Dilma Rousseff.
Militância virtual
Até recentemente, a blogosfera, a despeito de sua diversidade, constituiu-se, majoritariamente, como um foco de resistência contra uma mídia partidarizada, agregando desde a esquerda anti-Lula até os que, sem cor político-ideológica, mostravam-se indignados pela perda de parâmetros da imprensa brasileira - além de simpatizantes do lulopetismo, é claro.
Com o incremento e acelerada difusão de novas redes sociais – o Twitter, notadamente – houve um processo de fragmentação e de “tribalização”, e ainda que os setores anti-conservadores tenham se fortalecido, a irrupção de uma militância neocon, açulada pela campanha suja e sem escrúpulos de José Serra, também assoma à cena, trazendo em seu bojo a intolerância, o racismo, o ódio de classe e, mais grave, a sem-cerimônia em divulgar ideias golpistas.
Ela representa a grande ameaça a ser combatida, o grande desafio: desarmar espíritos e trazer o debate político de volta ao âmbito das soluções democráticas e do diálogo civilizado.
Resumidamente, mudanças e pressões econômicas, tecnológicas, políticas e ideológicas fizeram com que elas passassem a abrigar em suas redações e estúdios adeptos desse jornalismo malcriado e raso em informação histórica. Ainda que seu alvo principal sejam certos estratos sócio-econômicos, setores do público jovem têm sido muito receptivos a tal "estilo".
A consciência no tempo
A brilhante jornalista que é Maria Inês Nassif teceu as seguintes considerações, em artigo recente, do qual vale a pena ler também os emocionados comentários:
“Há quase 47 anos o Brasil iniciava seu último período ditatorial. Faz 25 anos que acabou o último governo militar. 21 anos nos separam da primeira eleição direta para presidente; e há 20 anos se promulgava a nova Constituição brasileira.Não é frequente que prestemos atenção a tais efeitos exercidos pela passagem do tempo na consciência política. Tal gap generacional, convém reforçar, faz com que um jovem que esteja ingressando na universidade hoje – aos 18, 19 anos – sequer tenha acompanhado o governo Fernando Henrique Cardoso, já que era uma criança com cerca de 10 anos quando ele terminou.
Uma geração que já é adulta nasceu na democracia e sequer tem lembranças do período negro da ditadura. Essa geração não tem a dimensão do que é, para a história do país, o fato de uma mulher que foi presa política assumir a presidência da República. Isso é história em seu estado puro”.
Essa amnésia histórica ajuda a explicar o porquê de um número relativamente expressivo de jovens se deixar seduzir pelo canto de sereia neocon.
Insegurança e catarse
Em primeiro lugar, porque, para essa geração, o governo Lula - e agora Dilma - constitui o poder, e é da natureza da juventude contestar o poder vigente, com razão ou não, seja ele qual for.
Em segundo, porque o jornalismo neocon brasileiro, de criaturas como Reinaldo Azevedo, Mainardi e Augusto Nunes, ao abrir mão da argumentação criteriosa, balanceada, em prol da agressividade e do ataque desqualificador, oferece uma experiência catártica que tende a seduzir particularmente a ainda revoltados e inseguros pós-adolescentes, os quais tendem a mimetizá-la. Há, muitas vezes, algo de afirmação pessoal e de recalque exorcisado nessa identificação.
Neoudenismo
Convém considerar, ainda, a questão da penetrabilidade do discurso moralista, uma arma histórica do conservadorismo brasileiro, popularizada pela UDN nos anos 40/50 e retomada pelo demotucanato com o auxílio da mídia amiga.
O alcance de tal discurso extrapola, evidentemente, o público jovem, já que a corrupção é – sempre foi - um problema grave e real no Brasil. Daí a afirmar que o governo Lula tenha sido o mais corrupto da história – como fazem os neocons – trata-se de uma generalização que, como debateremos em breve em outro post, não se sustenta minimamente e sublinha, uma vez mais, a falta de compromisso com a verdade e de conhecimento histórico por parte de tais jornalistas.
Por fim, é necessário reconhecer que o jornalismo neocon, com sua leviandade cafajeste e irresponsável, encontrou nas redes sociais um terreno prolífico, como o demonstra de forma cabal o caso dos jovens que clamaram (e ainda clamam), em tom de brincadeira ou não, pelo assassinato da presidenta eleita Dilma Rousseff.
Militância virtual
Até recentemente, a blogosfera, a despeito de sua diversidade, constituiu-se, majoritariamente, como um foco de resistência contra uma mídia partidarizada, agregando desde a esquerda anti-Lula até os que, sem cor político-ideológica, mostravam-se indignados pela perda de parâmetros da imprensa brasileira - além de simpatizantes do lulopetismo, é claro.
Com o incremento e acelerada difusão de novas redes sociais – o Twitter, notadamente – houve um processo de fragmentação e de “tribalização”, e ainda que os setores anti-conservadores tenham se fortalecido, a irrupção de uma militância neocon, açulada pela campanha suja e sem escrúpulos de José Serra, também assoma à cena, trazendo em seu bojo a intolerância, o racismo, o ódio de classe e, mais grave, a sem-cerimônia em divulgar ideias golpistas.
Ela representa a grande ameaça a ser combatida, o grande desafio: desarmar espíritos e trazer o debate político de volta ao âmbito das soluções democráticas e do diálogo civilizado.
(Foto do genial Peter Sellers em Dr. Strangelove, de Kubrick, retirada daqui)
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